Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Podemos repetir os mesmos erros? A reconstrução do RS na pauta dos portais de notícia

(Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)

Seguimos acompanhando a situação do Rio Grande do Sul, que sofre de forma dramática as consequências de vários eventos climáticos extremos nos últimos meses, que atingiram mais de 2 milhões de pessoas no estado. O maior destaque foi dado a partir da inundação da capital Porto Alegre, durante o mês de maio de 2024. Entendemos que a tragédia gaúcha é um fato propulsor de várias abordagens e temas no jornalismo. Por esse motivo, a ponto de completarmos 60 dias das chuvas intensas, nossa atenção se volta para a chamada fase da reconstrução. Diante do desafio de que outros eventos extremos devem ocorrer no futuro, os investimentos de agora devem ser focados na construção de resiliências, como apontaram diferentes especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato ainda em maio. A partir do mês de junho, a maior parte das reportagens pontua a necessidade de recolocar a vida no RS em algum cenário de “normalidade”.

Esta fase envolve inúmeras tarefas, especialmente advindas da intervenção dos poderes públicos, como pacotes de ajuda financeira e respostas governamentais. Diante disso, nos perguntamos de que forma os portais de notícias têm falado sobre esse processo? Para nossa análise crítica, selecionamos reportagens jornalísticas publicadas em portais brasileiros durante o mês de junho, excluindo-se artigos de opinião e publicações de portais de governos. Com a expressão “reconstrução da tragédia do RS” colocada na pesquisa avançada, filtradas pelo mês e por notícias mais relevantes do Google, foram analisadas quinze matérias de nove diferentes portais de notícias: Folha de São Paulo, Correio Braziliense, Terra Brasil, GZH, Correio do Povo, G1, O Globo, Sul 21 e CNN.

As enchentes recentes evidenciaram falhas no planejamento urbano do passado, que contribuíram para a vulnerabilidade do estado a eventos climáticos extremos. Os jornalistas precisam destacar os projetos sobre ocupação territorial e os fatos negligenciados no passado, para que haja uma  mudança de paradigma na reconstrução do estado. Também é necessário que se trate de forma mais ampla os princípios de sustentabilidade e resiliência. Isso inclui a implementação de medidas de gestão de riscos, com sistema de alertas à população, a integração de soluções de infraestrutura verde e a promoção de práticas socioeconômicas a partir dos limites ambientais.

Pautas como o auxílio anunciado pelo governo federal na recuperação das áreas afetadas e a visita do presidente Lula foram recorrentes no período analisado. Em meio a essas discussões, questões ambientais foram pouco citadas. Com a leitura das matérias, ficou evidente que a grande maioria abordou predominantemente questões políticas e econômicas relacionadas à reconstrução, e apenas três citaram informações socioambientais.

As matérias encontradas com a temática ambiental abordaram propostas e preocupações pertinentes. Essas notícias destacaram um alerta vermelho para a reconstrução do estado, tendo em vista que algumas obras colocam em risco os meios de subsistência e a biodiversidade (Sul 21),  incluindo a necessidade de incorporar medidas de resiliência climática (Correio do Povo). Também o tema da  conservação ambiental e a importância de incluir ambientalistas no Conselho do Plano de Reconstrução do RS para sugerir uma série de ações relacionadas ao monitoramento, análise de risco e alerta, bem como medidas de adaptação e mitigação e resiliência climáticas (Sul 21).

O trabalho do jornalismo na cobertura da tragédia gaúcha, sob a perspectiva deste Observatório, tem várias fases e faces. Como já abordamos, é valiosa a tarefa da comunicação, em meio a tantas perdas e inseguranças, trazer elementos sobre as questões relacionadas às causas e conexões da catástrofe, bem como a preocupação com os desabrigados e sua relação com os riscos e mudanças climáticas. O quanto ainda a imprensa, em termos mundiais, dá menor importância a eventos do Sul Global, espelhando o impasse econômico e político da chamada governança global. Na nossa aldeia local, há a percepção que falta um aprofundamento em relação à apuração de responsabilidades por parte da imprensa hegemônica. Também ressaltamos o papel do jornalismo independente, que focaliza os direitos sufocados de grande parte da população e que são também invisibilizados na mídia tradicional. Ao mesmo tempo, visualizamos o esforço no enfrentamento do contexto de intensa desinformação, com mais apuração e verificação de fatos.

Nesta fase de reconstrução, o jornalismo pode refletir melhor sobre diferentes projetos de desenvolvimento que estão sendo colocados ao público Os veículos podem desempenhar um papel essencial para uma mudança de paradigma, promovendo ações preventivas, como a necessária regeneração ambiental pós-desastre, que inclui a nossa própria relação com a natureza. No entanto, neste breve levantamento, percebemos que essa pauta de fundo não é tão tratada como deveria.

Aprimorar a educação ambiental é essencial para qualificar o debate público sobre a reconstrução, pois este deveria estar baseado em efetiva participação social. É preciso ouvir gestores, cientistas, comunidades e os ecossistemas visando a incorporação da dimensão ambiental na cobertura jornalística, para cumprir com a responsabilidade de informar e educar o público sobre os desafios socioambientais. Portanto, o jornalismo deve apostar neste diálogo construtivo sobre soluções alternativas e sustentáveis para nosso estado, o que pode nos dar alguma esperança de que isso não se repita no futuro.

Publicado originalmente em Observatório de Jornalismo Ambiental.

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Cláudia Herte de Moraes é jornalista, doutora em Comunicação e Informação, professora na UFSM, Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). Líder do Grupo Mão na Mídia (CNPq/UFSM). E-mail: claudia.moraes@ufsm.br

Luana Novaes Scatigna é estudante de Jornalismo na UFSM, voluntária de iniciação científica. E-mail: luana.novaes@acad.ufsm.br.