Há menos de um ano, o presidente de uma multinacional de TI [tecnologias da informação] no Brasil comentava que a imprensa havia perdido o bonde da tecnologia, por não haver entendido exatamente o que estava acontecendo no mundo em função da convergência entre a comunicação móvel digital e a aceleração da capacidade de processamento dos computadores.
Neste mês, uma notícia discreta na mídia especializada, reproduzida em um número incontável de sites e blogs, registra um movimento importante das empresas de TI na direção do conteúdo de informações, como faz há mais de uma década a maior delas, a Microsoft.
A notícia de que a Hewlett-Packard, gigante do software e dos equipamentos de informática, está estimulando alguns de seus desenvolvedores de tecnologia a publicar blogs pessoais é observada com atenção pelos analistas. A Sun e a Microsoft já vinham abrindo espaço para seus cientistas e técnicos partilharem não apenas conhecimento tecnológico, mas também suas visões de mundo, e a empresa de Bill Gates avançou um pouco mais, oferecendo apoio para usuários de seus produtos se tornarem também protagonistas do mundo da comunicação.
Mais do que notícias de tecnologia, o miolo dessa seqüência de eventos liga-se diretamente àquilo que é lembrado no primeiro parágrafo: as empresas tradicionais de mídia perderam o bonde, investiram errado, se aventuraram em áreas que desconheciam – como a telefonia – e descuidaram de seu próprio negócio.
Basta muito pouco esforço para que todas as grandes empresas de tecnologia se tornem também publicadoras, a exemplo da Microsoft, aquecendo a temperatura do inferno que tem sido a gestão das empresas de comunicação. Como se já não bastasse a concorrência dos veículos entre si e com os outros meios tradicionais e a própria internet.
‘Ver e aceitar’
Não há evidências de que a HP, a Sun ou a IBM tenham incluído em suas estratégias de negócios a criação de portais de notícias. Trata-se, porém, de um aval para uma forma de comunicação que, bem administrada, pode significar o início de uma revolução que a internet prometeu mas ainda não entregou: a ruptura da propriedade dos meios.
O fato de grandes corporações oferecerem seu aval a uma ferramenta de comunicação baseada na autoria, e não na propriedade, tem um significado profundo para quem acompanha a evolução das novas tecnologias digitais. A crescente perda de credibilidade dos meios tradicionais de comunicação é o caldo da sopa que em poucos anos deverá estar à mão.
Muitos observadores, aqui mesmo neste endereço, têm torcido o nariz para quem leva a sério as possibilidades do blog como ferramenta de comunicação. Diz-se que se trata de uma forma essencialmente anarquista, dominada por tecnomaníacos ou adolescentes ansiosos por compartilhar suas aventuras.
Convém, então, lembrar o criador do sistema Visa, Dee Hock, que há duas décadas cunhou a expressão ‘caórdico’ para significar o momento de ruptura de velhos sistemas e de surgimento do novo: é quando uma massa crítica de seres humanos já não se satisfaz com o que há, mas ainda não entende o que virá a ser.
Hock costumava dizer, desde então, que há uma ordem no caos aparente, que só poderia ser percebida por aqueles que fossem capazes de abdicar da obsessão de entender. ‘Ver e aceitar, sem se preocupar se é crível ou não’, disse uma vez durante uma entrevista.
Hipótese remota
O sistema criado por Dee Hock faz com que um brasileiro se entenda com um mercador árabe numa viela de Casablanca, Marrocos, até o ponto em que leva para casa um tapete e deixa em seu lugar um papel alimentado por informações tiradas de um cartão magnético.
O comerciante não conhece o cliente, não sabe que empresa fabricou o cartão, não tem noção de onde vai sair o dinheiro que irá pagar a compra, e tem como garantia apenas um pequeno aparelho eletrônico que ele não sabe como funciona, e um número de telefone. E confia.
Se confiança e credibilidade imperam em tal ambiente, por que razão não haveriam de se estabelecer também numa relação de troca de informação na qual o receptor não tem a menor idéia de quem ou qual instituição está por trás do emissor?
Qual o ponto de ruptura a partir do qual uma massa significativa de pessoas irá dispensar a exigência de um título ou uma marca como aval para a notícia ou o comentário?
As empresas tradicionais de comunicação costumam ser muito conservadoras, até mesmo como conseqüência do exercício desse monopólio da informação e da opinião. A hipótese de que seus gestores venham a entender e – mais difícil ainda – aceitar um ambiente que mais propriamente se enquadraria como anarquista, é praticamente remota.
Os blogs vão ficar. Quando o primeiro investidor entender que já existe tecnologia capaz de domesticar e dar um sentido a esse fenômeno, estaremos sendo apresentados a uma imprensa completamente nova.
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Jornalista