Investir em comunicação da ciência, a partir de todas as suas características é, antes de tudo, investir na democratização da informação e no enriquecimento social que isso promove. Nos dias atuais, vive-se um confronto neomedieval em que as crenças, dogmas e manipulações que estes fatores patrocinam, articulam inúmeras ações voltadas a teorias conspiratórias, proferidas por falsos especialistas que fazem crescer ainda mais o número de negacionistas. Este grupo pode ser grosseiramente dividido entre os históricos, como aqueles que negam o holocausto; e os científicos, como aqueles que negam a eficácia das vacinas, a interferência humana no aquecimento global ou a forma geoide da Terra.
Essas distorções ocorrem, principalmente, através da rede mundial de computadores e das redes sociais. Para contrapor-se a esse fenômeno é preciso criar uma política que eleve a criticidade e o pensamento questionador da criança. Urge conscientizar midiática e cientificamente a população desde a infância até a vida adulta, para saber lidar com as informações, saber procurá-las, entender o que é um veículo confiável e o que é fake news. Esta política dará mais visibilidade ao que está por trás das desinformações enquanto uma possível estratégia antidemocrática e voltada, prioritariamente, à manipulação de parte da população.
Observa-se, concomitantemente, o surgimento de gerações em que a proximidade com as novas tecnologias não necessariamente promove cientificidade nas práticas e nas observações. Dogmas e ideologias ainda distorcem as realidades comprovadas – em uma clara ação estratégica de plantar a ignorância para colher a facilidade de se manipular, principalmente, politicamente.
Constata-se, na contemporaneidade, muitas ações voltadas à introdução das crianças às mais variadas áreas: estudo de línguas, música, esporte e tantas outras. Analogamente, identifica-se na comunicação da ciência a ausência de uma estratégia voltada à inserção das crianças aos temas que circundam a ciência, a tecnologia e a inovação. A Sensibilização à Ciência, conceito e prática desenvolvidos pelos autores, surge enquanto esta estratégia, fundamentada no encantamento e objetivando não apenas a inserção da criança a esta temática, mas também o combate às fake news.
O mundo enquanto gerador de temáticas “cientificáveis”, pode sensibilizar a criança às ciências, pois o conhecimento científico são o por quê e o porquê sobre o mundo. Uma possível metodologia para sensibilizar uma criança à ciência é apresentar este mundo, tão científico, sob uma necessária roupagem lúdica. As artes facilitam este processo enquanto tática a serviço de uma estratégia que objetiva sensibilizar as crianças à ciência, estratégia esta que deverá estar contida na comunicação da ciência. Para que a nossa sociedade tenha mais cientistas e pessoas sensíveis às narrativas científicas, observa-se a necessidade de se implementar políticas públicas que estimulem o conhecimento científico.
A Sensibilização à Ciência consiste em um rito de iniciação às apreendências voltadas às ciências em que, a partir de ações educativas estimuladoras e aprazíveis, se possa instalar entrelugares educativos. Estes ambientes deverão ser fundamentados na empatia e na simpatia, capazes de criar a iniciação do sujeito às ciências de forma afetiva, sensível e lúdica, pois entende-se que “…ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria […] a educação deve ser ‘estética e ética’” (Freire, 1996, p. 26) [1].
A Sensibilização à Ciência não foca em respostas conteudistas ou explicações. Esta estratégia é voltada ao encantamento com a ciência, estimulando assim a curiosidade e os consequentes questionamentos, a partir de fenômenos visuais, táteis, sonoros, olfativos, gustativos ou a partir das inúmeras combinações que possam nascer destes.
Opta-se por sensibilizar as crianças porque todas precisam ter a curiosidade aguçada para aprender. Por exemplo, antes de sua alfabetização, para ser sensibilizada, uma criança precisa brincar com as letras, sentir necessidade de decodificá-las, divertir-se e se encantar por elas, para que o processo de aprendizagem da leitura e da escrita se complexifique em sílabas, palavras, frases e parágrafos.
Com isso, busca-se, a partir do professor, uma vivência baseada em uma razão afetivo-sensível, voltada à promoção de um olhar em que o ser humano se faz integrado às possibilidades de relação com os sujeitos, com o objeto de conhecimento e, consequentemente, com a vida. Assim, este sujeito se tornará um ser plural, capaz do exercício da flexibilidade, criticidade, criatividade, possibilitando-o à vazão de um enorme espectro capaz de elevar a uma transição do eu para o nós (Freire, 1997) [2].
É importante enfatizar que a Sensibilização à Ciência precede as duas áreas foco da difusão científica: a disseminação e a divulgação. Esperamos que o impacto dessa estratégia na história da popularização da ciência se reflita em um futuro próximo.
Notas
O texto foi escrito a convite da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência).
A RedeComCiência é uma associação apartidária e sem fins lucrativos, criada em fevereiro de 2018, para reunir profissionais interessados em discutir, amplificar, viabilizar e melhorar o jornalismo e a comunicação de ciência no Brasil. Ela é formada por profissionais das áreas da comunicação, divulgadores científicos e cientistas de todo o Brasil.
[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15ª edição, São Paulo: Paz e Terra, 1996.
[2] FREIRE, Paulo. A Educação do Futuro. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 24 de maio de 1997, Caderno Prosa & Verso.
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Mauricelia Montenegro é Secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de Pernambuco. Administradora, Mestre em Economia pela Universidade Federal da Paraíba, em Campina Grande, e Doutoranda em Administração pela Universidad de la Empresa (UDE), em Montevidéu, Uruguai.
Aluizio Guimarães é Chefe de Gabinete da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de Pernambuco. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela Universidade Federal da Paraíba.
Diogo Lopes de Oliveira é Diretor de Sensibilização e Difusão Científica do Estado de Pernambuco. Jornalista, Mestre em Comunicação Científica, Médica e Meio Ambiental e Doutor em Comunicação Pública, ambos títulos obtidos na Universitat Pompeu Fabra de Barcelona, Espanha. Vice-presidente da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência).