Quando os jornais e a televisão tinham o monopólio da agenda de notícias oferecida ao público, a assimilação de informações era muito mais simples. Mas depois do surgimento da World Wide Web, como veículo de comunicação, qualquer notícia passou a ter dezenas de enfoques possíveis, o que complicou extraordinariamente a preocupação por entender o que está acontecendo. A Web deu a milhões de pessoas a possibilidade de publicar notícias e participar da formação da agenda pública através de comentários e novas informações sobre o que é publicado. Um simples crime passional passou a ter dezenas de versões diferentes, na medida em que testemunhas, parentes, desafetos, vizinhos, amigos e colegas, tanto do agressor como da vítima, passaram a ter, potencialmente, a possibilidade de serem ouvidos. Já não há mais coincidência sobre o que é notícia. Por exemplo, o esperado aumento da colheita de cana pode ser visto por um lado positivo (os usineiros vão faturar muito), por outro negativo (os ambientalistas esperam uma devastação ambiental), os trabalhadores sem terra cobrarão maiores salários, o preço do álcool pode cair provocando a alegria dos donos de automóveis mas o desânimo dos exportadores, e por aí vai. A notícia em si já não tem mais tanta importância pois o que vale é o contexto, ou seja as circunstâncias em que ela teve ou terá lugar. A determinação do contexto torna-se a principal função do jornalista, que além de apurar a notícia segundo as regras convencionais (o quê, quando, porquê, como) está tendo agora de dar igual prioridade à descrição dos diferentes contextos sociais, econômicos, políticos e culturais onde o fato aconteceu. Quem já trabalhou numa redação jornalística sabe que a simples apuração de uma notícia já é um processo complexo e que toma muito tempo, se for bem feita. Se tomarmos agora que o contexto também deve ser investigado, verifica-se que a sobrecarga de trabalho aumenta proporcionalmente, tornando óbvio que um profissional não pode dar conta de tudo. Como as redações jornalísticas foram enxugadas ao máximo, por conta de políticas de contenção de gastos, não é necessario muita imaginação para verificar que a manutenção de uma qualidade mínima na produção de notícias contextualizadas exige mais gente do que a que conseguiu manter seus empregos na imprensa. É aí que entra o chamado jornalismo cidadão, ou seja, pessoas comuns participando do processo de coleta, edição e publicação de notícias. Sem elas, a cobertura local, o monitoramento de governos municipais e a informação policial passam a ser inviáveis porque os jornais, rádios e TVs não tem gente para estar nos lugares onde os fatos acontecem dentro de uma cidade. Em teoria, o jornalismo cidadão pode até ser uma solução para os dilemas da imprensa, mas o problema é bem mais complexo do que a simples incorporação de mais gente na coleta de notícias. A idéia de contexto está diretamente associada à da diversidade de visões sobre a realidade social em que vivemos. Não há mais uma única verdade, mas sim várias, sem que uma seja melhor do que a outra. São simplesmente diferentes. Isto significa que tanto a visão do usineiro como a do ecologista, do bóia fria, do exportador e a do dono de um carro movido a álcool são qualitativamente iguais porque correspondem a uma parte da realidade. A incorporação da idéia de contexto ao quotidiano das redações e dos jornalistas cidadãos faz com que profissionais e amadores sejam obrigados a abandonar atitudes rígidas, tipo dono da verdade, para adotar posturas mais flexíveis. A realidade com a qual o jornalista se defronta diariamente é demasiado complexa para que ele tenha a pretensão de querer entendê-la em sua totalidade. O jornalismo sai de uma era das posturas absolutas, tipo certo ou errado, bom ou mau, alto ou baixo, grande ou pequeno, para entrar numa fase de relativização de tudo e todos. Não vai ser fácil esta mudança, mas ela é necessária e inevitável, porque o mundo fora das redações já mudou e vai mudar mais ainda.