“Aquilo que antigamente as pessoas escreviam numa parede de banheiro hoje pode ser visto por milhões”.
A constatação é da advogada americana Sandra Baron. Está numa matéria do Wall Street Journal sobre os processos cada vez mais frequentes contra blogueiros nos Estados Unidos por vários tipos de ilícitos, de difamação a invasão de privacidade, passando por desrespeito a direitos autorais.
Segundo a reportagem de M.P.McQueen, transcrita no Valor desta quinta-feira, 21, sob o título “Cuidado com o que você escreve na web”, o número dessas ações judiciais cresceu quase nove vezes entre 2003 e 2007. Pensando bem, uma gota de água perto da explosão da blogosfera no período.
A previsão é de que o número de processos acompanhe o contingente de internautas que publicam comentários online – uma parcela dos quais lembra mesmo os rabiscos nas paredes de banheiros de que fala a advogada Sandra Baron.
Eis a matéria. Você não gastará mais de quatro minutos com a sua leitura. Será um tempo bem empregado – ainda mais se você for blogueiro.
“Em março de 2008, a americana Shellee Hale, de Bellevue, Estado de Washington, postou perguntas e comentários em vários fóruns on-line sobre o ataque de um hacker a uma empresa de software que acompanha as vendas para sites de entretenimento adulto. Ela alegava que a informação pessoal dos clientes dos sites estava comprometida.
Cerca de três meses depois, a empresa do software – que afirma que nenhum dado de cliente foi comprometido – processou Hale em um tribunal estadual de Nova Jersey, acusando-a de ter iniciado ‘uma campanha para difamar e caluniar’ a companhia em suas mensagens postadas em salas de bate-papo.
Em sua resposta legal, Hale, de 46 anos, alega que está coberta por leis que protegem jornalistas de processos, porque estava agindo como repórter free-lancer e investigando o ataque enquanto apurava uma reportagem sobre mensagens indesejadas de teor adulto.
São cada vez mais frequentes os processos contra blogueiros, ou ameaças de providências legais, devido a vários tipos de coisas – de difamação até invasão da privacidade e infração de direitos autorais. Em 2007, segundo os dados mais recentes disponíveis, houve 106 processos civis contra blogueiros e outros participantes de redes sociais e fóruns on-line nos Estados Unidos. Esse número foi computado pelo Projeto Lei de Mídia Cidadã do Centro Berkman de Internet e Sociedade, da Universidade Harvard. Em 2003 houve apenas 12 processos. Até agora já foram concedidos cerca de US$ 17,4 milhões em indenizações em ações legais contra blogueiros, segundo o Centro de Estudos de Direitos da Mídia, de Nova York, organização sem fins lucrativos que acompanha casos envolvendo a liberdade de expressão.
Muitos processos são rejeitados pelos tribunais ou chegam a um acordo extrajudicial, mas não sem antes causar dores de cabeça para o acusado. Embora o queixoso tenha pouca chance de vencer a causa, ‘você pode ir à falência’ só por se defender, diz Miriam Wugmeister, sócia do escritório de advocacia Morrison & Foerster e especialista em leis de privacidade e segurança de dados.
O número de processos contra blogueiros deve continuar subindo, enquanto aumenta o contingente de pessoas que postam comentários on-line, diz Sandra Baron, diretora-executiva do Centro de Estudos de Direitos da Mídia e advogada especializada em leis da mídia. Sites sociais como LinkedIn, Facebook e MySpace – este de propriedade da News Corp., que também é dona do Wall Street Journal – e serviços de microblogs como Twitter.com hoje possibilitam que um comentário impetuoso alcance milhares de usuários em questão de minutos. Em março, a estilista de moda Dawn Simorangkir processou a roqueira Courtney Love por calúnia no Tribunal Superior de Los Angeles, acusando-a de postar comentários depreciativos a seu respeito nos sites Twitter e MySpace.
“O processo é especioso e seus comentários são protegidos’ pela Constituição americana, que garante a liberdade de expressão, diz o advogado de Love, Keith Fink. Os advogados de Love ainda não apresentaram resposta legal à queixa.
Segundo os especialistas, o salto no número de processos se deve ao recente crescimento explosivo no volume de material publicado on-line e no número de pessoas que escrevem blogs e participam de redes sociais on-line. ‘Aquilo que antigamente as pessoas escreviam numa parede de banheiro hoje pode ser visto por milhões’, diz Baron.
Ao mesmo tempo, as empresas estão empregando tecnologias automatizadas para vasculhar a internet em busca de material protegido por direitos autorais e comentários negativos. Em consequência, sites que se propõem a dar notas para todo tipo de serviço, de professores universitários até médicos e empreiteiros, estão sendo processados pelos que são alvo de comentários depreciativos, segundo o Centro Berkman.
Ativistas que lutam pela defesa dos cidadãos e escrevem contra políticos e empresas locais estão sofrendo processos legais em retaliação. Pessoas que postam mensagens em salas de bate-papo, fóruns on-line ou blogs podem ser consideradas culpadas por invasão de privacidade ou por fazer afirmações difamatórias.
Hale, a blogueira de Bellevue, teve sorte em um aspecto: sua apólice de seguro, da Allstate, a está ajudando a pagar sua defesa legal, diz ela. Hale fez esse seguro para se proteger no caso de um acidente em casa, pois costuma receber muitas visitas. Mas como sua apólice é ampla, cobrindo também processos por difamação, a Allstate a está ajudando a se defender.
Rogers Cadenhead, de 42 anos, autor de livros sobre computação e blogueiro de Jacksonville, Flórida, ajudou a criar o Drudge Retort em 1998. Ele o chama de resposta liberal ao blog de tendência conservadora Drudge Report. Em junho, a Associated Press enviou a Cadenhead avisos pedindo que tirasse certos textos do site, alegando infração de direitos autorais. Ele retirou o material solicitado.
“Como blogueiro pessoal, quando seus únicos leitores são você mesmo e sua mãe, você não imagina que algum dia vai receber advertências de um escritório de advocacia’, diz Cadenhead, que começou a escrever blogs como hobby.
“As pessoas ameaçam processar o tempo todo’, em especial acerca de fofocas e do uso de fotos, diz Natasha Eubanks, de 27 anos, que dirige um blog sobre celebridades chamado Young, Black and Fabulous. Eubanks, de Alexandria, Virgínia, começou o blog como hobby em 2005 e o administra como um empreendimento comercial desde que se formou em direito, no ano seguinte. Ela diz que ‘fez questão de conhecer a definição geral de difamação e a lei dos direitos autorais’, embora seu blog ainda não tenha sido processado.
O caso de Hale decorre de comentários que postou em um fórum on-line no site Oprano.com, dedicado à indústria de entretenimento adulto. Ela está sendo processada pela Too Much Media, de Freehold, Nova Jersey, que produz software utilizado pela indústria de entretenimento adulto para monitorar as vendas nesses sites, segundo a queixa da empresa. A companhia afirma que em dezembro de 2007 tomou conhecimento de que seus computadores talvez tivessem sido invadidos por um hacker desconhecido. Mas alega que essa invasão foi ‘de duração e escopo limitados’ e que ‘em nenhum momento quaisquer dados dos consumidores foram comprometidos’.
Mas Hale não pensava assim. Em um comentário no fórum, ela escreveu: ‘As informações pessoais dos consumidores estão à disposição de qualquer ladrão on-line’, segundo o processo movido contra ela pela Too Much Media.
Hale afirma que estava usando esses comentários para solicitar entrevistas para uma reportagem free-lance e que ela está sob a cobertura das leis que protegem os jornalistas em Nova Jersey. O fabricante de software que processa Hale afirma que ela não é jornalista e não tem direito à mesma proteção da lei, segundo documentos legais e entrevistas. Um tribunal superior de Nova Jersey deve dar a sentença em julho.
Enquanto isso, Hale tem um conselho para os blogueiros: ‘Eles fariam bem em ter algum tipo de proteção e tomar cuidado com o que dizem on-line’.