“Contextualizar” é um daqueles verbos abomináveis arrancados a fórceps de um substantivo – no caso, contexto.
Mas contextualizar é o que mais se cobra, com razão, do jornalismo, para que vá além da notícia em estado bruto, com informações adicionais que lhe deem sentido e perspectiva.
É o bom e velho por quê – ou os porquês – das coisas.
Sinal de como os jornais brasileiros pouco se empenham em oferecer ao leitor esse acompanhamento que o ajudará a digerir o prato principal, a “contextualização” é bem mais frequente no noticiário do exterior, seja porque as agências internacionais se encarregam disso, seja porque os editores transcrevem textos desse tipo saídos na imprensa estrangeira. O exemplo da hora são as matérias que procuram ligar os pontos da história da explosão de uma bomba atômica na Coreia do Norte.
Por isso quando sai algo do gênero em relação a um assunto nacional – e quando esse algo é de primeira qualidade – seria injusto não destacar o esforço bem sucedido.
Todos os jornais que contam deram na quinta-feira, 28, os principais resultados do censo do Ministério da Educação que pela primeira vez apresenta um amplo perfil do 1,8 milhão de professores que trabalham da creche ao ensino médio, em escolas públicas e particulares.
O levantamento informa, por exemplo, em quantas escolas e turnos os professores trabalham, para quantas turmas, quanto ganham e qual é a sua formação para as disciplinas que lecionam, conforme o nível dos cursos.
Assim se ficou sabendo que um em cada quatro professores da quinta à oitava série não tem diploma de curso superior com licenciatura, como exige a lei, e que um em cada cinco não tem nenhuma graduação. E ainda que pouco mais da metade dos docentes que ensinam física no curso médio não se formaram em física – o pior caso de descompasso entre quem ensina e o que ensina.
O problema era já conhecido das autoridades do setor, assim como se conhece a causa fundamental da baixa qualificação de muitos professores – salários baixos também.
Mas o repórter Antônio Gois, da sucursal carioca da Folha de S.Paulo, foi além disso, na matéria de contexto intitulada, um tanto obviamente, “Com esse salário, quem quer ser um professor?”
Ele garimpou na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), do IBGE, a informação de que “na comparação de 30 ocupações que exigem nível superior, as cinco de menor rendimento médio são todas relacionadas ao magistério” – e mostra os números que dão ideia do tamanho do buraco.
Ele deu outro passo ainda. Capturou nas respostas ao questionário socioeconômico preenchido pelos participantes do Enade, o exame que substituiu o Provão, que “os alunos em cursos de formação de professores são os mais pobres, de famílias menos escolarizadas e que mais estudaram na rede pública”.
E fechou com uma pergunta que já traz embutida a resposta: o que é mais vantajoso para um licenciado em áreas que já não dão conta da demanda, como matemática, física e química: lecionar uma dessas matérias em troca de uma paga inicial de R$ 1.335, ou prestar concurso público para ser bancário, ganhando de saída R$ 2.216?
Eis um dos grandes porquês – se não o porquê – da crônica crise da educação brasileira.
[Assinantes da Folha ou do UOL podem ler o artigo aqui.]