Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

De Borgo Egnazia, Bürgenstock a Havana: todos os caminhos se cruzam com os de Moscou e conduzem a Pequim?

(Imagem de beasternchen por Pixabay)

De 12 a 17 de junho, Havana, a capital da República de Cuba, recebeu um destacamento da marinha russa, que foi recepcionado com 21 tiros de canhão à entrada do porto. Nos dias seguintes, 13 e 14 de junho, em Borgo Egnazia, Itália, foi realizada a última reunião do G7, que reúne os Estados Unidos e os seus principais aliados. A Rússia não é membro do antigo G8, atualmente G7, desde 2014. No entanto, a Rússia foi amplamente discutida em Borgo Egnazia, na presença de vários governos latino-americanos. O mesmo aconteceu na Suíça, em Bürgenstock, 24 horas depois. E em 15 e 16 de junho, um fórum de potências ocidentais e similares foi reunido para discutir a Ucrânia e, mais uma vez, a Rússia. Novamente com o presidente de Kiev, mas sem o seu homólogo de Moscou, e novamente na presença de convidados latino-americanos.

Só a coincidência do calendário é oficialmente responsável por estes acontecimentos. O primeiro por ordem cronológica, o do ancoradouro em Havana de quatro navios da frota militar do norte do Kremlin, segundo o comunicado de imprensa oficial, que “reflete a história das relações de amizade” entre Cuba e Rússia. O comunicado de imprensa cubano esclarece ainda que os marinheiros russos “visitarão locais de interesse histórico e cultural”. Em conformidade com os compromissos assumidos pelas potências nucleares signatárias do Tratado de Tlatelolco, os quatro navios não transportam qualquer sistema de lançamento atômico. Apesar de um deles, o Kazan, ser um submarino, normalmente equipado com este tipo de arma. E outro, a fragata Admiral Gorshkov, está equipado com mísseis de alta precisão, conhecidos como Zircon, com um alcance de 1000 quilômetros.

O mesmo se passa na região italiana da Apúlia e nos Alpes suíços. Ou seja, nada a assinalar. “O Grupo dos Sete”, diz o comunicado final da Cúpula, “reafirmou a sua unidade e determinação para enfrentar os desafios mundiais num momento crucial da história”. “Depois de ter se recusado a fazê-lo”, e de ter enviado “um sinal claro à Rússia”, “nós”, continua o texto, “damos as boas-vindas aos representantes” de uma dezena de países fora da zona de decisão, enumerados por ordem alfabética. A Argentina e o Brasil, Milei e Lula, estavam entre eles. E oito outros chefes de Estado e de governo latino-americanos.

A declaração final “reafirma os princípios da soberania, da independência e da integridade territorial de todos os Estados, incluindo a Ucrânia […]”, ao mesmo tempo que declara que “fazer a paz pressupõe a participação e o diálogo entre todas as partes”. Sete presidentes latino-americanos – argentino, costa-riquenho, dominicano, equatoriano, guatemalteco, peruano e uruguaio – votaram a favor da defesa da soberania de Kiev. Três – Brasil, Colômbia e México – recusaram-se a assinar porque Moscou, parte no conflito, estava ausente. Cada um escolheu o parágrafo que mais lhe convinha.

Tudo estava bem em Havana, Borgo Egnazia e Bürgenstock. Quatro navios russos, um dos quais equipado com mísseis de médio alcance, fizeram escala no porto de Havana, a dois passos da Flórida, no âmbito de um treino de rotina com um país amigo. Os ocidentais reuniram-se como habitualmente, em hotéis com nomes exóticos, para um tête-à-tête, enumerando os desafios russos que têm sido os atuais desde 2022. Como espectadores e não como atores, os latino-americanos abriram um dos seus portos à Rússia e foram calorosamente convidados a juntar-se ao consenso ocidental em dois países europeus. Cuba não recebeu qualquer repreensão de Washington. “O conselheiro de Segurança da Casa Branca limitou-se a declarar que ‘estamos observando de perto e com atenção. Já vimos este tipo de coisas antes, haverá mais’.”

O que é verdade. Esta é a terceira vez, desde o início do milênio, que navios russos cruzam o mar das Caraíbas. Fizeram-no em 2008 e novamente em 2019. Além disso, e isto passou relativamente despercebido, um navio de patrulha canadense, o HMCS Margaret Brooke, também fez uma escala em Cuba em 14 de junho. Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros cubano, esta visita “põe em evidência a colaboração (bilateral) que contribui para a paz na região”. É importante, também, salientar que, em 2023, as autoridades da ilha travaram uma tentativa de recrutamento de cubanos por parte de agências russas. Do lado de Putin, não houve qualquer reação anti latino-americana à votação de sete presidentes sobre uma declaração ao lado do Ocidente. Com exceção, porém, da Argentina, o Presidente Milei, que teve as orelhas puxadas pelo Kremlin, após anunciar no final de uma reunião bilateral com Volodimir Zelisnki, que lhe poderia enviar tanques.

Contudo, grandes manobras já começaram de fato na América Latina. A nova situação internacional está embaralhando as cartas. As “cunhas” são introduzidas quando surge a oportunidade pelos ladrões, os mestres do jogo: a Rússia, o Ocidente e, mais discretamente, a China. Milei já se ofereceu para organizar em Buenos Aires uma conferência de paz na Ucrânia. Ao mesmo tempo, Lula fez uma oferta de bons ofícios em conjunto com a China. A Rússia está intensificando os seus avanços e iniciativas.

Militares, como vimos em Cuba, estão assinalando as suas capacidades de projeção às portas dos Estados Unidos. Mas também parlamentar, com a realização de uma “Conferência Parlamentar Rússia-América Latina” em Moscou, há um ano, de 29 de setembro a 2 de outubro de 2023. Esta reunião foi seguida de fortes gestos diplomáticos. Em 12 de março, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Dimitri Lavrov convidou os embaixadores latino-americanos estabelecidos em Moscou. Disse-lhes que a Rússia iria “continuar a empenhar-se no diálogo bilateral e multilateral e a aumentar a cooperação econômica e comercial, bem como o investimento […] numa base pragmática e não ideológica”. Na ausência de uma superfície econômica adequada, a Rússia ofereceu-se para apoiar, a partir do Rio de Janeiro, onde participava de uma reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros do G20, presidida este ano pelo Brasil, um alargamento do Conselho de Segurança a vários países da América Latina, África e Ásia.

Ainda é muito cedo para saber o resultado final. Os Estados Unidos, preocupados com as suas eleições presidenciais, seguem “atentamente”, mas à distância, a projeção da Rússia, tal como a da flotilha que ancorou recentemente em Cuba. Os europeus, por seu lado, estão embaraçados com as suas dificuldades internas. Só a Alemanha tenta manter uma presença econômica e comercial, mas com um chanceler muito enfraquecido pelo resultado das eleições europeias. A China, longe da ribalta midiática e de todos os acontecimentos eleitorais, está fazendo uma penetração desideologizada como a da Rússia, mas com uma lata de biscoitos muito mais bem recheada.

* Texto publicado originalmente em francês, no dia 21 de junho de 2024, na seção ‘Actualités’ do Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Amérique latine de Borgo Egnazia, Burgenstock à La Havane: tous les chemins croisent ceux de Moscou et mènent à Pékin?”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/120730. Tradução de Jeniffer Aparecida Pereira da Silva e Luzmara Curcino.

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Jean-Jacques Kourliandsky é Diretor do “Observatório da América Latina” junto à Fundação Jean Jaurès, na França, é especialista em análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe, e autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014). Colabora frequentemente com o “Observatório da Imprensa”, no Brasil, em parceria com o Laboratório de Estudos do Discurso (LABOR) e com o Laboratório de Estudos da Leitura (LIRE), ambos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).