Thursday, 12 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

Mídia ajudou a criar Pablo Marçal, mas finge não ter nada a ver com isso

(Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Em maio de 2020, auge da pandemia da Covid-19, escrevi um artigo para o Observatório da Imprensa, intitulado “Mídia ajudou a criar Bolsonaro e o bolsonarismo, mas diz não ter nada a ver com isso”. O texto em questão apontava como o antipetismo, alimentado pelos grandes veículos de imprensa do Brasil (sob a suposta bandeira da anticorrupção), trouxe como principal efeito colateral a ascensão do bolsonarismo.

Na época, diante do fracasso do governo federal em lidar com a crise sanitária, a imprensa hegemônica tentou de todas as formas se desvincular da imagem do então presidente e esconder que o apoiou na campanha eleitoral de 2018. O famoso “filho feio que não tem pai”. Só que, anos depois, esse “filho feio” gerou um filho mais feio ainda: o atual candidato a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal.

Assim como foi em relação a Bolsonaro, articulistas da imprensa hegemônica, de maneira hipócrita, se mostram perplexos com o radicalismo de Marçal (sendo que, boa parte das fake news que o ex-coach diz, tem origem nos próprios noticiários da grande mídia).

Nesse sentido, uma recente participação de Pablo Marçal no programa “Central das Eleições”, da GloboNews, foi emblemática. Como era de se esperar, ele disparou mentiras sobre o Partido dos Trabalhadores e Lula; afirmando, sem provas, que o PT é “uma facção criminosa” e o atual presidente “roubou mais de um trilhão de reais, sendo ‘descondenado’ por ter amizades na política”.

Apesar da grotesca fake news, não foi Marçal quem inventou este discurso. Sua origem está na farsesca Operação Lava Jato e nos inúmeros noticiários do próprio Grupo Globo que, durante anos, construiu as narrativas “Lula corrupto” e “PT organização criminosa”. Portanto, o candidato a prefeito de São Paulo disse o mesmo que William Bonner noticiava no Jornal Nacional (numa linguagem mais tosca, é verdade).

Além disso, em sua atuação como coach, Marçal pregava os mesmos valores neoliberais defendidos por Globo e congêneres. Ele não teria obtido o mesmo êxito se boa parte da população não acreditasse em falácias difundidas pela grande mídia, como “meritocracia”, “livre empreendedorismo”, “menos Estado e mais mercado”, “vencer na vida apenas pelo esforço individual” e “empresário de si mesmo”.

Ainda nessa linha jornalística, também tem chamado a atenção as constantes críticas de Reinaldo Azevedo a Pablo Marçal. Não custa lembrar que, num passado não tão distante, Azevedo era um dos principais nomes da cruzada antipetista da ultrarreacionária revista Veja e nada menos do que o criador do termo “petralha”. Desnecessário comentar sobre!

É fato que, nem esquerda, nem direita tradicional, estão sabendo lidar com o fenômeno de extrema direita Pablo Marçal. O campo progressista, infelizmente, em certas ocasiões, tem até impulsionado indiretamente o ex-coach, como foi o caso do lamentável Hino Nacional em linguagem neutra.

Já a relação entre direita tradicional e Marçal é bem mais complexa. Tal como ocorreu com Bolsonaro, a princípio pode haver certo estranhamento. No entanto, se perceberem que Marçal, caso ocupe algum cargo executivo, poderá colocar em prática a nefasta agenda neoliberal, a grande imprensa não se furtará em fechar com ele.

Para o mercado, o importante é a roda do capital girar; não importa se for com um intelectual uspiano como Fernando Henrique Cardoso, um ex-capitão boçal como Jair Bolsonaro ou um coach falastrão. O jogo não pode parar! 

***

Francisco Fernandes Ladeira é doutor em Geografia pela Unicamp | Especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu