Imprensa, massa e poder
Os jornais desta terça-feira (10/3) procuram marcar a reação de moradores de algumas cidades do Sul e do Sudeste à aparição da presidente Dilma Rousseff na televisão, na noite de domingo (9/3), como um divisor de águas no embate político que convulsiona as instituições da República.
Numa curiosa unanimidade, como se os três principais diários de circulação nacional fossem editados numa mesma sala, o evento é apresentado como o ponto de inflexão a partir do qual se institucionaliza um novo momento no longo processo de desgaste promovido pela imprensa.
As edições dos jornais seguem uma linha proposta pelos principais noticiosos da TV na noite anterior, quando o protesto foi tratado como uma reação espontânea de parte da população ao conteúdo do discurso presidencial, principalmente ao fato de a presidente da República ter pedido "paciência" pelas medidas econômicas que estão sendo adotadas.
Acontece que o barulho nas janelas eclodiu antes que ela começasse a falar, ou seja, as pessoas que se manifestaram nem ficaram conhecendo o teor do discurso.
Mas não se pode dizer que a imprensa brasileira é incoerente.
O que explica essa aparente contradição é a linha adotada agora por todos os jornais e vocalizada por alguns representantes da oposição: trata-se de promover o desgaste contínuo da imagem da presidente, impedindo que governe – mas com o cuidado de evitar que o governo fique paralisado.
Até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi alistado entre os porta-vozes dedicados a manter a pressão sob controle.
Em discurso e entrevista, ele afirma que os atores políticos vão tomar a frente do movimento que eclodiu nas redes sociais, estimulado pela mídia.
Em suma, o que dizem os diários nas entrelinhas é que a oposição viu no bater de panelas e nos xingamentos uma oportunidade de liderar o protesto nas cidades e nas classe sociais onde a presidente teve menos votos, para transformar esse descontentamento regional e classista em um movimento de caráter nacional.
Essa é a possibilidade que os conselheiros de comunicação da presidente da República não viram, quando recomendaram que ela fosse à TV pedir a compreensão da sociedade para as medidas de correção na economia.
Os assessores da presidente ainda acham que esse embate se dá no campo da razão.
O impulso de destruição
O que está em curso é uma velha lição ditada em 1960 pelo ensaísta Elias Canetti: a boa condução do rebanho consiste em mantê-lo em marcha na direção e velocidade desejadas, sem permitir que iniciativas individuais retardem ou atrapalhem a caminhada.
As vaias e o barulho das panelas indicam que o núcleo dos descontentes está maduro para sair de casa e engrossar a manifestação marcada para o dia 15, mas os líderes da oposição e a imprensa estão de olho naquilo que Canetti chamou de "descarga" e "impulso de destruição".
O que unificou os cidadãos de renda elevada, na noite de domingo, foi a imagem da presidente Dilma Rousseff na televisão, não seu discurso.
O que os jornais tentam fazer, dois dias depois, é uma racionalização da descarga de irracionalidade – processo que unifica os componentes dessa massa que são, por sua natureza, extremamente individualistas.
Analisar os pontos do discurso, como fazem alguns jornalistas, é parte do processo de legitimação do que vem em seguida: o impulso de destruição.
A oposição busca o poder político, a imprensa busca o poder econômico por meio da política.
Para fazer funcionar sua estratégia de conquistar o que não obtiveram nas urnas, a oposição e a imprensa precisam que a pressão social alcance todas as regiões do País, ou pelo menos a maioria das capitais.
Mas não podem permitir que o movimento saia de controle, ou seja, é preciso criar as condições para a eclosão da descarga, mas estabelecer a priori um limite para a ação.
Por que? Simplesmente porque a massa não pode ser controlada no impulso de destruição.
Para obter um consenso mínimo, a aliança liderada pela imprensa precisa cooptar a classe média emergente nos bairros que não aderiram ao protesto – ou garantir que as maiorias permaneçam silenciosas.
Não é por outra razão que os jornais tratam de avalizar algumas lideranças de movimentos que, até a véspera, só existiam no ambiente virtual das redes digitais – entre eles um menino de 19 anos que mal consegue articular duas frases com sentido completo.
O principal entre os muitos erros do governo nesse embate é considerar que a razão pode predominar no ambiente comunicacional envenenado e radicalizado pelas grandes corporações de mídia.