Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Governo e desafetos fazem Palocci sangrar

Os deuses, já diziam os gregos, cegam aqueles a quem querem destruir.

Os repórteres Tânia Monteiro e Vannildo Mendes revelam no Estado de hoje que o ministro Antonio Palocci fez mais do que mandar violar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, vazar os seus extratos e acionar o Coaf para que o declarasse suspeito de ‘lavagem de dinheiro’, o que obrigaria a Polícia Federal a investigá-lo.

Mesmo depois que o feitiço se voltou contra o feiticeiro, com o repúdio à entrega à revista Época dos documentos obtidos ilicitamente e com a evidência de que o caseiro ‘em momento algum dissimulou ou ocultou a origem dos depósitos [na sua conta poupança na Caixa]’, como atestam os procuradores federais Gustavo Velloso e Lívia Nascimento, Palocci foi em frente.

Sem enxergar, é o caso de dizer, um palmo adiante do nariz.

Quis que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Armando Félix, atiçasse contra Francenildo os espiões da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, sucessora do SNI da ditadura.

Félix disse não. Explicou que a Abin só investiga questões de Estado. Palocci insistiu – mas foi inútil.

Se o general tivesse dito sim, seria o que faltava para levar ao extremo a constatação de que, desde o fim do regime militar, nenhum brasileiro foi tão perseguido pelo aparelho estatal como o empregado que teve o topete de desmentir o mais paparicado ministro deste governo.

A rationale de Palocci para querer pôr a Abin no meio da história, a fim de ‘desmoralizar’ Francenildo, segundo teria dito, de acordo com a reportagem, era a de que o moço estava a serviço de terceiros interessados em ‘prejudicá-lo’ e, assim, ‘sangrar o governo’.

É onde entra o sábio dito dos gregos antigos. Dê-se de barato que a oposição quisesse ou queira ‘sangrar o governo’. Mas, até rebentar o escândalo da Caixa, tudo que a oposição não queria era prejudicar o ministro que sempre foi a menina dos seus olhos.

Cego pelos deuses, Palocci tratou de transformar em um conflito político um problema pessoal – o desmoronamento de suas juras de que nunca tinha posto os pés na mansão onde Francenildo trabalhava e onde rolavam coisas a que ele, símbolo de seriedade e compostura pessoal, não podia se ver associado.

O detalhado e reiterado testemunho do caseiro deixou o ministro numa enrascada, mas não o feriu mortalmente. Se pegasse leve com Francenildo – por exemplo, recusando-se a comentar o que ele dissera – talvez escapasse apenas com escoriações que o tempo provavelmente curaria.

Como no Congresso tem de tudo, menos bobo, depois de uns dias de discursos indignados e da oitiva de Francenildo, para manter as aparências, a oposição acabaria deixando o assunto para lá.

Porque todo mundo sabia o que levava Palocci à casa que insensatamente frequentava – e não havia provas de que fosse ali por motivos que envolvessem o poder do cargo que exercia.

Claro, ele tinha o clássico problema do ‘que é que eu vou dizer lá em casa’. Mas, isso, apenas isso, dificilmente faria com que perdesse o lugar no governo. O Brasil tem pouco ou nada a ver, felizmente, com o lado puritano e hipócrita dos Estados Unidos. Os pecados que ali destroem reputações e vidas políticas não existem do lado de baixo do equador, como cantava Chico Buarque.

De olhos cerrados, Palocci cometeu o erro mortal de tentar ‘socializar as suas perdas’, diria um economista. Levou a sua crise particular literalmente para dentro do Palácio do Planalto – onde estava quando mandou o então presidente da Caixa, Jorge Mattoso, invadir a conta do caseiro.

Apesar de toda a sua rica experiência, ele não enxergou uma verdade tão velha como a política. Quando a lama alcança o ventilador, alguém sempre tem bons motivos para dar com a língua nos dentes, como diziam os bandidos das histórias em quadrinhos.

E quando alguém quer falar, sempre há um repórter querendo ouvir.

Possesso com Palocci – que por sinal nunca foi de sua tchurma no PT – porque o ministro quis que ele ‘matasse no peito’ a violação de uma conta no banco que presidia e do qual teria de pedir o boné, Jorge Mattoso entregou o ministro. Primeiro à Polícia Federal. Depois, pessoalmente ou por interpostas pessoas, à mídia.

E o próprio governo, aflito para se livrar da batata quente que, na sua cegueira, o ministro deixara no prato do presidente Lula, também faz a sua parte.

A ordem no Planalto é sangrar o Palocci para estancar a hemorragia no governo. É uma típica operação de damage control, como falam os americanos. Ou, em língua de gente, uma corrida atrás do prejuízo.

Muito do que o jornalista Kennedy Alencar, da Folha, revelou domingo e ontem sobre a movimentação do então ministro veio assumidamente de fontes palacianas, obviamente não identificadas.

E quem vocês acham que contou aos repórteres do Estado o vexame das tratativas de Palocci junto ao general Jorge Armando Félix?

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