Sunday, 10 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

O tripé da sustentabilidade financeira em projetos jornalísticos locais

(Imagem: Freepik)

Os desafios colocados diante dos jornalistas hoje pela internet estão entrelaçados, o que obriga os profissionais e não profissionais na produção de notícias a adotarem uma nova postura na hora de buscar soluções para o alto índice de mortalidade em projetos jornalísticos locais.

O dilema de sustentabilidade financeira define quem sobreviverá ou não no esforço para produzir notícias que atraiam o interesse das pessoas. É uma questão fundamental porque envolve não só investimentos em projetos jornalísticos, mas principalmente as expectativas e frustrações do público. Além disso é um problema que envolve três questões altamente dependentes entre si, formando um tripé sem o qual a frustração é quase inevitável.

A primeira perna do tripé envolve a necessidade das pessoas desenvolveram a consciência do valor e da relevância da informação que recebem através de uma publicação local. As pessoas só pagarão por notícias que elas considerem indispensáveis para o seu dia a dia ou despertem algum interesse. Isto nos remete à questão da agenda informativa. Aqui já é possível detectar um problema importante. A maioria dos jornalistas, especialmente os vinculados a empresas que ainda dependem de publicidade paga, tendem a seguir a agenda influenciada por anunciantes e por tomadores de decisões.

Só que esta agenda está associada aos interesses e necessidades de empresários e políticos, com itens que dificilmente as pessoas comuns pagariam para ler, ouvir e ver em veículos jornalísticos. Nestas condições, é normal que entre 75% e 80% das pessoas sejam contra pagar por notícias, segundo revelou uma recente pesquisa feita em Florianópolis.

Para alterar a agenda, pensando na sustentabilidade, é necessário descobrir o que as pessoas realmente desejam em matéria de notícia. Isto só é possível através de uma vivência direta do jornalista com o público, o que exige identificar quais os fluxos de notícias que condicionam a formação de opiniões e percepções das pessoas e observar os comportamentos sociais com uma visão quase antropológica. Isto é importante porque todos nós tendemos a expressar opiniões e posicionamentos condicionados pelas informações que recebemos, o que nos vinculam direta e indiretamente à agenda noticiosa dominante na imprensa atual.

Os ativistas da informação

Isto nos remete à segunda perna do tripé, ou seja, a sinalização da necessidade de uma mudança de atitude dos jornalistas no relacionamento com o público. Os jornalistas que herdaram o DNA comportamental da imprensa analógica ainda estão fortemente influenciados pelas regras da isenção, imparcialidade e objetividade. Isto os distancia do público e tende a criar uma desconfiança e até hostilidade de muitas pessoas.

Já os chamados ativistas da informação, na prática jornalistas sem diploma, geralmente nascidos na era digital, têm uma atitude bem diferente, especialmente pelo fato de estarem imersos em populações periféricas ou grupos ligados a questões identitárias ou com interesses específicos.

Os ativistas da informação agem normalmente de forma empírica, ou seja, na base do erro e acerto ao explorarem um território informativo digital desconhecido. O relacionamento com as pessoas ocorre de forma intuitiva e acaba se materializando jornalisticamente num noticiário que tem quase nada a ver com a agenda da grande imprensa.

O grande problema dos ativistas, que se multiplicam numa velocidade digital, dadas as facilidades oferecidas pela internet e pela computação, é que o índice de fracasso das iniciativas é altíssimo, quase de 70%, segundo estimativas feitas nos Estados Unidos. Cada projeto frustrado alimenta o pessimismo tanto dos ativistas da informação como dos profissionais vivendo a síndrome do medo do desemprego. Mas o mais grave é que alimenta também o ceticismo das pessoas, o que cria dificuldades adicionais a novos projetos.

Por onde começar?

Também não adianta desenvolver uma agenda alternativa e nem tampouco estar imerso na comunidade de leitores, ouvintes e espectadores, se as mensagens noticiosas não são formatadas de acordo com a cultura e os dispositivos tecnológicos locais. A terceira perna do tripé é o que se convencionou chamar de narrativa digital, que hoje prioriza os fluxos informativos através das plataformas digitais tipo Facebook, Instagram, TikTok e X , na forma de mensagens sonoras, visuais e textuais, sem falar na troca de mensagens.

Cada comunidade tem suas características específicas no que toca as narrativas, o que vai exigir uma pesquisa da realidade local antes do início de qualquer projeto. Há locais onde as pessoas usam mais o Instagram, noutras é o Facebook e existem aquelas que preferem o Tiktok. As preferências de uso variam entre os jovens, as mulheres e homens adultos. Cada segmento social exige também uma atenção especifica na identificação do tipo de narrativa mais envolvente e qual a plataforma digital com maior audiência localmente.

Já deu para ver que a sustentabilidade financeira não é um objetivo fácil de ser alcançado. Trata-se de uma questão onde as particularidades locais aparecem de forma mais clara na busca de uma solução. As experiências em curso em vários países, especialmente nos Estados Unidos, apontam para a necessidade de começar a busca da sustentabilidade a partir do desenvolvimento de um novo tipo de relacionamento dos jornalistas e ativistas da informação com o público-alvo do projeto jornalístico. A preocupação na formatação do tripé permitirá criar a solidariedade necessária para o surgimento de um ambiente de confiança mútua entre repórteres e as pessoas que pagarão pelas notícias, seja na forma de assinaturas, donativos, impostos ou prestação de serviços.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.