Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Política rancorosa e sexo doentio

Festejou-se abundantemente o Dia Internacional da Mulher, com exemplos de mulheres que ocupam cargos importantes, dedicam-se à caridade, cuidam dos filhos e da casa, estudam, têm disposição e coragem para viver como querem.

Enquanto isso, a imprensa britânica insiste sem parar num caso extraconjugal que a esposa do presidente francês Nicolas Sarkozy, Carla Bruni, estaria mantendo com um cantor. A insistência chegou a tal ponto que, na entrevista coletiva com Sarkozy e o primeiro-ministro inglês Gordon Brown, a pergunta foi feita pelo menos três vezes. Desenterraram, em tons de escândalo, a foto de um jantar em que Carla ‘está visivelmente sem sutiã’ – como se usar sutiã fosse obrigatório, como se usar sutiã fosse sinal de moralidade, como se Carla, cantora e modelo internacional de sucesso, já não tivesse posado sem sutiã, sem calcinha e sem roupa alguma dezenas de vezes (e todas valeram a pena).

É um problema recorrente sempre que alguma mulher atinge posições de poder. A primeira-ministra israelense Golda Meir era criticada por ser feia (e era); mas ninguém jamais comentou a beleza física do primeiro-ministro Ariel Sharon, ou do presidente José Sarney. Dizia-se de Golda, como elogio, que era mais homem que qualquer de seus colegas ministros.

Margaret Trudeau, a bela e jovem esposa do então primeiro-ministro canadense Pierre Trudeau, um dia se cansou de tanta discussão sobre a ousadia de suas roupas e prometeu ironicamente aos repórteres que não mostraria os mamilos em público.

Em todos esses casos, entretanto, o que há por trás das notícias é a insistência em ver na mulher apenas o símbolo sexual. O caso que acontece agora no Brasil é diferente: procura-se explorar a nudez – que nem é nudez, já que não aparece nada nas fotos – de uma subprefeita de São Paulo para demonizá-la e daí tirar proveito político. Soninha, ou Sônia Francine, que nasceu politicamente no PT e está hoje no PPS, comete um pecado gravíssimo aos olhos da patrulha petista: apóia a candidatura do governador paulista José Serra, do PSDB, à Presidência da República. Ao tirar a roupa, primeiro para uma campanha de estímulo ao uso de bicicleta (não, não perguntem ao colunista o que tem uma coisa a ver com outra) e, logo depois, para a revista Playboy, em ambos os casos de forma quase monástica, virou alvo dos bem-pensantes. Foi até engraçado: Soninha foi atacada por todos os lados, dos patrulheiros petistas aos patrulheiros antipetistas, que a chamaram de ‘Soninha do PT’, nome que usou quando era do PT, para tentar identificá-la com os adversários de hoje.

Soninha sempre foi uma jovem de comportamento ousado. Engravidou muito cedo, não casou, trabalhou, criou a filha, entrou na política. Anda de bicicleta ou de moto nas ruas de São Paulo, uma prática normalmente perigosa. Apareceu na capa de uma revista semanal dizendo que já tinha fumado maconha. Em resumo, é um prato cheio para qualquer patrulha moralista. Os patrulheiros só esquecem que liberdade é poder fazer aquilo de que os outros não gostem, desde que não os prejudique. E Soninha, ao que se saiba, jamais prejudicou alguém com seus hábitos.

Traduzindo, o problema é ser mulher. Festeje-se menos, respeite-se mais.

 

As senhoras de Santana

Há mais de 40 anos, diversos grupos se organizaram em todo o país para defender a moralidade pública, com um viés político muito forte: acreditavam que a imoralidade era planejada e financiada pelo comunismo internacional, em sua luta contra os valores ocidentais e cristãos. O primeiro desses grupos, e o que conseguiu maior visibilidade, foi o das Senhoras de Santana. Que gente mais atenta! Que senhoras mais chatas!

Um dia, na Folha, houve um erro no título do filme de um dos cinemas mais conhecidos da cidade: o Cine Marrocos. Simplesmente, na hora da composição, caiu o ‘é’ do filme Um raio em céu sereno. Vieram à Redação várias delegações de senhoras indignadas, convencidas de que as forças vermelhas tinham tomado o jornal. Erro de imprensa? Não, isso não existia: era coisa de comunista.

Nesta época houve também ampla discussão sobre o comprimento das saias femininas. Mary Quant lançou em Londres a minissaia, e isso foi interpretado como mais uma manobra comunista contra os bons costumes. Uma senhora de Minas, numa declaração histórica, prometeu solenemente: ‘Ninguém levantará a saia da mulher mineira’.

O curioso é que, nos partidos de esquerda, o conservadorismo também predominava. Este colunista jamais esqueceu uma chamada de primeira página do jornal do PCdoB, o clandestino A Classe Operária, que, elogiando o comunismo da Albânia, apontava entre as vantagens do regime que ‘lá os rapazes respeitam as moças’. No Partido Comunista Brasileiro (linha soviética), havia a moral proletária a ser protegida. Rodolfo Konder, popularíssimo entre as meninas, cansou de ser chamado pelas elites dirigentes para fazer autocrítica e mudar de comportamento. Claro, não mudou de comportamento (e muitos anos mais tarde, com um magnífico depoimento na Playboy, anunciou sua saída do Partidão).

Mas o puritanismo da esquerda não queria dizer nada para as Senhoras de Santana: tudo era imoral, e tudo que era imoral era coisa de comunista. Divulgou-se muito na época um decálogo atribuído a Lênin (este colunista não sabe se é ou não autêntico, mas Lênin dificilmente escreveria uma xaropada daquelas) que recomendava aos revolucionários corromper a juventude, fazendo-a gostar de sexo fora do casamento.

Passaram-se quase cinquenta anos, tivemos a revolução sexual, a pílula, a aceitação do sexo, e parece que as Senhoras de Santana estão de volta. Será que tudo que desmancha no ar volta um dia a ser sólido?

 

Márcia querida

O excelente apresentador Marcos Hummel manda o seguinte bilhete:

‘Hoje me lembrei de Márcia Mendes. Há uma razão especial. Num 8 de março, mais de três décadas atrás, ela e eu trabalhamos juntos. Era um sábado. Estávamos no plantão semanal. Eu apresentaria o Jornal Nacional, dividindo a bancada com, talvez, o Léo Batista. O chefe daquele plantão, num ímpeto que contrariava os padrões da empresa, decidiu homenagear a mulher na pessoa de Márcia Mendes. Márcia e eu apresentamos o noticiário daquele dia. Foi a primeira vez que uma mulher apresentou o Jornal Nacional. Ela foi uma grande profissional, uma amável colega, uma grande amiga. E era linda. Deixou saudades. Um beijo carinhoso a todas as mulheres’.

 

O direito de resposta

O professor Demétrio Magnoli publicou na Folha de S.Paulo, semana passada, artigo em que critica uma reportagem do próprio jornal – reportagem que, em seu entender, traduzia equivocadamente (e de maneira deliberada) o pensamento do senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, a respeito das cotas raciais no país. Magnoli diz que os jornalistas eram ‘engajados’, ‘militantes fantasiados de repórteres’; e que cometeram uma ‘delinquência histórica’.

OK, os repórteres exprimiram uma posição a respeito do discurso do senador, o professor exprimiu uma posição a respeito da reportagem. As reações foram curiosíssimas: a Folha foi acusada de permitir acusações a seus repórteres em suas próprias páginas (e que é que deveria fazer: censurá-las?).

Não: caso os repórteres queiram contestar as posições do professor Magnoli, podem pedir espaço ao próprio jornal. Podem, como jornalistas, e de boa reputação, escrever neste Observatório da Imprensa, sempre aberto ao direito de resposta. Mas censurar o jornal, não. Há alguns anos, na própria Folha, um abaixo-assinado de pessoas bem-pensantes pedia que este jornalista fosse demitido. O abaixo-assinado foi publicado. E daí?

 

A vitória do mau-humor

O presidente do Corinthians, André Sanchez, não é exatamente um universitário com armários cheios de títulos acadêmicos. Sem dúvida, a maior parte dos repórteres tem formação mais completa. Pois não é que há repórteres, com essa formação toda, que não entendem uma brincadeira? Pois Sanchez se referiu ao primeiro-ministro italiano, famoso por apalpar e beliscar mulheres que cruzam seu caminho, como ‘Belisconi’. O jornalista corrige: é ‘Berlusconi’.

É bom que ninguém lhe conte piada de peixe. Ele explicará que peixe não fala.

 

Livros importantes 1

O berço do novo Brasil que surgia após a ditadura foi a triunfal viagem do presidente eleito Tancredo Neves à Europa e aos Estados Unidos. Os países estrangeiros demonstraram, com atos concretos, que o Brasil democrático tinha muito mais prestígio que a ditadura que acabava de desabar. Mais do que isso, a viagem era o início da nova administração, com contatos, conversas e abertura de canais com os chefes de governo dos principais países do mundo.

Por isso, Tancredo levou com ele, nesta viagem, a nata do Itamaraty: os embaixadores Álvaro Americano, Paulo Tarso Flexa de Lima e Rubens Ricúpero. Ricúpero anotou acontecimentos, diálogos, impressões; e agora, um quarto de século mais tarde, lança Diário de Bordo – a viagem presidencial de Tancredo Neves, pela Imprensa Oficial de São Paulo. O lançamento ocorre na terça-feira (16/3), às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo.

Vale a pena tomar conhecimento do que Ricúpero, o mais íntimo interlocutor do presidente que morreu sem tomar posse, conta de sua viagem. Na época, mesmo com Tancredo eleito, ainda havia bolsões de resistência à democracia. O prestígio demonstrado pelo novo presidente junto à comunidade internacional foi um forte esteio à nova ordem brasileira – sem tortura, sem ditadura. O recado internacional foi dado: ou o Brasil fazia parte do mundo democrático ou seria isolado, sem a menor perspectiva de buscar no exterior as saídas para o futuro.

Rubens Ricúpero é diplomata, com formação em Direito. Foi assessor internacional de Tancredo, assessor especial de José Sarney, ministro da Fazenda de Itamar Franco na implantação do Plano Real. Hoje é presidente do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e diretor da Faculdade de Economia da FAAP.

 

Livros importantes 2

O nome é estranho: Breviário Crítico da Irrazão Delirante – da propagação de tolices à formação de consensos. Mas o livro é polêmico, bem articulado, agressivo, daqueles destinados a ter ampla repercussão. O professor Luís Milman, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, reúne 49 textos sobre os mais diversos assuntos, que incluem uma revisão crítica sobre a natureza da esquerda brasileira, mas desnudando especialmente os autores que, sob o amplo manto do antissionismo, são mesmo é antissemitas, exatamente como aqueles que perseguiram judeus ao longo de toda a História, mas com vergonha de dizer seu nome. O livro será lançado na quarta-feira (17/3), às 18h30, na Livraria Cultura do Bourbon Country, num debate do autor com o jornalista Políbio Braga e este colunista.

 

Os bichos-papões

O Ministério Público paulista preparou um Manual de Relacionamento com a Imprensa, para orientar os promotores em seus contatos com jornalistas. ‘O objetivo é incentivar e orientar, principalmente os mais jovens, a se comunicar com a imprensa de maneira adequada e frequente’, diz o procurador-geral da Justiça de São Paulo, Fernando Grella. Uma das recomendações: não se irritar com eventuais perguntas absurdas, mas esclarecê-las. Outra: oferecer aos jornalistas um cafezinho, ou um copo dágua, para criar um clima de boa convivência.

A idéia é excelente: com certa frequência – bem maior do que se imagina – o jornalista recebe do promotor não apenas um cafezinho e um suco, num bar que bate as frutas na hora, como também uma matéria pronta, especialmente preparada para facilitar a acusação e prejudicar a defesa. Muitos repórteres aceitam: em vez de trabalhar, que cansa, podem dar um passeio antes de voltar ao jornal.

Certa vez, num julgamento, não compareceu nenhum repórter. Pois não é que no dia seguinte havia reportagem num grande jornal, totalmente favorável à acusação, e com aqueles erros grosseiros que só matéria passada por telefone pode conter? Entre os erros, um notável: dava-se à juíza do caso o mesmo nome da advogada de defesa.

 

Como…

De um grande jornal, a respeito do terremoto no Chile:

** ‘Novo tremor assusta navios em Valparaíso’

Já não se fazem navios corajosos como os de antigamente.

 

…é…

De um dos maiores portais noticiosos do país:

** ‘Navio tem surto intestinal pela segunda vez’

Deve ser o combustível que o navio anda bebendo.

 

…mesmo?

** ‘Crianças deixadas sozinhas por Forró vão para abrigo’

Esse Forró está cada vez mais irresponsável.

 

E eu com isso?

Onde mais, exceto nas colunas de noticiário frufru, a gente descobre quem casou, quem se separou, quem está trocando de estado civil?

** ‘Giselle Itié curte festa solteira no Rio’

** ‘Cissa Guimarães está solteira’

** ‘Adriano surpreende e aparece para treinar com a noiva Joana Machado’

E coisas esquisitas, então?

** ‘Após ser presa, mulher esguicha leite dos seios na cara de policial’

** ‘Freira descobre que herdou bordel na Áustria’

** ‘Ao volante, americana bate o carro ao tentar depilar a virilha’

** ‘Australiano encontra cobra de mais de 2 metros no vaso sanitário’

** ‘Asteroide acusado de extinguir os dinossauros é inocentado’

** ‘Americano cria alto-falante de maconha e diz que som é melhor’

** ‘Chinesa de 101 anos desenvolve `chifre´ na testa’

Isso não é um fato incomum. Mas nessa idade?

 

O grande título

Esta é uma semana especialmente rica. A Assembléia Legislativa de São Paulo, por exemplo, convoca para uma sessão solene em homenagem ao Dia Mundial do Rim. Mas a concorrência é brava:

** ‘Domingo é Dia Mundial da Incontinência Urinária’

Ou, referindo-se a uma lei que proíbe jogos de futebol após as 23h15:

** ‘Kassab fica calado sobre jogos só até as 23h15 em SP’

Pelo jeito, ele fala, mas apenas mais tarde.

Temos um título que deveria retratar boas iniciativas:

** ‘Violência contra a mulher será trabalhada nas escolas’

A dúvida: como será que vão trabalhar?

E há dois com aquele suave toque de malícia, um referente ao jogador Kerlon (aquele conhecido como Foquinha, por conduzir a bola na cabeça), outro a vendedores de rua:

** ‘Ambulantes resistem e prometem ficar com os pequenos negócios nas calçadas’

E o do craque revelado pelo Cruzeiro, hoje no Ajax de Amsterdã:

** ‘Era só pau em Kerlon’

Deve ter algo a ver com a violência das defesas adversárias.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados