Aos 51 anos do golpe, uma má ideia
Nesta terça-feira (31/3), o Globo destaca na primeira página uma declaração do presidente da multinacional WPP, a maior corporação de publicidade do mundo, segundo o qual a mídia tradicional, em especial jornais e revistas, é mais eficaz do que supõem os analistas de mídia, em comparação com os novos meios digitais.
A manifestação do empresário Martin Sorrell, feita na semana passada, durante encontro com representantes de uma associação britânica de jornalistas, entusiasmou dirigentes da Associação Nacional de Jornais.
A Folha de S. Paulo traz reportagem informando que o The New York Times confirmou estar negociando, ao lado de três outras empresas jornalísticas dos Estados Unidos e da Europa, para postar conteúdo diretamente na rede social Facebook.
A iniciativa do Times, que se junta ao britânico The Guardian e à americana National Geographic, entre outros meios, tem provocado críticas de analistas, que consideram arriscado entregar a distribuição do produto jornalístico a uma empresa cujo propósito seria substituir a própria Internet.
O Estado de S. Paulo aborda outra questão relativa ao futuro da mídia, ao noticiar que a Amazon.com anuncia nos Estados Unidos uma plataforma de serviços que irá referendar profissionais como eletricistas, encanadores, mecânicos e até professores de música.
Embora não esteja dito na reportagem, essa iniciativa do gigantesco grupo de comércio eletrônico é uma ameaça direta ao mercado de anúncios de serviços classificados, que um dia foi patrimônio dos jornais.
Os três exemplos são uma amostra de como a mídia tradicional costuma tratar o desafio das tecnologias digitais, apontadas como o campo onde será jogado o futuro da imprensa e da comunicação em geral.
O primeiro texto considera como dado comprovado uma manifestação genérica feita por um empresário diante de uma plateia que lhe convém agradar; o segundo fica a meio caminho entre aplaudir a ousadia do New York Times e o temor de submeter a imprensa aos caprichos de Mark Zuckerberg; e o terceiro soa como uma frase do condenado elogiando o traje do carrasco.
Marcas e marcas
As três reportagens, assim como a maioria das análises publicadas pelos jornais brasileiros sobre tecnologias de informação e comunicação, se restringem aos aspectos mercadológicos dos acontecimentos e, como sempre, fogem da questão central que desafia o futuro da mídia tradicional.
Uma frase do presidente do grupo WPP diante de uma plateia de jornalistas não pode ser considerada informação pura e simples, porque o empresário tem seus interesses imediatos, que incluem valorizar o meio impresso, enquanto, estrategicamente, vai comprando empresas de mídia digital, inclusive no Brasil.
O movimento do Times e do Guardian na parceria com o Facebook indica uma escolha desses dois jornais de grande reputação internacional de priorizar a defesa de seus conteúdos e desapegar um pouco da questão da distribuição.
Trata-se, claramente, de concentrar os esforços na preservação da qualidade editorial e deixar que o fluxo de informações siga a tendência apontada pelas tecnologias e pela avassaladora cultura das interações pessoais.
A iniciativa da Amazon é mais uma mordida nas fontes de renda da mídia tradicional.
Mas o caso mais interessante, aqui, é a decisão de dois dos jornais mais importantes do mundo, de permitir que seus conteúdos sejam postados diretamente na rede social.
Para alguns analistas, essa iniciativa coloca em risco, no longo prazo, o valor das marcas tradicionais da imprensa, permitindo que se dissolvam em meio aos milhões de atrativos que são vistos constantemente por 1,4 bilhão de usuários do Facebook.
No entanto, essa opinião não leva em conta a possibilidade de os jornais receberem, em troca, dados pessoais desses usuários, detalhe do acordo que ainda não foi revelado.
A notícia e algumas das reações que provoca escancaram a diferença essencial entre jornais e jornais: enquanto o Times e o Guardian podem encarar o risco de expor suas marcas na torrente das mídias sociais, porque seus dirigentes têm consciência da reputação que criaram, os principais diários brasileiros sabem que suas marcas não conseguiram preservar um amplo arco de fidelidade com seus leitores.
O Guardian, fundado em 1821, e o New York Times, que nasceu em 1851,
já passaram por muitas turbulências, mas preservam uma tradição do jornalismo que ancora os valores básicos das sociedades que representam, atuando quase sempre como paradigmas da contemporaneidade.
O Estado de S. Paulo, fundado em 1875; a Folha, de 1921 e o Globo, criado em 1925, já estiveram associados a eventos históricos relevantes, como suporte de movimentos sociais, mas são mais lembrados por se engajarem em ideias reacionárias, como o golpe que nesta data completaria 51 anos.
Em 2015, ainda estimulam discursos golpistas.
Submeter essas marcas ao turbilhão caótico das mídias sociais realmente não seria uma boa ideia.