Friday, 11 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Lembrando o 7 de outubro

(Imagem Pixabay)

Geralmente a gente comemora os aniversários e as coisas boas. É mais raro e ao mesmo tempo é triste lembrar desgraças e infelicidades. Mas é o caso do 7 de outubro, data do ataque terrorista do Hamas a diversos kibutz, a jovens alegres que ainda dormiam depois de uma festa rave, todos desarmados, eram civis, ataque qualificado como um pogrom a cidadãos israelenses. Agravado com o sequestro de mais de duzentas pessoas transformadas em reféns, algumas delas já mortas.

7 de outubro era sábado, cinquenta anos depois da eclosão da Guerra do Yom Kippur, no meio do feriado judaico de Simh’at Torá que encerra a semana do festival das cabanas, Sucot. Algumas horas depois do começo do ataque, por volta das 6h30, rádios e televisões noticiavam o ato, com algumas cenas encontradas na rede social russa Telegram, cujas redes sociais foram utilizadas pelos terroristas para enviar aos parentes e amigos vídeos da invasão da qual participavam. Houve surpresa e espanto: pela primeira vez, os judeus foram vítimas de um pogrom dentro de seu próprio território.

Três dias depois, publicamos, aqui no Observatório da Imprensa, um comentário repercutido por diversas mídias, canais e redes sociais, centrado na implosão da união das esquerdas francesas, sob o título Esquerda dividida diante do massacre. Vamos fazer mais adiante uma releitura atualizada desse comentário.

As consequências do ataque de 7 de outubro foram enormes com a resposta israelense, o envolvimento do Irã, os ataques ao movimento Hezbollah no Líbano e o risco atual de um conflito maior no Oriente Médio.

O movimento terrorista Hamas, cujo objetivo é a destruição de Israel e não a criação de um Estado Palestino, como queria a OLP de Yasser Arafat, é acusado de ter utilizado a população de Gaza como escudo e nega, mesmo diante das evidências de vídeos postados nas redes sociais, as atrocidades cometidas há um ano contra jovens, mulheres e crianças, mesmo bebês. E essa negativa é endossada por grande parte das redes sociais de esquerda brasileiras.

De todo esse caos desencadeado pelo Hamas e pela reação bíblica de Israel de não deixar pedra sobre pedra em Gaza, ressurgiu com força na Europa e na América Latina o antissemitismo, enquanto o wokismo e o Sul Global mostraram a adesão de grande parte da esquerda e de universitários americanos e europeus a uma islamização nas teorias sociológicas anti-imperialistas e pós-colonialistas.

Isso é evidente nas redes sociais brasileiras de esquerda. Essa islamização equivale a um retrocesso social e político, pois uma boa parte dos países considerados anti-imperialistas é composta de ditaduras e teocracias, onde, como simples exemplo, as mulheres são cidadãs de segunda classe e os homossexuais e trans são perseguidos e mesmo mortos.

O jornal Le Monde publicou um importante editorial, no qual defende a criação do estado palestino junto com o de Israel, (e não a criação de um Estado Palestino com a destruição do Estado de Israel), como a solução para a atual crise.

A respeito cito uma observação de Marcelosik, pseudônimo de um comentário publicado embaixo de um texto negacionista de Ana Gabriel Sales, do Canal GGN, no qual ele diz: “a luta a favor do estado palestino e contra o governo fascista de Netanyhou não pode se confundir com a normalização de uma milícia fundamentalista de extrema direita a partir do pensamento binário de setores de nossa esquerda”. Um texto bastante elucidativo diante da confusão atual da esquerda brasileira, apoiando o Hamas, ignorando ser um movimento islâmico fundamentalista.

Um ano depois

Um ano depois do atentado do 7 de outubro, o que aconteceu com a união das esquerdas francesas? Assim como Judith Butler e Rui Costa Pimenta, o líder francês do partido França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, não condenou e nem considerou terrorista o ataque do Hamas, “mas uma ofensiva armada das forças palestinas”. A união Nupes, Nova União popular ecológica e social das esquerdas, implodiu.

Só em junho deste ano, com a dissolução da Assembleia Nacional francesa, os líderes de esquerda voltaram a se reunir e acabaram disputando juntos a eleição para o novo Parlamento. Entretanto, permaneceu a rachadura criada pelo apoio de Mélenchon ao Hamas e a resistência dos ecologistas e socialistas contra sua indicação a primeiro-ministro.

A reação de Israel ao ataque, considerada excessiva pela imprensa em geral, foi mudando a posição dos envolvidos – Israel foi deixando de ser vítima para ser considerado agressor. Com o decorrer dos meses, a causa palestina passou a ser confundida com o movimento Hamas, mesmo pelos que defendem dois Estados na região, numa contradição pouco percebida.

Ao contrário do movimento palestino Fatah, sucessor da OLP criada por Yasser Arafat, o Hamas é contra a solução dois Estados e seu objetivo principal desde sua criação é a destruição de Israel. Essa é a única consonância existente entre Hamas e Israel, pois o governo de Israel, a extrema-direita e os ultraortodoxos israelenses também não apoiam a criação de um Estado palestino.

Ainda no começo da reação israelense ao Hamas, com seus ataques destruidores a Gaza, envolvendo a população, houve dois cessar-fogo com troca de reféns. Entretanto, a partir de um certo momento, o Hamas deixou de facilitar as negociações feitas com Israel no Catar, mesmo porque Israel, sujeito às pressões dos familiares dos reféns e parte da população, queria a devolução de todos os reféns. Ao mesmo tempo, o crescente número de mortos nos ataques de Israel a Gaza, favorecia o apoio aos palestinos e indiretamente ao Hamas, provocando o retorno do antissemitismo.

Para diminuir o impacto negativo do Hamas, se fortaleceu um movimento negacionista com relação aos crimes cometidos pelo Hamas durante o ataque do 7 de outubro. Breno Altman, no canal Opera Mundi, afirma haver um vídeo justamente da Al Jazeera mostrando isso. Paralelamente, o Tribunal de Justiça Internacional condenou Israel por genocídio, enquanto um inquérito da ONU acusa Israel de cometer crimes de guerra. E a África do Sul acusa Israel de apartheid.

Do lado do Hamas, a Suíça considera o movimento como terrorista e o Parlamento reduziu, e poderá anular, as subvenções concedidas à ação da ONU junto aos palestinos, UNRWA, sob a acusação de haver uma grande infiltração do Hamas nessa entidade de ajuda onusiana.

Muitos acusam o primeiro-ministro Netanyahu de ter destruído Gaza para compensar a falha do seu serviço de informação, que não detectou o ataque do Hamas, e assim evitar uma destituição do cargo. Atualmente, com a liquidação dos líderes do Hamas e do Hezbollah, Netanyahou ganhou o apoio da população e não se baseia apenas nos ultraortodoxos.

O professor Sciences Po, Paris, escritor e ensaísta Gilles Kepel acaba de lançar um novo livro, dedicado justamente às consequências do 7 de outubro, Le Bouleversement du Monde. Grande conhecedor do Oriente Médio, mesmo porque aprendeu ainda jovem o árabe, Kepel, que tem alertado quanto à islamização do pensamento de esquerda, vê a possibilidade de grandes mudanças na região.

Para ele, isso pode ocorrer no Irã, onde o dirigente aiatolá Khamenei, idoso, iria ser sucedido pelo ex-presidente Ebrahim Raisi, defensor rigoroso da teocracia islâmica, morto num estranho acidente de helicóptero no retorno de uma viagem. O Irã, com sua cultura e tradição persa, na expectativa de uma resposta de Israel aos recentes ataques, talvez viva momentos de instabilidade, argumenta Kepel.

A resposta de Israel aos ataques do Irã seria principalmente a de destruir ou de esfacelar o Hezbollah, criação iraniana, para multiplicar as contradições internas iranianas, onde o próprio serviço de informação estaria contaminado. Dentro dessa lógica, Israel não atacaria nem as instalações nucleares e nem o Irã diretamente, a fim de evitar um conflito maior. Mas estaria apostando num esfacelamento interno do Irã, ou seja, da estrutura teocrática do país, para evitar que Khamenei e seus seguidores provoquem a sua destruição.

Algumas referências

https://www.observatoriodaimprensa.com.br/guerra/esquerda-dividida-diante-do-massacre/

Breno Altman

https://www.youtube.com/watch?v=m5BbiJarRKs

https://fr.euronews.com/2023/11/24/le-hamas-banni-en-suisse-le-pays-soutient-les-droits-dautodefense-disrael

Prof. Gilles Kepel

https://www.youtube.com/watch?v=oaGqT7sq_uo

https://www.youtube.com/watch?v=Wz94NnefF6U&t=95s

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.