Friday, 11 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Economia da atenção: um desafio à democracia

(Imagem de Gerd Altmann por Pixabay)

A revolução das telecomunicações começou com a invenção do telefone no século XIX. Mais tarde, no século XX, criou-se a forma de televisão que conhecemos hoje. Desde o final da década de 1960, em plena Guerra Fria, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos desenvolveu um sistema de redes para trocar informações com agentes de suas diversas missões. 

No final dos anos 80, com o término da guerra fria, esse sistema de redes se popularizou em todo o mundo com a criação do www (a World Wide Web), a qual passou a ser denominada internet.

A partir disso, em pleno século XXI, a internet encontra-se 24 horas por dia fazendo parte do cotidiano das pessoas das mais diferentes formas, atuando praticamente em todas as partes do mundo. Seu desempenho e expansão foi a grande responsável pela integração econômica dos mercados mundiais, o qual denominamos globalização da economia. Assim sendo, a informática e os meios de telecomunicações passaram a ser agentes fundamentais de uma nova ordem econômica mundial. 

No campo da geopolítica, a disputa do mundo deixou de ser bipolar (EUA x URSS). A relação de poder centrada na corrida armamentista passou a ser multipolar, com o surgimento de novas potências econômicas responsáveis por disputar a hegemonia e o poder no espaço mundial. Nesse momento, a internet, para os novos atores, passou a ser fundamental para ampliar e adquirir mais ganhos financeiros na busca de novos mercados pelo mundo

Com a globalização pode-se notar, como afirma VESENTINI (2007, p. 51- 52), (…) que ocorreu um agravamento constante da pobreza e das desigualdades internacionais. Norte e principalmente Sul são duas noções geoeconômicas demasiado genéricas, que se tornaram populares na mídia a partir dos anos 1980, mas que não fornecem uma ideia precisa de como o mundo se divide sob o ponto de vista da geração de riquezas. […] Mas do ponto de vista científico, […] essas noções pouco ajudam.

Fora todas essas transformações geopolíticas, os meios de telecomunicação, principalmente a internet, promoveram não só o encurtamento das distâncias, como também uma mudança abrupta nos hábitos de consumo e no modo de consumir dos indivíduos.

As telecomunicações permitiram a criação de novos modelos de negócios baseados na economia digital. Empresas de comércio eletrônico (e-commerce), serviços de delivery, plataformas de streaming, são alguns exemplos de atividades, que dependem da infraestrutura de telecomunicações e que mudaram significativamente a perspectiva do mundo empresarial. 

(…) A conectividade em massa e global está gerando uma nova civilização. Não são General Motors ou Toyota que estão no centro das corporações mais valiosas do mundo: Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon e algumas outras gerenciam o que ouvimos e vemos. Estão criando, com informações privadas invasivas uma nova economia de atenção (2023).

O que é a economia da atenção?

“A economia da atenção é uma forma de gerenciar informações na qual trata a atenção humana como um bem escasso. Cunhado pela primeira vez em 1971 pelo economista, psicólogo e cientista político Herbert Alexander Simon, o termo explica como a atenção pode ser capitalizada e tratada como uma mercadoria” (2021). 

Dito de outra forma, na era da informação e da tecnologia, a atenção humana se tornou um recurso escasso e valioso, portanto, passou a ser mercantilizado. Não damos conta de ver e tão pouco aprender as inúmeras ofertas às quais somos expostos cotidianamente, sendo assim o maior desafio para o marketing das empresas é capturar o máximo de atenção possível dos indivíduos para que ela possa ser monetizada com anúncios, independentemente do que os anúncios estejam promovendo.

A utilização gratuita por parte dos usuários das plataformas digitais é fundamental para captar seus dados. Anna Bentes, do Laboratório experimental e transdisciplinar sediado na Escola de Comunicação da UFRJ, afirma que “com os dados dos usuários, é possível processar e direcionar conteúdos, além de produzir estratégias de mercado e formar perfis sobre as pessoas. A partir dessas informações, as redes conseguem enviar recomendações e fazer predições de conteúdos que poderão captar e manter a atenção do usuário. (…) Muitos desses estímulos podem ser neutros e acarretam um comportamento inconsciente até que se forme um hábito” (2021). 

Em entrevista recente ao jornal digital “Meio” (2024), o historiador e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) João Cezar de Castro Rocha explica quais são os 3 passos para capturar a atenção do usuário nas redes sociais:

1- “Impulsionar a marca”, ou seja, tornar-se conhecido, levar a imagem para quem não a conhece. É dentro dessa etapa que as marcas se utilizam, para ganhar visibilidade no mercado, dos influenciadores digitais, dos coaches e dos youtubers.

2- “Capturar a atenção do usuário”, isto é, qualificar o anúncio para que o usuário volte a frequentar a plataforma. Para isso, as mídias digitais, com o intuito de atrair o usuário, utilizam-se de estímulos sensoriais, ligados principalmente à audição e à visão, bem como de uma interface interativa que permite aos usuários, sem muito esforço físico ou mental, interagir com o conteúdo e realizar ações específicas.

3 – “Anúncio de aquisição”, ou seja, preparar o cliente para seguir uma trajetória que o leve à compra, que pode envolver diversos produtos e serviços.

Estamos presenciando, não só no Brasil, mas em várias partes do mundo, que todo esse arcabouço da economia da atenção vem sendo transferido para o mundo da política, o que acaba por provocar seríssimas consequências para a organização do processo democrático.

Na economia da atenção, os conteúdos digitais curtos, chamativos e desprovidos de profundidades são os que mais conseguem enganchar o interesse das pessoas, e, portanto, os que possuem as maiores chances de viralizarem. 

Estudos mostram que notícias falsas circulam 70% mais rápido do que as verdadeiras, (…) quando a notícia falsa trata de política, a transmissão é ainda mais intensa. A desinformação usada com fins políticos tem como finalidade provocar sentimentos negativos, como raiva e indignação, para obter, manter ou conquistar o poder, diminuindo a racionalidade e a qualidade do debate público (2022).

Normalmente são vídeos com ações grotescas que remetem aos gritos, aos ataques pessoais, aos xingamentos e até mesmo às vulgaridades. O foco principal, que deveria ser a respeito das questões substantivas como saúde, educação, transporte e segurança, acaba ficando em segundo plano. 

Com tanta informação competindo pela nossa atenção, fica cada vez mais difícil separar o que é importante do que é irrelevante. Questões complexas de difícil solução são oferecidas de forma facilitada, aos montes, à população. 

Chomsky (2013, p.38), alerta que, “a imagem do mundo que é apresentada à população tem apenas uma pálida relação com a realidade. A verdade dos fatos encontra-se enterrada debaixo de montanhas e montanhas de mentiras” e conclui “ (…) que se quisermos compreender nossa própria sociedade precisaremos refletir sobre esses fatos. São fatos importantes, importantes para aqueles que se preocupam com o tipo de sociedade em que vivem”.

A desinformação (fake news), teorias da conspiração, sensacionalismo, passaram a ser ingredientes que compõem o mundo da economia da atenção no campo da política – as crenças tornaram-se mais importantes que os fatos, o que proporcionou não só o empobrecimento dos debates políticos, como também prejudicou a capacidade dos cidadãos de tomar decisões informadas. O que, de certa forma, compromete e distorce o processo democrático.  

Os métodos do marketing da economia da atenção também estão sendo usados para constantes ataques à imprensa: notícias rápidas, rasas e simplificadas tornam-se mais interessantes, já que consomem menos tempo dos leitores. No entanto, essa prática compromete a existência de um jornalismo investigativo, que também possui a função de fiscalizar as instituições democráticas.

Diante do exposto, cabe a perguntar:

Como garantir que o debate público seja saudável nesse cenário?

Em que tipo de mundo e sociedade queremos conviver?

Qual o modelo democrático desejamos seguir?

Bibliografia

A Economia da Atenção e a captura da vida – 13 de dezembro de 2023. Disponível em: https://editoraelefante.com.br/a-economia-da-atencao-e-a-captura-da-vida/

Chomsky, Noam – Mídia: propaganda política e manipulação / Noam Chomsky; tradução Fernando Santos. – São Paulo: Editora Martins Fontes, 2013.

Economia da atenção e universo das telas: entenda por que é tão difícil se desconectar. USP – Agência Universitária de notícias, 2021.Disponível em: https://aun.webhostusp.sti.usp.br/index.php/2021/09/02/economia-da-atencao-e-universo-das-telas-entenda-por-que-e-tao-dificil-se-desconectar/

O Meio – O que é economia da atenção. Impactos na política e a formação de riqueza de Pablo Marçal e Musk. YouTube, 4 de set. de 2024

Pílulas contra a desinformação: notícias falsas circulam 70% mais rápido do que as verdadeiras. Tribunal Superior Eleitoral, 2022. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Junho/pilulas-contra-a-desinformacao-noticias-falsas-circulam-70-mais-rapido-do-que-as-verdadeiras

VESENTINI, José William. Novas Geopolíticas. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2007.

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Mauricio Alfredo é Professor de Geografia, Geopolítica e atualidades no Ensino Médio e Superior. Autor de material didático junto à Editora Companhia da Escola.