Com licença, este é nosso campo
A Folha de S. Paulo publicou, na quinta-feira (2/4), texto não assinado no qual noticia: "Jornalistas articulam novo modelo de conselho" (ver aqui).
Ali se afirma, inicialmente, que "mais de uma década após a rejeição à criação de um Conselho Federal de Jornalismo, pelo então presidente Lula, a proposta voltou a ser articulada, agora por profissionais reunidos no grupo Jornalistas Pró-Conselho"… e por aí vai.
Trata-se da primeira manifestação da imprensa hegemônica contra essa iniciativa, e começa com uma mentira.
Na verdade, os jornalistas pró-Conselho, que fizeram o lançamento oficial do movimento no dia 28 de março, não pretendem a retomada daquela proposta, que efetivamente foi rejeitada pelas lideranças do Congresso em 2004, não pelo ex-presidente Lula da Silva.
Originalmente, a Federação Nacional dos Jornalistas defendia a criação de um Conselho Federal de Jornalismo; o intenso lobby das empresas de comunicação derrubou a ideia, mesmo depois que a Fenaj propôs alterar a configuração da entidade, para Conselho Federal de Jornalistas.
O que se realiza no presente caso é um debate sobre a possibilidade de vir a ser criado um conselho profissional de jornalistas, o que exclui a participação das empresas de comunicação, como entidades corporativas.
O grupo que organiza essas discussões ainda recolhe opiniões sobre a natureza da instituição que se pretende criar, e seus integrantes sabem que tanto pode ser uma autarquia como uma rede referente (no sentido que os estudantes de Jornalismo aprendem na faculdade, ou seja, nosso objeto é o Jornalismo, e o conceito, ou referência, é o seu exercício profissional).
Isso quer dizer que estamos, como jornalistas, criando um foro específico para tratar de questões profissionais e nossa referência é o Jornalismo, ou seja, o grupo procura identificar o que define essa profissão hoje em dia.
Não por acaso, a primeira pergunta que se propôs a responder era: "o que é o Jornalismo hoje?"
A regulamentação da profissão deixou de existir com a decisão do Supremo Tribunal Federal, em junho de 2009, ao considerar inconstitucional a exigência do diploma para seu exercício, mas isso não impede que se coloque em pauta esse questionamento.
Liberdade para uns
A reação das corporações de imprensa, como prenunciado pela Folha de S. Paulo, será, certamente, contrária a tal iniciativa, porque as empresas de comunicação não querem um debate sobre Jornalismo.
Conforme foi divulgado, os três temas que conduziram o encontro do dia 28/3 foram: diagnóstico sobre o atual momento da profissão; formação e regulamentação da profissão; e Conselho Profissional de Jornalistas – autarquia ou associação civil?
Por que os jornais teriam interesse em impedir a evolução desse debate, ainda que restrito ao universo dos jornalistas profissionais, aos estudantes e professores das faculdades de Jornalismo?
Entre outras razões, porque o aprofundamento das questões específicas da profissão vai desmoralizar alguns dos principais argumentos utilizados pelas corporações de imprensa quando exercitam seu poder junto às instituições da República.
Por exemplo, pode-se afirmar que a falta de uma regulamentação da mídia – e não uma auto-regulamentação ou o cumprimento da norma constitucional sobre a propriedade dos meios – é uma ameaça à liberdade de expressão.
Basta observar que os principais veículos de imprensa usam a omissão das leis para patrocinar um jornalismo unilateral, irresponsável, manipulador, para se evidenciar que a livre expressão é privilégio de autores com o perfil ideológico aprovado pelas redações, livres até para usar a linguagem chula.
Essa é apenas uma das questões que desafiam o exercício da profissão no Brasil; é preciso enfrentar muitas outras, algumas das quais de abrangência global, como o desenvolvimento das tecnologias digitais de informação e comunicação, o crescimento das redes sociais, a robotização do jornalismo utilitário (informes meteorológicos, situação do trânsito, programação dos cinemas, etc.), a depreciação do jornalismo de ciências, o encolhimento do mercado de trabalho dos jornalistas, etc.
Esses são desafios típicos dos jornalistas profissionais, daqueles que ensinam e dos que procuram o conhecimento específico numa faculdade de Jornalismo – não de historiadores ou sociólogos que obstinadamente conquistaram um espaço na imprensa.
Há diferenças profundas entre um ensaísta que escreve eventualmente num jornal ou revista – ainda que se declare jornalista – e um profissional que vive cotidianamente as questões complexas do Jornalismo.
Com licença, este é o nosso campo.