Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O império do discurso único

Como era de se prever, as coisas no telejornal TG5, da rede de italiana Mediaset, mudaram depois da demissão do diretor Enrico Mentana [veja remissão abaixo].

A rede pertence ao presidente do Conselho de Ministros da Itália, Silvio Berlusconi, e nessa ‘nova fase’ o espaço aberto às realizações de seu governo aumentaram de forma estrepitosa: Berlusconi disse, Berlusconi fez, Berlusconi foi… etc., etc. Outro dia, no jornal das 20h, a matéria de abertura e de fechamento eram idênticas – claro que tendo como protagonista Silvio Berlusconi.

A grita é geral, pois além de sua rede de televisão, e em função de seu cargo político, Berlusconi ainda controla os três canais da estatal RAI (Radiotelevisione Italiana); portanto, pode-se dizer que tem o monopólio.

Antes do affair que envolveu o âncora Enrico Mentana, a jornalista e escritora Lilli Gruber pediu demissão como apresentadora do TG1, o principal telejornal da RAI, para candidatar-se ao Parlamento Europeu, para o qual foi eleita. Em seu livro L’altro Islam, Lilli faz um desabafo:

‘Há meses me interrogava sobre a crescente desvalorização que estava tendo como jornalista em um serviço público sempre menos público. Sempre mais controlado pelo ‘patrão’ das televisões italianas. Sempre mais ligado ao pensamento único da maioria do governo. Sempre menos respeitoso com o cidadão que paga o ‘cânone’ [taxa anual paga à RAI por cada possuidor de aparelho de televisão] e que tem direito a informações o mais corretas e completas possíveis’.

No final de novembro último, o jornalista Beppe Severgini, do Correire della Sera, foi à Bruxelas receber o prêmio European Journalist of the Year, dado pela revista semanal European Voice. Sabia que seus colegas iriam perguntar sobre a difícil situação da mídia ‘numa Itália dominada por Berlusconi’. Apesar do Corriere ser conservador e de tendências situacionistas, Beppe teve que ser objetivo em seu discurso:

‘O chefe de um governo não deve possuir metade das televisões e controlar outra metade. Esta situação em um grande país da União Européia é embaraçante e pouco salutar. (…) Quero lembrar que na Itália existe uma democracia viva, não um regime de exceção: ninguém me prenderá quando eu voltar para minha cidade com o prêmio na mala’.

Alternativa única

Desde o fim da monarquia (1946), A Itália vive um sistema parlamentarista no qual o poder moderador é exercido por um presidente da República, escolhido em eleição indireta pelo Congresso e com um mandato de 7 anos. O atual é Carlo Azeglio Ciampi, eleito a 13 de maio de 1999. Ele foi o ministro das Finanças que permitiu à Itália participar na implantação da moeda única européia.

Desde 1948, a Administração Autônoma do Val d’Aosta (uma das regiões da Itália) outorga o Prêmio Saint-Vincet de Jornalismo, que tem como propósito o reconhecimento dos méritos precípuos do jornalismo. Aproveitando a entrega desse prêmio, na segunda-feira (13/12), o presidente Ciampi fez uma advertência em defesa do pluralismo das intervenções e dos deveres essenciais da RAI.

‘A informação como questão nacional é de interesse público, coletivo. Não só porque considera todos os cidadãos, de direita e de esquerda, aqueles que vêem televisão e não a vêem, aqueles que lêem os jornais e não os lêem. Mas ainda porque toca diretamente a vida democrática, o pluralismo, a livre concorrência, o confronto político e a regularidade da competição eleitoral’.

Nesse ponto Ciampi foi interrompido por Lorenzo de Boca, presidente da Ordem dos Jornalistas, e por Franco Siddi, presidente da Federação da Imprensa. Ouviu uma longa lista de problemas que atormentam, bloqueiam e condicionam o trabalho dos jornalistas italianos; sempre mais precário, isto é, menos seguro.

Ciampi pôs de lado seu texto escrito e, de improviso, lembrou já ter falado em outras ocasiões sobre a profissionalismo e deontologia dos jornalistas. Disse ele:

‘Dou-lhes razão. Existem muitos problemas em aberto, eu os mencionei muitas vezes no passado, me dá satisfação que tenham advertido esses temas com tanta sensibilidade e empenho. Como de outras vezes vos disse, é importante que tenham sempre reta a vossa espinha dorsal (nunca submeter-se). Isto é fundamental e acredito que isso seja o que cada um de vós adverte à própria consciência’.

Na Itália de hoje, quem lê um jornal pode escolher na banca aquele que quer, mas quem assiste televisão e não quer ver o que o governo lhe empurra, só tem um alternativa: desligá-la.

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Jornalista