O acidente com o navio chileno Vicuña no terminal da empresa Cattalino, em 15 de novembro de 2004, não afetou a Ilha do Mel, o tradicional santuário ecológico do litoral do Paraná. Mas a moral da imprensa naufragou entre os comerciantes e moradores locais. Apesar do zum-zum dos ecologistas na internet e do farto noticiário na mídia, inclusive em horário nobre da Globo, deixo a ilha, parada obrigatório em minha viagem ao Sul, convencido de que não foi atingida pelo derrame de óleo dos tanques de combustível da embarcação.
A carga principal, de metanol, menos perigosa, pois é rapidamente diluída no mar, também não causou danos. Foi um alívio. Todas as notícias davam conta de um derrame de óleo na Baía de Paranaguá que teria atingido esse que é um dos mais belos pontos turísticos do litoral brasileiro.
Dramatização do acidente
Felizmente, tratava-se de mais um daqueles exageros da nossa imprensa. Dois dias depois de contornar a ilha de barco deixo-a seguro de que entre, perdas e danos, a maior foi mais uma prova da falta de seriedade do jornalismo hoje praticado no país. O Vicuña está sendo retirado do mar, recortado em pedaços para abastecer os fornos da Siderúrgica Gerdau, num trabalho da companhia holandesa Smit Salvage B.Y., a mesma que retirou o submarino russo Kursk do fundo do Mar de Barents, onde morreram 118 tripulantes há quatro anos.
Embora o naufrágio tenha gravidade e efeitos ecológicos, o óleo derramado, destinado aos motores da embarcação, gerou uma mancha pequena, arrastada pelas correntes para o Norte. A carga de metanol, material volátil e facilmente disperso nas águas, tomou o mesmo destino depois de parcialmente consumida pelo fogo. Cerca de 10% da carga de óleo destinado ao abastecimento ainda estão nos porões, mas o local já foi cercado, e uma outra proteção extra está sendo estendida no entorno para conter qualquer novo derrame.
A credibilidade da imprensa foi a pique pela maneira como o incidente foi coberto: uma tentativa de utilizar a fama e a preocupação com a Ilha do Mel como pretexto para dramatizar o acidente naval. Os efeitos para o comércio local foram imediatos, traduzidos em centenas de ligações para as pousadas cancelando reservas anteriormente feitas.
Se a imprensa falhou na cobertura do fato, exagerando seus efeitos, foi ainda mais tendenciosa na repercussão, mantendo no ar o impacto das primeiras manchetes alarmantes e omitindo a real extensão dos danos causados. A Delegacia Regional do Trabalho começou a liberar o pagamento do seguro-desemprego aos 775 pescadores que solicitaram o benefício por não poderem trabalhar na Baía de Paranaguá. Quem opera em mar aberto não foi afetado.
Telefonemas não bastam
O porquê de a imprensa ‘poluir’ esse que é considerado o principal ponto turístico do Paraná, um referencial que extrapola nossas fronteiras, só se explica pela afoiteza com que certas pretensas reportagens são realizadas e, depois, dadas por definitivas.
Em primeiro lugar, a carga principal do navio seria de 14 mil toneladas de metanol, mas apenas cinco mil toneladas estavam em seus tanques quando o terminal da Cattalini, onde estava sendo carregado, explodiu em 15 de novembro. Quatro tripulantes morreram e o fogo consumiu rapidamente boa parte da carga etílica. A pequena quantidade de óleo destinada aos motores, e que vazou, começou a ser rapidamente recolhida antes que as correntes a levassem para o Norte, em direção às praias paulistas.
Ainda assim, até pela ausência de ocorrências semelhantes no passado, o acidente mereceu o tratamento de ‘o maior desastre ambiental’ da Baía de Paranaguá. Multas milionárias foram aplicadas, mas a discussão sobre a responsabilidade pela explosão, se do navio ou da empresa que administra o terminal, protelará pagamentos até que as divergências sejam dirimidas na Justiça.
Considerando-se a morosidade do sistema judiciário brasileiro, uma aposta no Dia de São Nunca seria a mais indicada. A Ilha do Mel, felizmente, continua bela e faceira a ornamentar nossa maravilhosa costa litorânea. Os colegas que a visitarem, contudo, devem evitar apresentar-se como jornalistas ou terão de ouvir, dos moradores e comerciantes locais, duras críticas à nossa profissão.
Nem sempre as ‘zelosas’ autoridades ambientais são as fontes mais seguras para se obter informação. Esta era uma reportagem que jamais poderia se resolver com alguns telefonemas e a copidescagem de informes oficiais. A realidade, felizmente, é completamente diferente do que foi noticiado no primeiro momento e mantido, pela ausência de acompanhamento. A Ilha do Mel continua a mesma. Só a credibilidade da imprensa foi afetada por aqui.
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Jornalista