Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Eleição municipal em São Paulo, teste para 2026

(Imagem: Paulo Pinto/Agência Brasil)

O segundo turno da eleição para prefeito da cidade de São Paulo foi um importante teste para avaliar as forças políticas que voltarão a se enfrentar dentro de dois anos. O resultado desse teste não é nada animador para o PT e por tabela para o presidente Lula.

Os petistas perderam em quase todas as principais cidades brasileiras e ganharam apenas em Fortaleza, revelando uma perda de fôlego na corrida aos postos executivos municipais. Essa situação provocou mesmo uma crise dentro da direção do partido com duras críticas à sua presidenta, Gleisi Hoffmann, acompanhadas de uma reflexão negativa quanto à possibilidade de Lula se reeleger.

Gleisi se defendeu atacando Alexandre Padilha, uma espécie de porta-voz do governo, mas dificilmente escapará de um remanejamento na estrutura do PT para evitar o pior em 2026, com perda de governo e retorno dos bolsonaristas à direção do país. Onde tem errado a estratégia do PT? Ou é o governo de compromissos de Lula com o centrão o principal culpado?

Talvez ambos. Os velhos militantes do PT não perceberam as mudanças sociais, relações de trabalho e outras formas de exploração aplicadas pelos detentores do capital, mais uma série de inovações tecnológicas que vêm revolucionando o modo de vida das populações às quais o PT não se adaptou, nem em termos simples de dominar o conhecimento e o uso das redes sociais.

Face à linguagem populista da extrema direita e à utilização das fake news, que já elegeram Bolsonaro em 2018, o PT não inovou e não encontrou nem um antídoto, preferindo repetir chavões sem ressonância. Faltam figuras criativas como a de Carlito Maia no passado, um misto de publicitário político e criador de slogans até hoje ainda utilizados, porém sem o mesmo efeito de 40 anos atrás.

Na campanha eleitoral para a mais importante prefeitura brasileira, a de São Paulo, houve uma espécie de choque entre as ultramodernas técnicas populistas dominadoras das redes sociais com o esquema clássico já ultrapassado de publicidade política, como discursos, entrevistas, depoimentos na televisão. Mal comparando, são as calmas missas tradicionais católicas frente aos cultos evangélicos barulhentos entremeados de cânticos, com participação direta dos fiéis aos brados e comandos dos pastores. Não basta ter um 247, no estilo clássico, é preciso uma equipe de jovens inovadores e dominadores das redes sociais.

As lições colhidas em São Paulo, onde a esquerda tinha o hábito de ganhar, são preocupantes para o PT, que se vê diante de uma mudança de comportamento do eleitorado. Teria sido a presença inusitada de um candidato de extrema direita até então desconhecido, sem um programa definido, mas com uma linguagem nova e provocadora?

Sem dúvida! A chegada de Pablo Marçal à campanha eleitoral, com seu estilo neofascista de contato com o eleitorado utilizando mentiras, ofensas e agressões verbais para desmoralizar os adversários, conjugado com a maestria no uso das redes sociais, fazendo circular seus verbetes e slogans na proporção de 600 milhões de visualizações para apenas 80 milhões de seus adversários reunidos, como contou o especialista Renato Dolci numa entrevista à CNN.

Uma visão rápida dos resultados do segundo turno em São Paulo revela que o atual prefeito Ricardo Nunes foi reeleito com 31% dos votos do total dos eleitores paulistanos. Porém, somando-se o número dos votos brancos, nulos e as abstenções, obtém-se 36%.

Ou seja, Nunes, embora reeleito, foi indiretamente rejeitado pela maioria do eleitorado. O grande número de abstenções teria sido também decorrente da decisão de Pablo Marçal, eliminado no primeiro turno, de não pedir aos seus eleitores para votarem em Nunes. Essa fragmentação da extrema direita torna ainda mais dramática a derrota de Guilherme Boulos, colocado num distante terceiro lugar, depois dos brancos, nulos, abstenções e de Ricardo Nunes, sem chegar aos 30% dos eleitores habituais do PT na capital paulista.

Enfim, outro fator, praticamente ignorado pela direção do PT em suas autocríticas, é o peso dos votos dos evangélicos nas eleições. Assim como ocorre nos EUA, onde o voto fundamentalista e conservador dos evangélicos permanece estável, o voto evangélico no Brasil corresponde ao de um partido em expansão. E por quê?

Porque a maioria das igrejas e congregações evangélicas funcionam como se fossem, embora oficialmente não sejam, diretórios dos partidos bolsonaristas, alimentados doutrinariamente semanalmente. A fusão religião-política fundamentalista obtida nos EUA, e que poderá significar a vitória de Trump, é também uma nova realidade brasileira, que nenhum partido de esquerda, como o PT, poderá ignorar. Embora Lula durante seus governos passados tivesse favorecido os evangélicos, na esperança de receber um retorno, a situação atual é a de representarem uma forte e bem-organizada oposição. E os recentes pronunciamentos de Lula contra Israel só reforçaram essa oposição religiosa, já que os evangélicos se identificam e apoiam a política de extrema direita de Israel.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.