No domingo 10 de novembro, o jornal The Washington Post publicou uma informação exclusiva, um autêntico furo de reportagem logo depois da eleição de Donald Trump, sob o título “Trump conversou com Putin, disse ao líder russo para não fazer escalada na Ucrânia”, seguindo-se o subtítulo “O presidente eleito, Donald Trump, conversou com o presidente russo, Vladimir Putin, na quinta-feira e discutiu a guerra na Ucrânia, segundo pessoas familiarizadas com a ligação”.
A informação teria sido colhida junto a pessoas protegidas pelo anonimato, que assistiram à conversa telefônica de Trump com Putin ou que dela foram confidencialmente informadas. O texto original diz o seguinte: “Durante a ligação, que Trump fez de seu resort na Flórida, ele aconselhou o presidente russo a não intensificar a guerra na Ucrânia e lembrou-lhe da presença militar considerável de Washington na Europa. Os dois homens discutiram o objetivo da paz no continente europeu e Trump manifestou interesse em conversas de acompanhamento para discutir “a resolução da guerra da Ucrânia em breve”.
A reportagem foi produzida por três de seus melhores jornalistas: Ellen Nakashima, responsável pelo setor de inteligência e segurança nacional, integrante da equipe ganhadora de três Pulitzer Prize em 2022, 2018 e 2014; John Hudson, do setor de segurança nacional e diplomacia, cobriu a guerra na Ucrânia em 2022 e 2023; e Josh Dawsey, repórter investigativo e de política, que já cobriu a Casa Branca.
Por ter sido o primeiro contato de Trump com Putin e por ter sido abordada a questão da Ucrânia, a reportagem do Washington Post viralizou e praticamente todos os jornais do mundo ocidental lhe deram imediato destaque.
Entretanto, algumas horas depois, já na segunda-feira, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, desmentiu categoricamente ter havido uma conversa telefônica de Putin com Trump. Também viralizou esse desmentido da notícia por Dmitri Peskov, distribuído pela agência independente russa Interfax e reproduzido pela imprensa mundial: “Este é o exemplo mais óbvio da qualidade da informação que se publica hoje, por vezes até em publicações totalmente respeitáveis. Isso é completamente falso. É pura ficção, é simplesmente informação falsa”.
Em outras palavras, o conhecido e importante jornal The Washington Post, editado na capital norte-americana, foi chamado indiretamente de mentiroso ou de fabulador de notícias pelo porta-voz do Kremlin. Desmentidos entre países ocorrem com certa frequência, numa espécie de guerra de notícias, o inédito é o governo de uma superpotência negar um contato com o presidente de outra superpotência, como se fosse uma falsa notícia inventada por um jornal.
Afinal, houve ou não houve essa conversa telefônica entre Trump e Putin? Se houve, por que Putin mandou seu porta-voz negar ter ocorrido?
Abbas Gallyamov, politólogo de origem tártara, que já foi próximo de Putin a ponto de redigir seus discursos, entrevistado pela AFP em Israel, onde vive atualmente, acha que a negação de Putin quanto à conversa com Trump está ligada à menção de tropas americanas na Europa. Para Abbas Gallyamov, a maneira como a conversa telefônica foi noticiada deixou a impressão de haver uma pressão de Trump sobre Putin, inaceitável pelo russo.
Isso não significaria uma parcialidade do Washington Post em favor de Trump? Mesmo porque o jornal assumiu uma posição de neutralidade quanto às eleições, por pressão de seu proprietário Jeff Bezos, criador da Amazon, negando-se a se pronunciar em favor de Kamala Harris. Essa “neutralidade” do jornal provocou uma crise na redação e a perda de 10% de seus assinantes, 250.000, tão logo foi anunciada.
Apesar de Donald Trump não ter fama de um paladino da verdade, muito ao contrário, a negativa do Kremlin não significa necessariamente ser mentira a conversa telefônica de Trump com Putin. Tanto um quanto o outro têm nariz de Pinóquio e a verdade, para eles, vale só no momento em que convém.
Algumas verdades como referência:
https://www.washingtonpost.com/world/2024/11/11/russia-putin-trump-call-peskov-deny/
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.