Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Janja xingou e levou um sabão da mídia

(Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Milhões de pessoas pensavam e gostariam de dizer, mas quando Janja, a esposa do presidente Lula, pronunciou com todas as letras, praticamente toda imprensa brasileira lhe quis passar sabão na boca. Nem todos os brasileiros entenderam, por ter sido dito em inglês, mas nem por isso passou despercebido, a mídia se encarregou de traduzir e considerou ter sido uma ofensa a Elon Musk, o bilionário dono da plataforma X, já nomeado para um cargo importante no governo de Trump.

Teria dito na hora errada, foi uma gafe, ofensa ou falta de educação? Esposa exemplar e obediente não faz isso porque compromete o marido, ainda mais sendo o presidente da República! Mesmo o Uol, geralmente com maior abertura, passou o domingo discutindo os diversos ângulos da indevida ofensa ao dono do ex-Twitter, como se minimizasse os meses de conflito de Elon Musk com a justiça brasileira, as ameaças de Musk ao STF, ao ministro Alexandre de Moraes e a Lula, chamando o Brasil de ditadura onde não existe liberdade de expressão.

Teria sido falta de assunto da mídia, no domingo à espera do G20, que começaria na segunda-feira ou uma espécie do antigo complexo de terceiro mundo e de país subdesenvolvido, enraizado no comportamento de tantos incapazes de se rebelar contra seus feitores? Alguém mais radical diria – complexo de vira-lata. Educação seria sinônimo de sujeição e de respeito, conceitos ensinados desde a colonização? Sempre trate bem seu patrão, dizia a dona de casa ao esposo e ao filho no momento de saírem para o trabalho.

Janja teria sido grosseira por ter usado num encontro pré-G20, uma expressão chula digna de carroceiro, empregada por contendores em brigas de botecos? Qual a opinião de Javier Milei, conhecido por ter boca suja, e do próprio Donald Trump, cujas palavras pesadas saem da boca com descaso e perdigotos? E qual a opinião do ex-presidente Bolsonaro, cujas falhas de educação e formação lhe deram um vocabulário pobre entrecortado de palavras de baixo calão?

Pergunto ao amigo mecânico, que passa em casa para tomar um café, se Janja teria sido grosseira com o gringo Elon Musk. Ele sabia do caso pela Globonews. Sua resposta é imediata e mais extrema: “eu teria mandado esse cara tomar naquele lugar”.

Ou pegou mal por ter sido pronunciado por uma mulher? Se fosse a Carla Zambelli teria o mesmo efeito? O ministro Paulo Teixeira achou exagerada a reação da mídia com tantas críticas com a frase “o Brasil é cruel com as mulheres”. Mas, dirá alguém, é normal ele defender a Janja, ele é do PT.

Paulo Teixeira foi bem além: “Janja falou o que estava preso nas nossas gargantas! Esse é o sentimento sobre Elon Musk e sua interferência negativa na política internacional”. Praticamente repetiu e repercutiu a chamada “ofensa” como ministro, sem provocar tanta celeuma. Mas o barulho provocado pela mídia foi tão grande que obrigou a Lula passar um pito na esposa.

O ministro Paulo Teixeira lembrou ter trabalhado com Luiza Erundina, Marta Suplicy e Dilma Roussef, todas vítimas, segundo o ministro, de um tratamento misógino por parte da mídia.

Janja precisa ter cuidado porque a mídia anti-Lula está sempre atenta para colocar lente de aumento em qualquer tropeço. Augusto Nunes, da revista Oeste, ex-Jovem Pan bolsonarista de extrema direita, não perdoa nem erro de português. Ainda recentemente, a correspondente em Nova Iorque criticava a pronúncia inglesa de Janja, mas, quando se tratou do Elon Musk, os redatores da revista e todos entenderam e tomaram logo as dores do bilionário ofendido.

Isso não significa ser a primeira-dama uma pessoa sem falhas. O programa Narrativas em YouTube, do site de direita Antagonista, não perdoou a viagem de Janja ao Qatar, em setembro. Convidada pela sheika Moza bin Nasser, a própria primeira-dama comentou a viagem em um vídeo.

A criadora e apresentadora do vídeo do Narrativas, Madeleine Lacsko, que não tem papas na língua, criticou duramente Janja por ignorar a poligamia e a falta de autonomia das mulheres no Qatar e nos países islâmicos, sob o manto de defesa dos palestinos. Mesmo porque a sheika anfitriã é a terceira esposa (ou a terceira mulher?) do Sheik Hamad bin Khalifa. Janja se encantou com a viagem e não parece conhecer a situação das mulheres nos países islâmicos. Ou Janja não é feminista e aprova a poligamia?

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.