Até este domingo, 18, a mais citada comparação com a decisão de dar status de refugiado ao italiano Cesare Battisti foi o asilo concedido em 1989 ao paraguaio Alfredo Stroessner, chefe de uma feroz ditadura de 34 anos em que a tortura e o assassínio de presos políticos era rotina.
Hoje, porém, a boa memória do colunista Carlos Heitor Cony traz à ordem do dia, na Folha, uma história muitas vezes pior e que teve, à época, impacto internacional compatível com a notoriedade do hediondo personagem envolvido – o “carrasco de Sobibor” – e com chocante complacência brasileira no episódio.
O artigo:
“Mais uma vez, a extradição de um criminoso é negada pelo governo brasileiro, que se mostrou dividido no episódio, com o Itamaraty aprovando a medida e o ministro da Justiça, secundado pelo próprio presidente da República, negando o apelo do governo italiano.
A mídia destacou os inúmeros casos de extradição negados, como o do ladrão inglês Biggs, o da cantora Gloria Trevi, o do ditador paraguaio Stroessner e muitos outros. Parece que até agora ninguém se lembrou do episódio de maior repercussão internacional, quando três países, Alemanha, Áustria e Israel, pediram a extradição do carrasco de Sobibor, o terrível campo de extermínio na Polônia.
Gustav Franz Wagner morava há tempos em Atibaia, envolveu-se num caso banal, foi detido e negava as acusações. Até que o então delegado Romeu Tuma encontrou alguém que desmascarou o criminoso. Tuma colocou o ex-policial nazista de costas para o escritor Szmajzner, autor de ‘Inferno em Sobibor’, que pronunciou um simples nome: ‘Gus’.
Era o nome pelo qual o guarda do campo era conhecido. Apanhado de surpresa, Wagner olhou para trás e não mais negou ter sido carcereiro em Sobibor – há até um filme americano narrando essa história. Apesar dos pedidos e da grita internacional, o Brasil negou a extradição e Wagner morreu anos depois, em liberdade.
Tratava-se de um criminoso de guerra, citado em centenas de documentos do regime nazista. O crime dele não estava prescrito, mesmo assim o Brasil não atendeu ao pedido dos três país interessados na punição do ‘açougueiro de Sobibor’.
Encarregado de receber os judeus que vinham de diversas partes da Europa, Wagner arrancava crianças do colo das mães e espatifava a cabeça delas num poste.”
Naturalmente, os críticos da recusa do governo de extraditar o radical italiano condenado à perpétua por quatro homicídios podem invocar, com toda a legitimidade, o princípio de que “um erro não justifica outro” – ou, no caso, “outro e outro”.
Já os defensores da decisão – por sinal, uma minoria no noticiário – podem lembrar, com a mesma legitimidade, que existe em direito uma coisa chamada “precedente” e outra coisa chamada “jurisprudência”.
Influente para quem?
Em mais uma matéria sobre a adesão maciça dos isralenses (90%) aos ataques a Gaza, o enviado especial da Folha, Marcelo Ninio, cita entre as raras exeções à regra o colunista Gideon Levy, do Haaretz – criticado até pelos seus antigos companheiros pacifistas por suas posições destoantes.
A matéria contém uma involuntária ironia, ao se referir a Levy como ‘influente’. Para quem, cara-pálida?, é o caso de perguntar. A menos que se imagine que, sem vozes excepcionais como a dele, o apoio à brutal operação de Israel chegaria a 100%…