O blogueiro Josias de Souza, da Folha de S.Paulo em Brasília, revela em primeira mão que o governo vai desengavetar um projeto patrocinado pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, mudando a legislação sobre escuta telefônica.
A grande novidade do projeto é a pena de prisão para jornalistas que divulgarem o conteúdo de grampos telefônicos, sejam eles ilegais ou autorizados pela Justiça.
O jornalista que o fizer, por qualquer meio de comunicação pública, poderá ser condenado a uma pena maior em 1/3 do que a prevista para o transgressor não-jornalista.
A Folha de hoje dá quase uma página inteira para o furo de Josias, com os devidos pertences – uma seleta de opiniões a respeito, o histórico do projeto, o que teria acontecido se os seus dispositivos vigorassem em 1999, quando um grampo ilegal, revelado pela própria Folha, flagrou o presidente Fernando Henrique autorizano o uso do seu nome nas negociações para a privatização da Telebrás.
Além disso, em textos assinados por dois colunistas e no editorial “Censura, de novo’, o jornal desanca a iniciativa, a que se refere como “criminalização da atividade jornalística” que periga ser um atalho para “se instaurar a censura prévia”.
O editorial invoca a liberdade de imprensa e o interesse público para a divulgação que se pretende punir – e que o jornalista Alberto Dines batizou de “jornalismo fiteiro”. Mas passa ao largo de uma questão levantada por dois profissionais do direito ouvidos na matéria “Intenção é criticada por analistas”.
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Rodrigo Collaço lembra que a Constituição garante o direito inviolável à intimidade. Disse: “Grampos são parte da elaboração de provas em um processo; não são objeto de divulgação.”
Por sua vez, o jurista Celso Antonio Bandeira de Melo, especialista em direito constitucional, considera “irreparáveis” os prejuízos que a imprensa pode causar ao divulgar uma escuta telefônica de um processo em andamento”.
O jornal cita ainda a opinião de Fábio Kujawski, apresentado apenas como outro especialista. Segundo ele, a punição deve ser ponderada caso a caso: se se concluir que, ao divulgar um grupo, o jornalista agiu em nome do que entendeu ser o interesse público, ele não deveria ser punido.
Esse, de fato, é o terreno em que cabe situar o dilema: o direito à privacidade versus o direito à informação, uma coisa e outra cláusulas constitucionais.
É melhor ponderar a questão por esse ângulo do que simplesmente sair acusando o governo de querer amordaçar a imprensa. Foi o que escrevi quando o PT, então na oposição, e setores da mídia caíram de pau no governo Fernando Henrique por causa do que se apelidou “lei da mordaça”.
Recorri na época a um pequeno exemplo de até onde vai em outros paísesa defesa da intimidade das pessoas. Certa vez, as agências noticiosas deram que duas brasileiras haviam sido presas na Irlanda acusadas de tráfico de drogas. Mas os seus nomes só poderiam ser divulgados se e quando elas fossem a julgamento.
No fundo, é a sociedade que deve decidir em que circunstâncias o interesse coletivo pode prevalecer sobre um dos direitos fundamentais da pessoa nas sociedades democráticas e quando estes é que se devem sobrepôr àquele.
Por fim, uma pergunta desarmada a partir dos dados da realidade: sendo a corrupção o que é no Brasil, sendo o que são os interesses conflitantes em cada episódio do gênero – e que dão origem ao jornalismo fiteiro – e sendo o que é a tentação do sensacionalismo na mídia, será mesmo de todo inadmissível um processo penal contra jornalistas que invocam a liberdade de imprensa para divulgar o que possa causar dano irreparável à reputação de terceiros, afinal inocentes?
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