Friday, 20 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Boletins médicos nas eleições presidenciais de Brasil e EUA

(Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

O presidente Lula recebeu alta no início desta semana, após ter sido submetido a dois procedimentos cirúrgicos para drenagem de um hematoma, em decorrência de uma queda que sofreu no banheiro de casa em outubro. Ele ficou praticamente uma semana internado, após ter sido levado às pressas para o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, por conta de fortes dores de cabeça, no último dia 9. Os episódios envolvendo o estado de saúde do presidente alçaram ao debate público a capacidade de Lula de concorrer à reeleição, em 2026. Com 79 anos completados em outubro, o chefe do Executivo terá 81 quando cumprir o mandato.

Lula sempre faz questão de afirmar que é saudável, gosta de praticar atividade física e não ingere mais bebida alcoólica. Neste ano, quando foi comparado ao presidente dos EUA, Joe Biden, disse que tem “energia de 30 e tesão de 20. Perguntem para a Janja”, afirmou em referência à primeira-dama. Caso Lula tenha pretensão de disputar mais uma eleição presidencial – e, ao que tudo indica, parece ter –, o pleito norte-americano deste ano é um ótimo exemplo do que não deve ser feito para evitar especulações sobre suas condições física e mental de comandar o país por mais um mandato.

Com 82 anos completados recentemente, Biden começou a ser questionado por alguns comportamentos em compromissos oficiais neste ano. As críticas sobre suas capacidades cognitiva e física, por conta da idade, atingiram o ápice após o democrata ir mal em um debate contra Donald Trump, em junho. Pressionado pelo próprio partido e por parte do eleitorado democrata, Biden anunciou que não iria concorrer à reeleição no fim de julho, a menos de quatro meses do pleito, mesmo tendo vencido as primárias do partido, sem dificuldades, e sem apresentar nenhum problema grave de saúde. Exames médicos realizados em fevereiro de 2024 atestaram que o presidente estava em plenas condições para exercer as funções do cargo, “sem a necessidade de ajustes ou adaptações”.

Biden é, atualmente, o presidente dos EUA que assumiu o cargo com mais idade, 78 anos, e também será o mais velho a entregar o cargo. Ele, contudo, será ultrapassado justamente por Trump, que, ao derrotar a vice-presidente Kamala Harris, que substituiu Biden como candidata democrata, ao assumir, no dia 20 de janeiro, terá 78 anos e 7 meses. Em 2029, ao fim do mandato, Trump terá 83 anos.

As críticas que atingiram Biden respigaram no presidente Lula. No início de julho, o título de uma reportagem do portal Poder 360 dizia: “Idade de Lula pode repetir cenário de Biden no Brasil, dizem especialistas”. A reportagem ouviu cientistas políticos que disseram que as condições física e mental do presidente brasileiro deveriam ser analisadas antes de lançar candidatura à reeleição em 2026. Dois dias depois, artigo publicado na Folha de S. Paulo também tratou do tema, que estava submerso na pauta política até Lula sofrer um acidente doméstico em Brasília, no dia 19 de outubro. Ele caiu no banheiro do Palácio da Alvorada e precisou levar cinco pontos na cabeça.

Reportagem do Correio Braziliense, do dia 22 de outubro, foi um presságio do que viria a acontecer com o presidente quase dois meses depois. O jornal ouviu especialistas que disseram que “acidentes envolvendo quedas e pancadas na cabeça não são incomuns entre os idosos, e, em muitos casos, as consequências podem ser bem mais graves do que aparentam”. Ao Correio Braziliense, neurologistas explicaram que, quanto mais a idade avança, mais o cérebro fica vulnerável a sequelas, “aumentando as chances de complicações graves, mesmo que os sinais iniciais sejam discretos”. 

O estado de saúde de Lula e sua capacidade de governar o país por mais um mandato estiveram no centro da pauta política durante sua estadia hospitalar. Em editorial publicado no dia 12, O Estado de S. Paulo afirmou que o Brasil precisará lidar, aberta e responsavelmente, com a questão. “É momento de reconhecer que, pelo menos nos próximos dois anos, a saúde de Lula será um tema nacional.” Já a jornalista Eliane Cantanhêde cravou que Lula “não tem energia e vitalidade suficientes para disputar um quarto mandato em 2026”, em artigo publicado no mesmo jornal, no dia seguinte. Nesse mesmo sentido, a jornalista Dora Kramer disse em artigo publicado na Folha de S. Paulo, no dia 14, que a anteriormente remota hipótese de Lula não concorrer à reeleição agora é uma possibilidade objetiva.

A imprensa também fez críticas à estratégica de comunicação adotada pelo Palácio do Planalto. O Estado de S. Paulo apontou que Biden pode servir de inspiração para o que não se deve fazer nesse caso. “Durante meses, a Casa Branca tentou, ao máximo, varrer para debaixo do tapete o tema da idade de Biden”, disse o jornal. Em editorial do dia 13, o Estadão alertou que a falta de transparência tem sido recorrente em episódios envolvendo a saúde de Lula. 

“Quando ele caiu, a informação só se tornou pública um dia depois, em reportagens jornalísticas, sem informes oficiais. No dia da internação, houve omissão deliberada de informação. Integrantes da Secretaria de Comunicação Social da Presidência e do Hospital Sírio-Libanês negaram que o presidente tivesse sido hospitalizado. A declaração só viria na madrugada, quando já estava internado em São Paulo”, lembrou o texto. Também no Estadão, o jornalista J.R. Guzzo afirmou que a comunicação em torno do tratamento médico foi uma catástrofe. A discrição adotada pelo Palácio do Planalto e pelo próprio hospital, contudo, não contou com a anuência do presidente, que pediu “transparência total” sobre o caso. Após receber alta, Lula apareceu de surpresa para falar com jornalistas, no Hospital Sírio-Libanês.

Os resguardos sobre as informações do estado de saúde de Lula, entretanto, encontram razão no ódio presente na polarização política. Durante sua internação, ele foi alvo de insultos. A jornalista Maria Cristina Fernandes afirmou, em artigo publicado no Valor Econômico, no dia 12, que uma senhora que aparentava mais de 80 anos disse que desejava a morte de Lula, em frente ao hospital. Ainda de acordo com Fernandes, motoristas que passavam pelo local também fizeram votos pela piora do presidente. 

Embora a condição do atual chefe do Executivo requeira cuidados – ele recebeu alta hospitalar, mas não alta médica, segundo o médico Roberto Kalil –, esse está longe de ser o problema mais grave de saúde já enfrentado por Lula. Em 2011, um ano após ter concluído o seu segundo mandato à frente da presidência, Lula foi diagnosticado com um câncer na laringe. Fez cirurgia, quimioterapia e se curou. Agora, no exercício do mandato, enfrenta outro delicado problema de saúde. Dizer como Lula estará em 2026 é mera especulação, nesse momento. O fato é que, mesmo que chegue em plenas condições física e mental, a questão de sua saúde estará presente no debate público, assim como aconteceu com Biden. Se o desfecho será o mesmo, ou não, o tempo dirá.

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João Pedro Fragoso Schleder é Pós-graduado em Ciência Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e jornalista com 15 anos de experiência.