Friday, 20 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Facebook não é uma rede social e isto afeta o jornalismo

(Foto: Gerd Altmann/Pixabay)

Facebook, X, TikTok, Instagram e YouTube não funcionam como redes sociais. Estas empresas e outras do gênero são plataformas digitais que usam dados, fatos, eventos e ideias obtidos gratuitamente de seus usuários e que, depois de processados, são vendidos por quantias milionárias a anunciantes na internet. Neste ponto, seguem o mesmo modelo de negócios da imprensa tradicional que usa a notícia para atrair a atenção do público e orientá-la para anúncios pagos. 

A grande maioria dos usuários das plataformas acha que está participando de redes sociais, porque manda e recebe mensagens, combina iniciativas e divulga realizações com outras pessoas. Mas tudo isto é matéria-prima para algoritmos que identificam tendências, preferências e perfis sociais que serão depois vendidos a terceiros ou usados pelas próprias plataformas para incrementar seus negócios e também os seus lucros. Facebook e Instagram (ambas do conglomerado Meta), por exemplo, lucraram 15,69 bilhões de dólares no terceiro trimestre, enquanto seu dono acumulou uma riqueza pessoal estimada em aproximadamente 215 bilhões de dólares pela revista Forbes

As redes sociais surgiram no final do século XX, quando a internet e os computadores ainda estavam num estágio bem primitivo, se comparado com o que são hoje.  As redes foram criadas como estruturas sociais, sem fins lucrativos, autogovernadas e centradas no diálogo livre, horizontal entre seus usuários.  A primeira rede a ter relevância mundial foi a WELL (Whole Earth Eletronic Link – Rede Global de Conexões Eletrônicas), lançada em 1985 pelo ativista digital Howard Rheingold, na Califórnia. Seis anos mais tarde surgiu em Amsterdã, na Holanda, a rede Cidade Digital (De Digital Stad) que foi a pioneira na prestação de serviços aos seus membros, como por exemplo ajudar contribuintes a pagar impostos, orientando no acesso aos serviços públicos ou com informações sobre horários de cinemas, ônibus e trens.

Marc Zuckerberg, criador do Facebook, Larry Page e Sergei Brin, fundadores do Google e Jack Dorsey, idealizador do Twitter, hoje X, só para citar os exemplos mais conhecidos, começaram montando redes sociais, mas depois descobriram como ganhar dinheiro usando o conteúdo de mensagens deixadas por usuários. Ao monetizar dados alheios sem pagamento, estes empreendedores digitais acumularam fortunas, prestígio político e uma enorme visibilidade pública.

O sucesso da monetização foi tão grande que as plataformas praticamente se apossaram da expressão redes sociais, que apesar disto continuaram a existir, assumindo em muitos casos a denominação de comunidades sociais digitais (1), a maioria delas aglutinada em torno de temas específicos como educação, finanças, saúde, direitos humanos e questões de gênero. Mais recentemente surgiram as redes sociais centradas na informação, como é o caso da CHAY, uma rede formada por mulheres que trocam dados sobre como combater a violência doméstica e o feminicídio. No âmbito acadêmico e corporativo, surgiram versões específicas de redes sociais chamadas de comunidades de prática e, aqui no Brasil, temos as redes de programadores, como Guru-SP, Grupy, PHPSP e Rails Girls, todas focadas na troca de informações visando o desenvolvimento de novos aplicativos e softwares. 

A guerra entre imprensa e plataformas

Como boa parte das interações entre usuários tem origem em notícias publicadas por jornais, revistas e telejornais, os donos destes veículos de comunicação começaram a exigir o pagamento de direitos de republicação, numa guerra financeira que ainda está em curso e que já envolve governos nacionais. Facebook, X, Instagram, YouTube, Google e outras plataformas alegam que são estruturas tecnológicas e que não produzem informação, logo não podem ser cobradas.

A guerra financeira entre plataformas e a imprensa é complicada porque envolve diferentes abordagens de questões chaves como o caráter social do noticiário jornalístico, a produção de conhecimento na internet, as novas funções da informação em ambiente digital e o crescente protagonismo do público alimentado pela avalanche informativa nas plataformas digitais. São questões afetadas diretamente pela diferença na maneira de tratar a informação como, por exemplo, o fato de a notícia ter deixado de ser um produto físico em papel, áudio ou vídeo, para se tornar um conjunto de códigos digitais altamente mutáveis e fluidos. 

Criou-se assim um paradoxo curioso. De um lado, uma tecnologia velha e ultrapassada (como a das mídias impressas) preconizando uma nova relação entre produtores e consumidores de notícias. De outro, uma nova tecnologia (plataformas digitais) defensora do velho colonialismo informativo, que se baseia na captura sem remuneração de bens alheios. Temos, assim, uma tecnologia velha propondo algo novo e uma tecnologia nova defendendo algo velho.

A relação da imprensa convencional com as plataformas digitais é igualmente complexa porque apesar de compartilharem a mesma estratégia de negócios, as tecnologias sobre as quais apoiam seus sistemas operacionais levam a resultados financeiros opostos. A notícia publicada em papel não consegue mais atrair publicidade suficiente para ser rentável diante da concorrência desigual com informações online. Com isto, as tentativas da imprensa de controlar as plataformas através de regulamentação governamental dificilmente passarão de meros paliativos.

Porque o jornalismo precisa das redes de informação

Por volta de 2010, a maioria dos grandes jornais achava que sua salvação estava nas plataformas. Muitos, inclusive o The New York Times, disponibilizaram seu conteúdo no Facebook, achando que isto aumentaria a audiência e assinantes. Mas aconteceu justamente o contrário. A plataforma ficou com os leitores do NYT e com os anunciantes, levando o jornal a admitir o fracasso da estratégia. As redes são essenciais ao exercício do jornalismo em ambiente digital não para aumentar o seu faturamento, mas para atender às necessidades informativas de públicos cada vez mais desorientados pela quantidade e diversidade de notícias que recebem diariamente. 

O jornalismo não consegue mais dar conta do processamento, edição e disseminação   de novos dados, fatos e eventos publicados na internet. Nada menos que 402,72 milhões de terabites em dados são agregados à web por dia. Ainda segundo estatísticas internacionais, cada usuário da internet é bombardeado diariamente por 74 gigabytes de novos dados. A recombinação destes dados numa plataforma digital cria uma massa de informações tão grande que supera em muito a capacidade de um jornalista processar apenas o que é mais relevante e atual.

Portanto, o exercício do jornalismo profissional torna inevitável a colaboração e participação de pessoas comuns aglutinadas em redes ou comunidades, cujo objetivo é produzir informações, e não lucros, como nas plataformas digitais. Só que a parceria entre jornalistas e usuários de redes sociais vai exigir uma série de mudanças na cultura profissional:

  1. O jornalismo deixará de ser a atividade que sabe o que é bom para o público;
  2. O jornalista terá que desenvolver um novo tipo de relacionamento com as pessoas para poder identificar suas verdadeiras necessidades informativas e poder funcionar como um curador de notícias, na hora de flagrar fake news ou desinformação; 
  3. A sustentabilidade do jornalismo dependerá da parceria, inclusive financeira, com o público e não dos anúncios;
  4.  Será indispensável existir uma confiança total entre as pessoas e o jornalismo, porque sem ela ninguém vai querer tirar dinheiro do próprio bolso para pagar por notícias;
  5. Caberá ao jornalismo mostrar às pessoas comuns porque a informação se tornou tão importante na era digital e como elas poderão usá-la em benefício próprio.

A busca de um novo tipo de relacionamento entre jornalismo e as pessoas ganha uma relevância ainda maior porque donos de plataformas digitais como Elon Musk já não se contentam apenas em acabar com a influência da imprensa convencional, outrora conhecida como o ‘quarto poder’. Ao se associar a Donald Trump, próximo presidente dos Estados Unidos, Musk já deixou claro que seu objetivo é transformar as plataformas em um poder político alternativo, numa outra internet, só que privatizada.

  1. Detalhes no texto em inglês: https://www.plusscommunities.com/blog/what-makes-a-community 

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.