Friday, 10 de January de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 25 - nº 1320

Politização das plataformas digitais aumenta a responsabilidade do jornalismo com a informação

(Imagem de Biljana Jovanovic/Pixabay)

O ano de 2025 começou com uma notícia nada alvissareira para o futuro do jornalismo no mundo inteiro. A maior plataforma digital da internet, a Meta, dona de empresas como Facebook, Instagram e WhatsApp, eliminou os controles sobre fake news no fluxo de mensagens entre seus usuários, o que aumenta a responsabilidade da imprensa e do jornalismo no combate à desinformação.

A decisão anunciada por Mark Zuckerberg, no dia 7 de janeiro, marca a adesão da Meta ao discurso político do ultraconservador Donald Trump, que assume o governo dos Estados Unidos no dia 20 de janeiro. Assim, o novo presidente norte-americano passa a contar com o apoio de duas mega plataformas digitais (a outra é a X) que, juntas, têm uma audiência global de 6,12 bilhões de pessoas (1). Mark, assim como Elon Musk, dono da X, doaram respectivamente 100 e 200 milhões de dólares para a campanha eleitoral de Trump.

Além de eliminar a checagem de fake news em geral, Zuckerberg anunciou que as notícias sobre imigração e questões de gênero não serão mais controladas, o que favorece a disseminação da retórica xenófoba de Donald Trump e seus seguidores. A Meta também aumentou a presença de ultraconservadores na sua estrutura administrativa.

O liberal Nick Clegg deu lugar ao trumpista Joel Kaplan como responsável pela estratégia global da empresa. Outra mudança significativa foi a saída da respeitada especialista em questões operacionais na internet, Sheryl Sandberg, do Conselho Diretor da Meta. Em seu lugar, Zuckerberg indicou Dana White, um milionário defensor do movimento direitista MAGA e dono do UFC , uma empresa especializada na promoção de eventos de luta livre.

Antes da Meta e da X, também outras gigantes do mundo digital como Amazon, Open AI e Uber declararam seu apoio a Trump, contribuindo inclusive financeiramente para a festa da posse. Tudo indica que a internet caminha para se transformar num espaço aberto à desinformação, o que aumenta a responsabilidade da imprensa e do jornalismo como provedores de dados e fatos capazes de ajudar as pessoas a separarem o que é confiável ou não nas plataformas digitais.

A Janela de Overton

Os donos da Meta e da X alegam que a confiabilidade das informações disseminadas nas plataformas será responsabilidade dos próprios usuários, o que para especialistas como Chris Stokel-Walker (2), tende a criar uma espécie de tribunal das multidões, já que Zuckerberg e Musk querem que os milhares de usuários das plataformas sejam os encarregados de decidir o que merece crédito ou não em matéria de informação pública.

Mark Zuckerberg justificou a sua nova estratégia política como uma defesa da liberdade de expressão, num momento em que analistas políticos afirmam que a chamada Janela de Overton (3) move-se cada vez mais para a direita. A alegação é a mesma usada no passado por Trump para acusar a Meta de tendências esquerdistas ao fiscalizar a disseminação de fake news nas suas plataformas digitais. Em 2018, Trump chegou a ser banido do Facebook por apoiar a desinformação na internet. Mas a volta do ex-presidente à Casa Branca e a ascensão da direita e extrema direita em todo mundo levou os bilionários donos de plataformas digitais e embarcarem de corpo e alma na aventura trumpista.

O tema liberdade de expressão é extremamente sensível no campo da comunicação porque se trata de um conceito cuja compreensão e valoração depende essencialmente do contexto em que é usado. No exercício do jornalismo, a liberdade de expressão só faz sentido quando situada na realidade dos fatos, ou seja, quando ela é invocada para justificar atitudes e afirmações baseadas no respeito aos direitos individuais e sociais.

Como o jornalismo tem um compromisso profissional e social com a realidade dos fatos, ele terá a complicada missão de balizar quais as notícias e informações disseminadas nas redes sociais que estão situadas dentro deste escopo. É uma função complicada porque a determinação da confiabilidade de uma notícia não é uma questão que envolve abordagens tipo verdadeira ou falsa. Mas passa a ser mais importante do que nunca, porque as plataformas decidiram que a necessidade pública de informações confiáveis é menos importante do que os interesses partidários e empresariais.

Os migrantes digitais

A relação da imprensa com as plataformas digitais, já conturbada por interesses financeiros e comerciais conflitantes, entra agora numa fase de escolhas político-ideológicas. Caso os grandes veículos da imprensa decidam priorizar as questões políticas pensando em vantagens econômicas imediatas, alinhando-se com a agenda conservadora ou de extrema direita, eles terão que disputar com as grandes plataformas as simpatias de governantes estilo Trump. Pode ser um tiro no pé, porque as plataformas estão numa posição muito mais vantajosa tanto na política como nas finanças e no acesso ao público. Seu faturamento cresce aos saltos, a publicidade migra em massa para a internet e a inteligência artificial é cada vez mais usada para manipular audiências.

Até agora a queda de braço entre imprensa e plataformas acontecia no terreno do chamado colonialismo de dados (4), ou seja, na prática antissocial de extrair gratuitamente dados de usuários para comercializá-los com lucros milionários.  A reivindicação da imprensa de que haja um compartilhamento destes lucros com usuários e produtores de conteúdo sempre contou com as simpatias da opinião pública, especialmente no apoio às tentativas de regulamentação das atividades das plataformas.

Não é uma escolha fácil, mas há possibilidades de mudança deste quadro. A audiência de plataformas como a X está caindo por causa da politização no fluxo de mensagens. Boa parte dos desiludidos com Facebook, Instagram, X e Whatsapp está migrando para a plataforma chinesa TikTok e para redes sociais alternativas (5), como a francesa BeReal, as americanas Mastodon, Medium, Semafor, Bluesky e Mewe, bem como as brasileiras Filmow, Skoob, Fatoflix e Beliive. Estas redes, formadas por migrantes digitais, estão focadas no atendimento de interesses e necessidades de segmentos específicos da internet cuja principal preocupação é a confiabilidade das informações e a rejeição do discurso do ódio.

  1. Dados da empresa Statista com base no ano de 2023 para os sites da Meta e em 2024 para a X. Facebook teria 2,11 bilhões de usuários, Instagram pouco menos de 2 bilhões, quase o mesmo total do Whatsapp enquanto X teria pouco mais de 100 milhões de membros.
  2. Chris Stokel-Walker é o autor do livro TikTok Boom: The Inside Story of the World’s Favourite App (O Boom da Tiktok: Por dentro da história do aplicativo mais popular do mundo – sem tradução em português).
  3. Janela de Overton (The Overton Window) é uma expressão criada em 2010 por cientistas políticos para definir o conjunto de temas mais mencionados na grande imprensa num determinado espaço de tempo. Mais detalhes em https://pt.wikipedia.org/wiki/Janela_de_Overton
  4. Colonialismo de dados é uma expressão criada pelo sociólogo inglês Nick Couldry, professor da London School of Economics para definir a apropriação de dados por grandes empresas de tecnologia, que processam o material deixado gratuitamente por usuários de plataformas digitais usando inteligência artificial. Posteriormente, o conteúdo processado é revendido para empresas de publicidade, governos, indústrias e agrobusiness a preços milionários. A palavra colonialismo remete a práticas similares desenvolvidas pelos colonizadores europeus do século XIV ao XVIII.
  5. Redes sociais alternativas são iniciativas que aglutinam segmentos do público em torno de necessidades, desejos e problemas específicos.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.