Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

TV britânica testa junção de jornalismo e humor


Leia abaixo a seleção de segunda-feira para a seção Entre Aspas.


 


************


Folha de S. Paulo


Segunda-feira, 24 de janeiro de 2011


TELEVISÃO


Vaguinaldo Marinheiro


TV inglesa testa unir jornalismo e humor


É difícil imaginar um ministro discutindo aumento de universidades, banqueiros falando de bônus de executivos ou um climatologista apontando saídas para o aquecimento global num programa de humor, certo?


Também não é fácil pensar no papa sendo chamado de nazista, em Sarah Palin, de cavaleiro do Apocalipse ou no ditador líbio Muammar Gadafi, de John Travolta com a máscara de Mickey Rourke num telejornal.


Pois a TV britânica tenta mais uma vez quebrar as fronteiras entre humor e jornalismo num programa semanal que estreou na última quinta-feira no Channel 4.


‘10 O’clock Live’ pretende resumir em uma hora as notícias da semana com uso de muita ironia, sarcasmo e dezenas de palavras de baixo calão. Antes de o programa começar, o locutor da rede avisa que ele terá ‘linguagem muito forte’.


Não é nada parecido com ‘Pânico na TV!’ (RedeTV!) ou ‘CQC’ (Band). Não há personagens, não há ‘repórteres’ correndo atrás de entrevistados e não há perguntas sem sentido.


Tudo acontece num estúdio, ao vivo, como se fosse um telejornal, e os convidados vão lá falar de assuntos sérios da atualidade.


Mas há plateia e os quatro apresentadores/comediantes têm a missão de provocar risadas com tudo isso. Por exemplo, quando o climatologista dinamarquês Bjorn Lomborg explica que a erupção de vulcões esfria o planeta, um dos apresentadores pergunta: ‘Você está sugerindo que a gente construa vulcões para combater o aquecimento global?’


Os apresentadores são Lauren Laverne (que já teve programas na rádio e na TV), Charlie Brooker (colunista do ‘Guardian’), David Mitchell (também colunista do jornal e ator da série cult ‘Peep Show’) e Jimmy Carr (clássico comediante stand-up).


INÍCIO NA ELEIÇÃO


A ideia do programa nasceu de um especial que o quarteto fez no dia das eleições, em maio de 2010, no mesmo Channel 4.


Eles ficaram quatro horas ao vivo com entrevistas, comentários e, claro, piadas.


Foi um sucesso e a intenção é repeti-lo agora em pelo menos 15 semanas, tempo de contrato da produção.


Muita coisa ainda precisa melhorar. No primeiro dia, houve uma certa correria, com entrevistas sendo cortadas abruptamente para que tudo o que havia sido planejado fosse ao ar.


Também houve repetições, com Jimmy Carr e Charlie Brooker falando, em momentos distintos, sobre as manifestações na Tunísia.


Será necessário ainda conseguir entrevistados mais relevantes. Eles prometem, por exemplo, levar o primeiro-ministro, David Cameron.


Se der certo, será uma alternativa para se informar e rir ao mesmo tempo.


 


 


Keila Jimenez


Temendo furtos, TV Cultura revista seus funcionários


Implantadas na gestão anterior, rígidas normas de segurança e vistoria seguem incomodando funcionários e visitantes na TV Cultura.


Quem entra e quem sai da emissora pública tem de seguir um ritual de revista diária que envolve abertura de bolsas e mochilas e a vistoria no interior de veículos.


A prática começou quando Paulo Markun presidia a Fundação Padre Anchieta (mantenedora da Cultura) e reforçada com chegada de Paulo Sayad ao cargo (2010).


Segundo funcionários da emissora, o procedimento teve início há pouco mais de um ano, após alguns furtos serem registrados na Cultura. Teriam sido subtraídos celulares, fios de cobre e, mais recentemente, equipamentos de câmeras HD.


Eles contaram à Folha que, para evitar novos prejuízos, a direção do canal implantou o sistema de revista, que envolve também o registro de equipamentos eletrônicos, gravadores e CDs, mesmo que de uso pessoal.


Um funcionário que levar seu laptop à emissora deve ter o aparelho registrado na entrada e apresentar o documento de registro na saída.


Procurada, a Cultura, via assessoria, confirma a existência das normas de segurança, diz que valem para todos e são por precaução. A emissora desmente que tenha sido alvo de furtos.


A PERGUNTA É…


É justo o assinante de um canal pago como o Boomerang ter oito minutos de intervalo, diretor, na faixa nobre?


Passado Diz a lenda na Globo que o título ‘Lara com Z’ é uma homenagem velada de Aguinaldo Silva a Susana Vieira, protagonista da nova minissérie. No início dos anos 1980, Susana se afastou da TV brasileira após se desentender com um poderoso diretor na época e começou a fazer novelas, programas e teatro no Peru e na Venezuela, onde era conhecida como ‘Suzana’ Vieira, com ‘z’.


Passado 2 Aguinaldo Silva desmente. Diz que ‘Lara com Z’ é uma alusão a ‘Liza com Z’, especial de TV premiado de Liza Minelli.


0 NÚMERO É…


Dez dias após o lançamento, o aplicativo da operadora Sky para o iPhone e o iPad já teve 30 mil downloads.


Força Kaká Marques, diretor do ‘Ritmo Brasil’, passa a dar suporte à Mônica Pimentel no artístico da Rede TV!.


Radical Tiago Brant, ex-Sportv, é o novo apresentador do ‘Planeta EXPN’, da ESPN.


Sombra A luz estilo interrogatório policial do ‘Hoje em Dia’ (Record) tem explicação: a atração está em um estúdio provisório enquanto o novo cenário não fica pronto.


Ponta A banda NX Zero participará da série ‘Julie & Os Fantasmas’ (Mixer), que estreia no 2º semestre, na Band.


com SAMIA MAZZUCCO


 


 


Juliana Vaz


Homem que desafiou Robert Mugabe é tema de documentário


O ano é 2008. Correm as eleições presidenciais no Zimbábue. Mike Campbell, um homem de 75 anos, leva o líder do país e candidato favorito às eleições, Robert Mugabe, à corte internacional.


Campbell o acusa de discriminação racial e violação dos direitos humanos.


É esse o ponto de partida dos diretores britânicos Lucy Bailey e Andrew Thompson no documentário ‘Mugabe e o Africano Branco’.


De um lado, Campbell, que luta para manter sua propriedade, ameaçada desde 2000, quando Mugabe realizou uma reforma agrária que despejou milhares de donos de terra brancos. Ele e sua família resistem porque acreditam que foram postos ali por vontade divina.


De outro, um ditador que está no poder há quase três décadas, e que quer o país somente para os africanos negros, ‘o Zimbábue para os zimbabuanos’.


O filme adota o ponto de vista das vítimas e, sem grandes contextualizações históricas, deixa sobressair um drama familiar, com imagens fortes de violência contra os membros da família.


NA TV


Mugabe e o Africano Branco


Estreia na TV paga


QUANDO Hoje, às 21h, HBO


CLASSIFICAÇÃO não informada


 


 


TODA MÍDIA


Nelson de Sá


Contra EUA (e China)


‘Exclusivo’ na Reuters: como parte da ‘guerra cambial’, o Brasil vai questionar na Organização Mundial do Comércio as barreiras ao etanol nos EUA. Também vai elevar as barreiras no Brasil aos produtos da China. O governo atua em conjunto com os lobbies agrícola, contra os EUA, e industrial, contra a China.


Dilma Rousseff visita Barack Obama em março e Hu Jintao em abril. ‘Valor’ e Folha trataram na semana das agendas da presidente em Washington e Pequim.


A balança comercial brasileira é crescentemente deficitária com os EUA -e superavitária com a China.


ACORDE, WASHINGTON!


A nova ‘Americas Quarterly’, da instituição de política externa Americas Society, dos EUA, traz especial sobre ‘Acesso ao mercado’ latino-americano. Ouve integrantes do governo Obama sobre as ‘oportunidades’ e destaca o artigo ‘Acorde, Washington!’, dizendo que, ‘enquanto Washington dorme, os EUA estão perdendo a batalha’ pela América Latina. Em artigo sobre ‘Dilma ou o pós-Lula’, o economista Albert Fishlow questiona o ‘maior intervencionismo federal’.


CHINESES NA BROADWAY


No Times Square, a China vendida por esportistas, artistas e pelos bilionários Robin Li, do Baidu, e Ma Yun, do Alibaba


A visita de Hu a Obama na semana foi avaliada por ‘New York Times’ e outros como favorável ao americano, pois o chinês admitiu melhorar em direitos humanos. Mas ‘Forbes’ e outros já avisam que Hu apenas ecoou frases usadas antes.


Por outro lado, os estatais ‘China Daily’ e ‘Global Times’, em inglês, ‘Diário do Povo’, do PC, a rede CCTV e o canal em inglês CCTV9 destacaram que a visita ‘afastou temores’, mas as ‘diferenças continuam’.


Como adiantou o privado ‘South China Morning Post’ e depois deu na capa o ‘China Daily’, a visita foi acompanhada de ‘blitz’ publicitária, com inserção de 60 segundos veiculada em TV e até nos painéis do Times Square, em NY.


Desconfiança


Na entrevista coletiva de Hu e Obama, um jornalista chinês destacou a ‘desconfiança estratégica’ da China diante do esforço dos EUA em isolar militarmente e conter a ascensão do país na Ásia. Dias antes, durante visita do secretário de Defesa americano, Pequim havia surpreendido Washington com o primeiro teste de seu jato ‘stealth’, invisível a radar.


Sputnik 2


‘NYT’, ‘Financial Times’, Huffington Post e outros davam manchete ontem para o discurso sobre o ‘estado da nação’, que Obama faz amanhã e que vai ‘focar na luta dos EUA para competir’ com a China. Seria ‘Novo momento Sputnik’, referência ao primeiro satélite lançado em órbita pelos russos, em 1957 -episódio que surpreendeu e levou os EUA a reagir.


SOZINHO JUNTO


No ‘Guardian’, jovem americano checa seu ‘smartphone’, num fenômeno que, segundo críticos, teria ‘efeito isolador’


A Campus Party terminou no fim de semana, deixando como destaque o alerta do físico Tim Berners-Lee, um dos criadores da world wide web, contra a tomada da internet pelo que chama de ‘ilhas’ privadas -do Facebook à Apple.


E o ‘Guardian’ destacou no final de semana que as ‘Redes sociais estão sob ataque em onda de cyber-ceticismo que toma EUA’. Sherry Turkle, do MIT, lançou o livro mais recente, ‘Alone Together’, no qual vê a comunicação frenética por Facebook, Twitter e mensagens como ‘uma forma de demência moderna’. Outros escritores, como Nicholas Carr, Evgny Morozov e Mark Buerlein, veem apatia política e intelectual na ‘geração mais estúpida’.


COMEÇA O RETROCESSO


Já em dezembro surgiram as primeiras reações, quando Ana de Holanda foi indicada para a Cultura. Blogs postaram que a escolhida de Dilma mudaria a diretriz do governo anterior para ‘propriedade intelectual’.


No meio desta semana, Sérgio Amadeu, acadêmico e ativista de software livre, postou, ‘urgente!’, que ‘começa o retrocesso’, com a retirada da licença Creative Commons do site do ministério. Ato seguinte, o blog de Renato Rovai, que organizou a entrevista de Lula com blogueiros ‘progressistas’ no final do mandato, postou que a nova ministra abre ‘guerra ao livre conhecimento’. O confronto avançou pelo fim de semana com a defesa da nova ministra via ‘O Globo’.


 


 


LITERATURA


Carlos Augusto Calil


A cidade e sua biblioteca


No aniversário da cidade de São Paulo, amanhã, a biblioteca Mário de Andrade reabre ao público, após obras de restauro e modernização.


O projeto dos arquitetos José Armênio Brito Cruz e Renata Semin introduziu um corredor transparente entre a entrada principal do edifício e a lateral da rua São Luís. A fachada austera ganhou predicado de leveza, que estimula o passante da Consolação a invejar o leitor interno, alheio à agitação da rua.


A biblioteca se apresenta em nova moldura: o projeto de paisagismo do arquiteto André Graziano renova a praça Dom José Gaspar.


Um cinturão verde abraça o edifício, o que permite o abrandamento da grade, diminuída e afastada do seu corpo. O busto de Mário de Andrade, da lavra de Bruno Giorgi, que ficou ao relento por 50 anos, foi convidado a entrar na sua casa.


Durante a obra, que custou à Prefeitura de São Paulo R$ 17 milhões, boa parte financiada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), algumas surpresas foram encontradas. Lambris, estantes e livros infestados de brocas e cupins, ausência de estrutura no piso da circulante, necessidade de refazer a rede elétrica e de implantar sistema de prevenção de incêndios.


Mas a inesperada novidade foi o desbaratamento de uma quadrilha que, de dentro da biblioteca, furtava obras raras do seu acervo e de outras instituições.


Ao assumir a prefeitura, José Serra priorizou, na cultura, a recuperação da Mário de Andrade. E convidou para a difícil tarefa o advogado Luís Francisco da Silva Carvalho Filho, que a dirigiu entre 2005 e 2007. Ele reviu o projeto herdado da administração anterior, que previa a escavação de três andares subterrâneos e a instalação de um restaurante no terraço, e reabilitou a revista da biblioteca, hoje certamente entre as melhores do gênero.


O acervo de 3 milhões de itens começou a ser enfrentado. Investimentos da prefeitura se somaram a recursos originários de premiações em editais da Petrobras e do BNDES, o que possibilitou um tratamento de choque numa coleção empoeirada. Nesse campo, assim como no da catalogação, praticamente tudo precisa ser feito.


A biblioteca da cidade não é apenas local, nem mesmo de alcance exclusivamente municipal; é a segunda do país e, portanto, uma biblioteca nacional. É principalmente uma biblioteca de pesquisa, com uma notável coleção de obras raras, composta de livros, periódicos, mapas, e de preciosa iconografia.


Sua missão é atender ao contingente e ao permanente, ao leitor esporádico e ao pesquisador exigente. Nos últimos anos, não cumpria bem nem uma nem outra de suas vocações. Estava paralisada.


Desde 1957, pouco mais de dez anos depois da inauguração, sua torre atingia a capacidade de armazenamento. O desafio passou a ser a construção da segunda torre. Um prédio cedido pelo governo do Estado à prefeitura, atualmente em obras na rua Bráulio Gomes, cumprirá essa função.


A obra que o prefeito Kassab inaugura amanhã promoveu o retorno da biblioteca circulante ao prédio principal. Aberta desde julho de 2010, a circulante já foi visitada por 90 mil leitores, que emprestaram 21 mil volumes. A obra liberou parte da torre da biblioteca, o que lhe permite voltar a respirar.


Abandonada pela cidade no processo de evasão do centro que se iniciou há 40 anos, a biblioteca Mário de Andrade revive.


CARLOS AUGUSTO CALIL, 59, professor da ECA/USP, é secretário municipal de Cultura de São Paulo.


 


 


TECNOLOGIA


Ronaldo Lemos


O futuro da TV na plataforma da internet


NO COMEÇO do mês, rolou nos EUA a maior feira de eletrônicos do mundo, a Computer Electronics Show.


O grande destaque foram os ‘tablets’ (como o iPad), assunto que satura os cadernos de informática há meses. Sem alarde, ali do lado, estavam aparelhinhos que discretamente querem revolucionar o futuro da TV.


Estou falando de simpáticas caixinhas como o Boxee, o Roku e a nova geração do Apple TV.


A maioria das pessoas não ouviu falar delas por aqui. Mas o que elas querem não é pouco: substituir as redes de TV e as empresas de TV a cabo, partindo do princípio de que a internet vai ser a plataforma para a distribuição da programação. O cabo e o sinal que chega pela antena ficam para trás, diante das possibilidades da rede. E, para quem tem banda larga, a qualidade da imagem é praticamente a mesma.


Só que assistir TV pela internet ainda é chato. É preciso lidar com um monte de cabos e se levantar toda hora para mudar a programação. E dá trabalho ficar procurando o que assistir.


Esse é o desafio das caixinhas: trazer a internet para o centro da sala. Você fica no sofá, controle remoto na mão, e escolhe o que ver. Em vez de pagar mensalidade, assiste a um oceano de conteúdos gratuitos (como tudo do YouTube). E, para a programação ‘quente’, como seriados e filmes, paga só pelo que consumir.


As redes de televisão dos EUA já sacaram a proposta e criaram o Hulu Plus, voltado a oferecer programas diretamente para as caixinhas. A Amazon e a Apple fizeram o mesmo.


A coisa é tão rápida que as próprias ‘caixinhas’ estão ficando obsoletas.


Os fabricantes das novas TVs já estão embutindo os recursos de fábrica (como o Google TV, tentativa de competir com elas).


Por ora, a boa e velha televisão vai muito bem, obrigado. Mas vem aí uma onda de inovação, puxada pela internet, que promete sacudir o barco.


 


 


 


************


O Estado de S. Paulo


Segunda-feira, 24 de janeiro de 2011


CRISE


Timothy Garton Ash


A ‘Revolução Online’ na Tunísia


‘A Revolução Kleenex?’ Acho que não. A menos, é claro, que se concorde com o presidente líbio, Muamar Kadafi. Numa denúncia pela televisão do levante popular que derrubou seu amigo ditador vizinho, ele declarou: ‘Mesmo vocês, meus irmãos tunisianos, vocês podem estar lendo essa conversa vazia do Kleenex na internet’ (Kleenex é como Kadafi se refere ao WikiLeaks). ‘Qualquer imprestável, mentiroso, bêbado ou drogado pode falar na internet e vocês acreditam nele. Devemos nos tornar vítimas do Facebook, do Kleenex e do YouTube?’ Ao que, como o orador é outro ditador, eu sinceramente espero que a resposta seja ‘sim’.


Mas será? Qual a contribuição que websites, redes sociais e telefones celulares dão a movimentos de protesto populares? Haverá alguma justificativa para rotular os eventos tunisianos, como fizeram alguns, de ‘Revolução Twitter’ ou ‘Revolução WikiLeaks’? O jovem ativista bielo-russo Evgeny Morozov questionou suposições preguiçosas por trás desses rótulos no livro The Net Delusion,(‘A ilusão da internet’, em tradução livre).


Morozov diverte-se ridicularizando e demolindo as visões ingenuamente otimistas que, particularmente nos EUA, parecem acompanhar o surgimento de cada nova tecnologia das comunicações. Ele mostra que alegações sobre a contribuição do Twitter e do Facebook ao movimento verde do Irã foram exageradas. Essas novas tecnologias também podem ser usadas por ditadores para observar, espionar e perseguir seus oponentes. Sobretudo, ele insiste em que a internet não suspende o funcionamento da política do poder. É a política que decide se o ditador será derrubado, como na Tunísia, ou se os blogueiros serão espancados, como na Bielo-Rússia.


Estimados 18% da população tunisiana estão no Facebook, e o ditador negligenciou bloqueá-lo em tempo. Entre os jovens educados que foram às ruas, podemos ter certeza de que o nível de participação online foi maior.


Antes da queda de Zine al-Abidine Ben Ali, seu regime tinha investido contra os ‘netizens’ (cidadãos da web), montando ataques virtuais a contas do Gmail e do Facebook, recolhendo senhas e listas de e-mail de supostos opositores, e depois prendendo blogueiros importantes como Slim Amamou. Isso reforça o argumento de Morozov de que a internet é uma faca de dois gumes, mas é também um tributo à importância dessas novas mídias.


Ninguém sabe o que haverá amanhã, mas até agora o levante tunisiano teve um desenvolvimento extremamente animador – em especial porque foi um movimento autêntico, genuinamente doméstico e, em grande parte, espontâneo. As tecnologias transformadas de informação e comunicações de nosso tempo jogaram um papel na existência desse levante. Elas não o causaram, mas ajudaram. Especialistas dizem que a Tunísia, com sua população pequena, relativamente homogênea, urbana, educada, e (por enquanto) moderada, formada em grande parte por islâmicos exilados, pode se tornar um farol da mudança no Magreb. Se tudo der certo, a internet e a TV via satélite espalharão as novas por todo o mundo árabe.


Então é isso, a internet fornece armas tanto ao opressor quanto ao oprimido – mas não, como Morozov parece deduzir – em igual medida. No conjunto, ela oferece mais armas ao oprimido. Creio, portanto, que a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, está certa quando identifica a liberdade de informação global em geral, e a liberdade da internet em particular, como uma das oportunidades definidoras de nosso tempo.


O governo americano como um todo também é profundamente inconsistente em sua abordagem da liberdade da internet. Ele recrimina a China e o Irã pelo monitoramento secreto de adversários, enquanto faz o mesmo contra os que define como traidores da segurança nacional. Ele louva a liberdade de informação global enquanto denuncia o WikiLeaks como ‘uma ameaça à comunidade internacional’.


De novo, a Tunísia é instrutiva. Falar de uma ‘Revolução WikiLeaks’ é tão absurdo como de uma ‘Revolução Twitter’, mas as revelações do WikiLeaks sobre o que os EUA sabiam da corrupção do regime de Ben Ali contribuíram um pouco para o caldo de cultura que se formava na Tunísia. Assim, se Hillary Clinton quiser argumentar, como acredito que ela legitimamente pode, que a estrutura de intercâmbio global de informações iniciada pelos americanos contribuiu para o frágil renascimento da liberdade na Tunísia, então ela deveria realmente incluir um gesto de simpatia pelo WikiLeaks. Mas é pouco provável que isso aconteça. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK


É COLUNISTA E ESCRITOR


 


 


TECNOLOGIA


Alexandre Matias


‘Conversaremos com os computadores como se fossem pessoas’


Ele hipnotizou centenas de participantes da Campus Party ao contar sua trajetória no sábado, numa palestra que teve mais olhares atentos que a do ex-vice-presidente americano Al Gore, na terça-feira. Não era para menos: não bastasse ser um dos maiores nomes da história da computação, a história de Steve Wozniak, cofundador da Apple, é muito parecida com a da maioria dos participantes do evento que terminou ontem. Um nerd por excelência, o ex-parceiro de Steve Jobs falou ao público sobre a importância do bom humor e da paixão quando se quer escolher qualquer tipo de carreira enquanto contava a todos como inventou o computador como o conhecemos hoje. Antes da apresentação, Wozniak falou ao Estado sobre outro assunto: o futuro da computação pessoal.


Em 2010, assistimos à entrada de dois novos aparelhos no mercado que causaram impacto na história da computação: o iPad, da Apple, e o Kinect, da Microsoft. Ambos são computadores pessoais, mas não são como o computador pessoal que o sr. concebeu.


Claro, apesar de que as maiores mudanças nos computadores normalmente acontecem em novas formas de interação entre o ser humano e eles. É a forma como nós usamos nossos corpos, nossa visão… E essas formas de interação estão ficando cada vez mais humanas do que eram anteriormente. Acho que essa tendência vai continuar para sempre. Os computadores do futuro vão permitir diálogos como se eles fossem pessoas de verdade. Eu não acho que o reconhecimento de voz já está nesse ponto, mas tenho tantos aplicativos nos meus telefones que funcionam tão bem só com a voz que eu não quero voltar a seguir determinados procedimentos ou digitar comandos…


…Nem sequer usar o mouse.


Eu não quero usar o mouse, não quero usar o teclado, eu não quero ter de dizer para o computador que ele deve rodar um determinado programa. Eu só quero dizer: ‘Faça uma reserva para seis pessoas hoje à noite numa determinada churrascaria nesta cidade aqui’. E quando você faz as coisas de forma humana, você não faz a mesma coisa sempre do mesmo jeito, você não diz a mesma frase exatamente do mesmo jeito todas as vezes que fala. Por isso, o reconhecimento de voz deve entender que você fala a mesma coisa de várias formas diferentes. E você não precisa mais se preocupar com erros de digitação se os comandos são pela voz. Então é realmente maravilhoso poder dizer… ‘Bom Deus’ (suspira, como se estivesse aliviado). As partes complicadas dos computadores vão ficar para trás, até chegarmos a um ponto em que ele poderá olhar no meu rosto e dizer se estou cansado.


Então o sr. acha que tanto iPad e Kinect quanto os celulares atuais são estágios intermediários rumo a um outro tipo de computador ainda melhor?


Sim, são ótimos estágios, como o próprio computador pessoal também foi. O PC só foi possível porque um certo tipo de tecnologia tornou-se disponível a um certo preço. E o mesmo aconteceu com outros tipos de tecnologia para que o iPad se tornasse viável: a tecnologia flash NAND para armazenamento de dados, fazendo com que não fossem necessárias peças enormes que consumiriam muita energia; a tecnologia de telas sensíveis ao toque, telas de alta resolução, baterias leves… Muitas dessas tecnologias vêm ao mesmo tempo, a um preço acessível, e permitem que determinados produtos façam sentido.


Há uma frase que diz que a tecnologia funciona de verdade quando as pessoas nem sequer percebem que a estão utilizando. O sr. acha que chegaremos a um ponto em que a tecnologia não será nem vista pelas pessoas?


É difícil negar isso, mas também é difícil pensar em exemplos para hoje em dia. Será que eu vou ter pequenos implantes nos meus olhos que farão que eu veja o mundo da forma como determinada tecnologia quer que eu veja? Se for assim, quem está no controle? Estamos ficando cada vez mais dependentes da nossa tecnologia de forma que nem podemos desligá-la. Se nós pudermos desligá-la, estamos no controle; mas não podemos mais. E se tivermos carros que dirigem sozinhos? Uau, cara… Nós temos de ir, temos de confiar nisso, mas podemos chegar ao ponto em que a tecnologia talvez não precise mais da gente.


E aí, como vimos em filmes de ficção científica, pode ser que a tecnologia queira descartar o fator humano, pois atrapalha…


É o que eu estou sugerindo – e isso já está acontecendo, mais do que podemos admitir. Quando as coisas acontecem devagar, você não as percebe acontecendo, mas quando estamos numa curva exponencial, as coisas podem mudar de uma vez só. Você consegue desligar seu computador? Consegue se desconectar da internet, desligar seu celular? Por quanto tempo? Por um ano? E se conseguir, que tipo de vida terá? E se todos resolverem fazer isso? Seria uma vida bem diferente da que levamos agora.


Mas até chegarmos a esse estágio, a tecnologia terá de evoluir bastante. Que estágios deveremos percorrer nos próximos dez anos?


Num futuro próximo, não muito próximo, mas também não muito distante, se tornará bem difícil saber se você está lidando com um computador ou com uma pessoa de verdade. E será tão bom: falar, entender, combinar palavras e deixar que o computador faça o reconhecimento das palavras e até crie um tipo de relacionamento com as pessoas…


Mas o sr. acha que no futuro teremos amigos digitais?


A ficção científica quase sempre fala em guerra entre homens e máquinas, quem será o vencedor, mas eu acho que criamos a tecnologia para melhorar nossas vidas. Estamos lidando com ela gradualmente, não há nenhuma batalha. Criamos a coisa mais próxima do cérebro humano que é a internet. Antes, perguntávamos para uma pessoa sábia quando precisávamos saber de alguma coisa, agora temos a busca do Google. Isso significa que parte de nosso cérebro já está fora de nossas cabeças, porque a internet cresceu tanto e nós não a criamos para ser um cérebro. Criamos a internet para colocar as pessoas em contato individualmente – e quando havia bilhões de pessoas em contato entre si, de repente, ela criou essa capacidade de funcionar como um cérebro.


E isso não assusta?


Não, porque você não se assusta com isso. Não passamos por uma fase de medo. Nós simplesmente aceitamos que o Google seja mais inteligente do que qualquer pessoa que conheçamos. Todos nós aceitamos.


Não é assustador pensar em um futuro em que as pessoas terão apenas amigos digitais?


Quando cresci eu era muito tímido, era um outsider. Eu ficava de fora de conversas normais, dos ritos sociais. E não tinha com quem falar. Tinha receio. Em todo lugar que eu ia, tentava ser o mais discreto, falar o mínimo possível, fazer o meu trabalho e cair fora. Agora esse mesmo tipo de pessoa passa o dia inteiro em seu quarto com um computador, com as portas fechadas, e tem relações sociais com pessoas de qualquer lugar do mundo, mesmo que sejam com pessoas tão restritas socialmente quanto ele.


Mas não existem pessoas digitais hoje em dia.


Imagine você se apaixonar por alguém que você não sabe se é uma pessoa ou um robô. Oh, cara (ri)… Mas eu não acho que isso vai acontecer. Mas há quem se apaixone por seus computadores, então tudo bem.


E como será o computador do futuro?


A questão é em quanto tempo no futuro… Eu acho que teremos um tipo de computador que, quando um aluno for para a escola, ele quer ficar com aquele computador como se fosse seu melhor amigo, que sabe tudo sobre ele, seus sentimentos, crenças e filosofias, mais do que um professor humano. Não consigo chutar em quantos anos isso acontecerá… Dez, vinte, trinta… Mas eu não estou falando em cem anos…


O que o sr. achou da Campus Party?


Eu fui a algumas outras Campus Party e percebi que esse tipo de evento seria onde eu estaria se eu estivesse crescendo hoje. Sendo eu o tipo de pessoa que sou, que acredita no que eu acredito, nos meus computadores, na interação com outras pessoas parecidas. Eu estaria aqui, eu seria um campuseiro. Eis a grande atração: jovens cheios de ideias que querem explorar o que eles querem estar fazendo neste mundo dos computadores, o que isso vai significar para eles, o quanto isso é importante para eles, que mudanças e diferenças eles podem fazer…


As pessoas aqui falam em ‘orgulho nerd’.


Fico tão feliz em ouvir isso! Foi a melhor coisa que eu ouvi durante todo o dia de hoje! Há um tipo de evento que acontece tanto nos EUA quanto em alguns outros países chamado First Robotics. São times de segundo grau que constroem robôs, que são meio caros, do tamanho de pessoas, e eu vou julgar esses concursos sempre que posso. É um dia em que eles são tão importantes quanto os astros do cinema, os jogadores de futebol ou qualquer tipo de celebridade. É quando os geeks têm seu dia!


 


 


TELEVISÃO


Etienne Jacintho


Rodrigo Rodrigues tira o pó da chuteira


Rodrigo Rodrigues completa hoje uma semana no ar na ESPN Brasil. Tempo em que tem colocado em ação seu ‘plano B’: falar sobre futebol na TV. Após seis anos de TV Cultura, o ex-repórter do Vitrine fala ao Estado que, antes de se apaixonar por música – e fundar a banda Soundtrackers -, teve um namoro de anos com o futebol.


‘Até meus 18 anos levei o futebol muito a sério, pensava em ser profissional’, conta o carioca, que tinha bastante intimidade com o universo da bola. ‘Meu tio, Gilson Nunes, foi jogador e técnico até da seleção brasileira sub-20.’ Foi, em parte, por causa do tio ilustre que o diretor da ESPN Brasil, José Trajano, desafiou o repórter de cultura a mudar de rumo. ‘Meu tio foi técnico do América e Trajano é americano. Ele sabia dessa minha história e eu já tinha feito muita reportagem de bastidores na ESPN para o Vitrine’, diz.


Oficialmente, o novo Bate-Bola estreia na próxima segunda-feira, dia 31, com novo cenário, que inclui o videowall usado pelo canal durante a Copa da África. A bancada também vai embora para dar espaço a mesas altas com banquetas. O laptop vai ser aposentado e Rodrigues terá a companhia de um iPad, além de outros recursos tecnológicos.


Rodrigues, porém, assumiu o programa – apresentado por Edu Elias, que foi para o RockGol, da MTV -antes do lançamento para se acostumar à mudança e fazer com que o público também se habitue. ‘Uma coisa é gostar de esporte e outra é mergulhar nesse universo’, fala o jornalista, ciente de que é preciso mais do que paixão para acertar o ritmo.


‘Desde o dia 20 de dezembro, quando surgiu o convite, tenho visto todos os canais de esporte. Passei a ler os jornais especializados, sites e conversado com os profissionais aqui da ESPN’, comenta. ‘No ar, tento distribuir os assuntos para os comentaristas e só me meto na conversa quando estou seguro do que estou dizendo. Tenho uma cultura futebolística boa, só estou enferrujado.’ Rodrigues sabe que, para se dar bem, precisa agir como um meio-campista e tratar da condução do jogo. ‘Está sendo divertido. Rola uma oxigenação para o programa e para mim.’


Para Rodrigues, passar de temas de cultura para o esporte não é o principal desafio. Difícil é fazer um programa diário, em estúdio e ao vivo. ‘Estava há dois anos sem filmar em estúdio e há quatro sem gravar ao vivo’, lembra. ‘No Vitrine, fazia mais trabalho de reportagem que de apresentador.’


Para não perder as fontes e o faro, Rodrigues fará reportagens culturais para programas da casa como o Pontapé Inicial, comandado pelo próprio Trajano.


 


 


 


************