Numa matéria de Ronaldo França, ‘Longe da excelência’, em Veja nº 2155 (de 10/3/2010), vemos um texto curto, quase que uma nota, comentando os resultados de um relatório encomendado pelo MEC sobre números das escolas públicas desde a instituição do PNE (Plano Nacional de Educação). Com poucas palavras, o texto consegue transmitir as noções deletérias do semanário em matéria educacional. A tonalidade geral da matéria é negativista e para melhor realçar o atraso brasileiro nestas questões o texto traz a seguinte chamada: ‘Cenário de atraso – Os índices brasileiros de repetência se assemelham aos africanos’.
Vejamos outras passagens:
‘(…) o Brasil patinou no enfrentamento de questões cruciais, tais como os elevadíssimos índices de repetência, indicador-mor da incompetência da própria escola.’
A formulação acima é ambígua: primeiro o Brasil patinou depois a escola é incompetente no que diz respeito aos índices de repetência. Sobre a patinação do Brasil em matéria de questões cruciais no ensino público concordamos, mas ler que estes índices são indicadores de incompetência da escola merece discussão.
Mas não para por aí: ‘Outro dado que ajuda a traduzir a ineficácia do ensino é a evasão escolar’. Notemos agora a utilização do termo ineficácia e para rematar: ‘Ainda que a tendência geral seja de melhora do ensino, a persistência da má qualidade nas escolas brasileiras faz refletir sobre a necessidade de acelerar o passo’, Frisamos a má qualidade. Não vamos entrar no mérito da discussão dos dados do relatório, que é preliminar, mas a forma como o jornalista caracteriza a educação merece alguma reflexão.
Problema resolvido
Comparar índices brasileiros com índices de países africanos com objetivo de chamar a atenção para o fato de como o Brasil caminha mal na seara educacional só demonstra um imaginário acentuadamente negativo de que goza a terra de muitos dos nossos antepassados. Não se trata de negar a pobreza de várias regiões do continente africano, mas utilizá-la como recurso discursivo para enfatizar matizes negativos do Brasil se insere no campo da indecência intelectual.
No que se refere à incompetência da escola com relação aos altos índices de reprovação, resta saber se esta mesma é incompetente por reprovar alunos em número demasiado ou por não aderir, como no modelo paulista, à premiação e incentivos por bons resultados – como Veja tem apregoado ultimamente.
No caso de a tendência meritocrática efetivamente se espraiar pelas secretarias de Educação Brasil afora, o problema da reprovação excessiva estaria resolvido. Neste caso, seria inviável aos professores reterem seus alunos em determinada série, ainda que o aprendizado não aconteça. Claro que este é um problema que não está na esfera de preocupações da revista da Editora Abril.
Proposição séria
O problema que demonstra ineficácia do ensino público, a evasão escolar, também seria resolvido facilmente com o catecismo de Veja. Parece ser isto que pretende dar a entender o autor da matéria. Ora essa! Uma escola que não consegue impedir que seu público se esvaia de suas mãos como grãos de areia. Resta saber se apenas o receituário decalcado de realidades estrangeiras poderia proporcionar eficácia para a educação brasileira.
Ao lado da má qualidade de nossas escolas também é ressaltado no pequeno texto a necessidade de ‘acertar o passo’. Tal expressão não tem nenhuma relação com as condições já sabidas por quem não tenta mascarar a realidade, responsáveis pela suposta má qualidade no ensino. A qualidade, na ótica desse veículo, não se relaciona com maior número de professores e mais salas de aula, e sim a enquadrar no ambiente educacional as regras de livre mercado.
Para que o remédio de Veja desse resultados efetivos, muito teria de ser investido na educação. Como tais investimentos não são considerados importantes por vários setores da sociedade, é mais fácil detratar o sistema educacional sem nenhuma proposição séria na direção de algum esforço coletivo e vontade política de melhorar.
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Professor de história, Ponta Grossa, PR