A Universidade Pace, de Nova York, vai faz uma experiência interessante. Distribuirá a 50 alunos livros didáticos em versão eletrônica – nos chamados aparelhos portáteis de leitura, que estão na crista da onda com o lançamento do Kindle DX, da Amazon – para comparar a sua aprendizagem com a de outros 50 colegas, que continuarão estudando nos livros tradicionais.
A experiência é interessante porque poderá dar uma pista para se saber se existe alguma diferença entre o que fica da leitura de um texto em jornal ou outro periódico impresso e da leitura do mesmo material na internet.
Por trás da dúvida está a hipótese de que o meio físico – a plataforma, como se diz – talvez faça diferença para a “aprendizagem” da informação entre leitores de igual gabarito. E se fizer, e à parte quaisquer outros fatores, será importante saber se a leitura online favorece ou prejudica a retenção, a compreensão e a avaliação de conteúdos jornalísticos.
Isso não tem nada de bizantino. Afinal, a grande controvérsia sobre os efeitos da comunicação convencional, comparados com os da comunicação via internet, vai além do confronto entre o modo de produção da notícia nos veículos impressos e nos sites ou blogues. O debate envolve também as diferentes possibilidades de participação do público no ciclo informativo que começa com a escolha do que é notícia no oceano infinito dos acontecimentos e termina na crítica – e eventual reconstrução – do material publicado.
Já se escreveu neste espaço, por exemplo, que, na relação intermediada pela imprensa do leitor com o mundo a sua volta, o jornalismo impresso, pelo próprio formato dos seus produtos, tem sobre a nova modalidade a vantagem de aproximar as pessoas de uma gama imensa de fatos. Um certo número deles, embora não sendo, em princípio, de interesse do leitor, ainda assim afetam de algum modo, objetivamente, as suas condições de existência – um bom motivo para que deles tome conhecimento e a eles responda no exercício da cidadania.
Periódicos impressos, salvo os especializados, são, por definição, ecumênicos.
Quem formulou isso com invejável clareza foi o sociólogo americano Paul Starr, da Universidade de Princeton, no seu debate por e-mail sobre jornalismo impresso e jornalismo na web com o editor de uma das primeiras revistas americanas online, Steven Johnson. As principais passagens do debate saíram no caderno “Mais” da Folha, no domingo, 10.
“Aqueles que compram um jornal”, argumenta Starr, “podem interessar-se só por esportes ou palavras cruzadas, mas, mesmo assim, olharão a primeira página pelo menos de relance, com isso tomando conhecimento de algo sobre a sua cidade e o mundo.”
Já na internet, compara o estudioso, “quem se interessa por esportes ou palavras cruzadas vai diretamente aos sites que os oferecem, evitando ficar exposto a notícias e polêmicas sobre a sua comunidade”.
Tem mais. Conforme o meio físico onde nos informamos, a leitura poderá ser, ou não, uma atividade prazerosa. Sendo, representará uma experiência estética. Vai sem dizer que o prazer de ler proporcionado pelo ambiente em que a coisa lida se encontra é por si só meio caminho andado para a sua assimilação. Quando, além disso, o texto é bom, então…
Vale, pois, pelas suas possíveis consequências, a pergunta: onde será mais agradável ler a mesmíssima notícia: no papel ou no monitor? O que será mais “amigável” – folhear um jornal ou rolar uma tela?
Já se vê, portanto, que a pesquisa com os estudantes da Pace não tem nada de esotérico – e interessa ao jornalismo mais ainda, dada a possibilidade de que os aparelhos portáteis de leitura, também chamados leitores eletrônicos, venham a constituir uma espécie de terceira via entre a imprensa em papel e a imprensa virtual.
Estamos todos cansados de saber que parte da crise da indústria da notícia impressa se deve à migração dos pequenos anunciantes para a internet. Sabemos também que a publicidade ainda está longe de sustentar – se é que um dia sustentará – a produção jornalística online, a ponto de dispensar a cobrança pelo acesso aos seus conteúdos.
Agora diversos jornais e revistas já podem ser assinados no Kindle e congêneres. Por enquanto, é um negócio pouco atraente para as empresas que os publicam. Primeiro, porque nessa versão os periódicos entram sem anúncios. Segundo, porque os fornecedores dos aparelhos portáteis de leitura ficam com a parte do leão das assinaturas – fala-se em 70%.
Mais cedo ou mais tarde as grandes editoras darão um jeito nisso. É a aposta, de todo modo. Se a coisa evoluir, apressará a transição para algo parecido com “a sociedade sem papel” de que fala, decerto exagerando, o dono da Amazon, Jeff Bezos.
A Amazon já oferece assinaturas de 37 jornais por cerca de US$ 10 por mês. E, numa experiência-piloto, o New York Times, o Boston Globe e o Washington Post oferecerão assinaturas promocionais para os compradores de aparelhos de leitura, em locais onde não chegam as edições em papel.
Como saiu meses atrás na revista The Economist, “a conveniência de se receber conteúdos automaticamente da noite para o dia e de se poder pular de um texto para outro rapidamente na mesa do café da manhã, no metrô ou a bordo de um avião, pode ser algo pelo qual as pessoas achem que vale a pena pagar”.
Quando começar a ser vendido nos Estados Unidos, o novo Kindle – que, diferentemente do computador, imita tinta e papel de verdade – sairá por cerca de US$ 500. Permitirá armazenar 3.500 livros, comprados por uma fração do preço da modalidade impressa, e uma quantidade indeterminada de páginas de jornais.
Não está claro que tipo de interatividade a engenhoca permitirá: maior do que em papel impresso? menor do que na internet? De todo modo já se diz que esses leitores eletrônicos farão pela palavra escrita o que o I-Pod e o I-Tunes da Apple fizeram pela música pop.
Diz-se também que se a moda pegar e o negócio compensar para as empresas jornalísticas, elas mandarão aos poucos para escanteio os seus sites de acesso gratuito, se não puderem cobrar por eles.
O certo é que o debate vai mudar de figura.
Escândalos políticos e ‘o bom e velho jornalismo’
Depois que a imprensa brasileira passou a expor a atual safra de maracutaias do Congresso Nacional, faltou quem escrevesse o que o colunista Simon Jenkins, do Guardian de Londres, escreveu a propósito das recentes revelações do também londrino Daily Telegraph sobre a farra de deputados britânicos com dinheiro público.
O jornal revelou, entre outros ilícitos, que eles passaram a mão numa bolada do adicional recebido para cobrir os seus gastos de gabinete e de moradia em Londres, reformando, mobiliando e até mesmo pagando prestações de suas próprias casas.
Comentando o escândalo e as suas repercussões, Jenkins aproveitou para entrar no debate a respeito das alegadas vantagens do jornalismo online sobre a modalidade convencional.
Ele desafiou “aqueles que entoam o obituário da grande mídia” a citar “alguma organização eletrônica capaz de realizar uma investigação deste porte”. E mandou ver:
“Como a recente divulgação das fraudes fiscais corporativas nas páginas do Guardian, esse trabalho exige recursos humanos e financeiros. Grosseiro, injusto, esquerdista, chame-o do que quiser: o bom e velho jornalismo ainda é desesperadamente necessário para manter a democracia em estado de alerta. Deus permita que ele nunca desapareça.”