Ser jornalista titular de um blog não é fácil. Ainda mais de um blog dedicado ao monitoramento crítico de mídia que, forçosamente, tem de tratar sobre trabalhos realizados. ‘É muito fácil ser engenheiro de obra pronta’, disse bem, há algumas semanas, em programa da Globo News, o jornalista Josias de Souza, da Folha de S.Paulo, ele próprio senhorio de um blog. Tem-se, pois, dois dos primeiros complicadores que desafiam a qualidade de um posto de observação como esse Contrapauta: além da permanente vigilância para não extrapolar e destruir o trabalho de terceiros, levando sempre em consideração a diferença entre fazer e falar, o monitoramento não deve ser influenciado pelo receio de ferir nem de proteger a corporação.
É difícil manter a linha e a imparcialidade. Só mesmo a intenção maior de prestar um tipo incomum de serviço ao leitor justifica a existência de um trabalho que, em essência, questiona o trabalho de colegas de profissão sem nunca deixar de lado que falar é fácil, mas fazer é que são elas.
Além dessas duas dificuldades que estão na essência do trabalho dos nove meses de vida desse Contrapauta, há outra não menos importante, ainda de contorno impreciso e em formação, que diz respeito ao relacionamento entre o blog e seus leitores.
Na compreensão do jornalista-responsável pelo Contrapauta, trata-se de uma mídia muito mais pessoal do que a imprensa escrita ou televisiva, por exemplo, que não dá ao leitor a mesma facilidade para enriquecer, empobrecer, elogiar ou espinafrar o autor das idéias e relatos apresentados nos blogs, únicos a oferecer um canal para contato instantâneo entre público e autor.
Envergonhado, o responsável por esse blog confessa também que não sabe exatamente qual melhor contribuição pode dar aos leitores para esses dias de Festas, quando comemorações e balanços misturam-se a emoções familiares e promessas que deixam os corações muito mais complacentes.
A propósito, para citar uma efeméride de 2005, o ano foi marcado pela explosão de blogs no Brasil, particularmente os pilotados por jornalistas, ao passo que nos EUA e na Europa eles se consolidam como ferramenta de utilidade recém-descoberta em grandes empresas, com finalidades que variam do atendimento ao consumidor a centro difusor de campanhas de vendas ou marketing. Mas essa é outra pauta.
Uma das idéias para dar algo diferente, pessoal, aos leitores do Contrapauta foi a de oferecer poesia para fechar um ano amargo, marcado principalmente pela crise política. Crise na qual a mídia e os meios de informação não foram apenas portadores das más notícias, mas também geradores daquelas que, posteriormente, seriam confirmadas como as piores novidades que se poderia receber.
A idéia ganhou corpo com a lembrança do verso inicial de ‘Roda Viva’, de Chico Buarque de Hollanda, de 1967, que reflete um estado de espírito da época, mas também se adapta às várias ocasiões de 2005 em que, mais de uma vez, a enchente de versões, acontecimentos e revelações deixou o leitor sem pé para compreender o que realmente estava acontecendo.
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá …
(…)
A canção antecedeu o período mais tenebroso do regime militar que se instalara no país três anos antes. Ela reflete a impotência do trovador diante dos fatos (a brutalidade da ditadura), mas poderia facilmente ajustar-se ao estado de espírito sublimado por muitos brasileiros que, dois anos e meio antes, imaginaram estar mudando o destino do Brasil por meio do voto. A alegre expectativa, diante da sucessão avassaladora dos fatos de 2005, vestiu a definição de outro grande poeta, Mário Quintana, para quem ‘a esperança é um urubu pintado de verde’.
Um terceiro verso puxado na memória que se encaixa nessa tentativa de balanço (na verdade, resume-se à frase sublinhada abaixo) tem a ver com a quimera da imparcialidade jornalística.
(…)
Quero teu leite todo em minha alma
Nada de leite mau para os caretas
Mas eu também sei ser careta
De perto, ninguém é normal
(…)
As cinco palavras da última linha escrita por Caetano Veloso, em 1986 (‘Vaca Profana’), definem uma frustração constante nas contribuições dos leitores para o diálogo do blog:
Quem sobraria na política nacional se a lupa da imprensa fosse aplicada com igual severidade sobre todos?
Por que os meios de informação amplificam ruídos de determinados setores do governo e do Congresso e reduzem o volume de outros?
Por que não aplica a mesma severidade e o mesmo afinco para todas as representações políticas?
Como em muitas postagens anteriores, o Contrapauta deixa perguntas no ar para estimular seus leitores à busca por outras explicações, além das expressas em editoriais e colunas que representam interesses políticos e econômicos dos poucos grupos que controlam os meios de informação do Brasil.
Além dos questionamentos, no entanto, seguem também os votos de um Brasil melhor no ano que vem. 2006 promete fortes emoções coletivas. O jornalista-responsável pelo Contrapauta espera atravessar os próximos doze meses defendendo o direito do leitor de ser bem informado.