Segunda-feira, 28 de abril de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1335

Verificação para combater, educação midiática para perpetuar: o que podemos aprender olhando para a primeira década da Lupa

(Foto: KNFind/Pixabay)

O mundo celebrou, em 2 de abril, o Dia Internacional do Fact-Checking. Criado pela International Fact-Checking Network (IFCN), a data objetiva a conscientização da sociedade sobre os perigos das informações falsas. Ressalta ainda que a responsabilidade de verificar a veracidade das informações compartilhadas não cabe apenas aos profissionais e às organizações da área, mas a todos os cidadãos. E é esse o ponto que queremos tratar neste comentário.

No Brasil, agências e instituições passaram a trabalhar com a temática na última década. A Agência Lupa, fundada em 2015, foi uma delas e, neste ano, celebra seu décimo aniversário, com destaque para um trabalho exemplar em informação, checagens, reportagens, verificações e também com destaque na educação midiática.

Ganhadora de importantes prêmios nacionais e internacionais, a Lupa lançou, na última semana, um documentário em que relembra momentos importantes como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, as eleições de 2018 e a pandemia. Um dos mais recentes e significativos trabalhos da Agência foi um levantamento de informações acerca da tentativa de Golpe em janeiro de 2023. Todas as reportagens, provas enviadas por leitores e materiais produzidos pela Agência, foram encaminhadas ao Ministério da Justiça e compõem parte do inquérito sobre o crime cometido.

A Agência se define hoje como Hub, segundo sua fundadora Cristina Tardáguila. “Mais do que uma agência de checagem, a Lupa é uma plataforma de combate à desinformação por meio do fact-checking e da educação midiática. A gente não é apenas uma agência de checagens, nós somos um hub de combate ao caos informacional”, disse no documentário.

 

 

 

 

 

Educação Midiática como medida preventiva

Eficazes comprovadamente em muitos estudos do campo, as verificações e checagens podem ser complementadas por estratégias educacionais que promovam o pensamento crítico e a alfabetização midiática, funcionando como uma medida preventiva contra a disseminação de desinformação.​ Ou seja, passamos da era da verificação para uma era que prima pelo letramento.

A Lupa atua com treinamentos para os mais diversos setores no Brasil: empresas, escolas, universidades, médicos, área jurídica e eleitoral. Porém, há três anos, a equipe identificou a necessidade de um espaço especial somente para a educação midiática: foi aí que nasceu o Lupa Educação. A área foi estruturada com objetivo de “sensibilizar, problematizar e mobilizar para que as pessoas consigam, no dia a dia, entender que possam ser agentes de checagem, fazendo uma leitura mais crítica”, falou Raphael Kappa, coordenador de educação da Lupa.

“O ideal seria que tivéssemos educação midiática nas escolas, para empoderar todos os cidadãos, desde pequenos, a se transformarem em checadores. Como as pessoas não fazem isso e estão muito a mercê das bolhas e dessas manipulações de manada que acontecem hoje no ambiente digital, a gente enfrenta um problema de desinformação que é tão perigoso e tão grande, e afeta tanta gente quanto um aquecimento global está para a ciência, só que este para a comunicação e para o cotidiano social”, Gilberto Scofield Junior,  diretor executivo da Lupa até 2024.

O impacto das lacunas em alfabetização midiática, uma das preocupação da Lupa, também foi observado no estudo “A digital media literacy intervention increases discernment between mainstream and false news in the United States and India” (Uma intervenção de alfabetização em mídia digital aumenta a capacidade de discernimento entre notícias tradicionais e falsas nos Estados Unidos e na Índia), publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). A análise utilizou dados de experimentos pré-registrados realizados durante eleições nos Estados Unidos e na Índia, em 2018. A intervenção consistia em fornecer “dicas” de educação midiática, sobre como identificar notícias falsas para participantes em 14 países, porém com destaque para Índia e Estados Unidos com relação à diversidade no nível de educação (Índia) e ao comportamento do público online (EUA).

“Os resultados mostraram que a intervenção reduziu a credibilidade atribuída tanto a manchetes de notícias reais quanto falsas, com um impacto mais expressivo sobre as últimas. Isso levou a uma melhora significativa na capacidade de discernimento entre conteúdos verdadeiros e enganosos: 26,5% entre uma amostra representativa dos EUA e 17,5% entre um público altamente escolarizado na Índia. Nos EUA, esse efeito positivo se manteve por várias semanas após a exposição à intervenção; já na Índia, o impacto foi mais imediato e de curta duração”, apontou o estudo.

A pesquisa também menciona que o déficit global em alfabetização midiática tem sido apontado como um dos principais fatores que explicam a ampla crença em desinformação online e que é preciso avançar em estudos que fazem essas comparações, a fim de obter resultados em diferentes países e cenários. “Até agora, boa parte das pesquisas se concentrou em aspectos psicológicos e políticos que influenciam esse fenômeno, mas poucos estudos investigaram o impacto das lacunas na alfabetização midiática”, destacam os autores.

“Melhorar a alfabetização midiática de um subconjunto da população pode gerar efeitos positivos mais amplos se, por exemplo, aqueles que são tratados ajudarem a corrigir a desinformação que veem nas mídias sociais […] essas descobertas são a demonstração mais convincente, até o momento, de que uma intervenção de alfabetização digital no mundo real pode ter efeitos significativos e potencialmente duradouros. Embora os esforços para melhorar a alfabetização digital on-line não sejam uma panaceia, eles podem provar ser uma maneira vital e econômica de reduzir a vulnerabilidade das pessoas a notícias falsas e, assim, melhorar a saúde da informação das democracias”, conclui o artigo

Ensinar crianças, jovens e adultos a reconhecer fontes confiáveis, interpretar conteúdos digitais e questionar narrativas manipuladas é essencial para fortalecer a imunidade coletiva contra a mentira. Ao desenvolver pensamento crítico, a educação midiática não só combate a desinformação: ela a previne.

O fomento à educação midiática vem sendo discutido amplamente nos últimos anos no Brasil por diversas entidades e, agora, também pelo Governo Federal que volta seus esforços para o letramento midiático. Como jornalista e cidadã, acredito que esse seja o único caminho viável para fazer escolhas conscientes, melhores e amparadas na verdade. Os desafios em um país gigante como o Brasil são imensos por questões tecnológicas e socioeconômicas. Entretanto, enquanto a inclusão digital vai acontecendo nos mais diversos rincões do nosso país, podemos multiplicar e reverberar nosso conhecimento, repassar informações nos contextos onde estamos inseridos e, também, aprender novas ferramentas para lutar pela verdade.

Nessa data simbólica – celebrada ironicamente logo após o “Dia da Mentira” -, somos convidados não apenas à reflexão, mas também ao reconhecimento. É um momento para valorizar o trabalho incansável e corajoso das equipes que se dedicam à checagem de fatos e de reafirmar nosso papel como cidadãos atentos e vigilantes diante do fluxo constante de informações.

Celebramos, igualmente, educadores, comunicadores, pesquisadores e iniciativas que, no cotidiano, semeiam o pensamento crítico e promovem a alfabetização midiática. Afinal, a verdade não se impõe: ela é construída. E essa construção começa cedo — nas salas de aula, nas conversas em casa, no uso consciente das redes sociais.

Referências

Guess, Andrew M.; Lerner, Michael; Lyons, Benjamin; Montgomery, Jacob M.; Nyhan, Brendan; Reifler, Jason; Sircar, Neelanjan. (2020). A digital media literacy intervention increases discernment between mainstream and false news in the United States and India. Proceedings of the National Academy of Sciences. Disponível em: https://www.pnas.org/doi/epdf/10.1073/pnas.1920498117. Acesso em: 04/04/2025.

Publicado originalmente em objETHOS.

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Tânia Giusti é Jornalista, mestra em Jornalismo pelo PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS