Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O leitor bem-servido

Os jornais desta quarta-feira estão cheios de furos – no bom sentido –, sinal de que pelo menos um punhado de repórteres está gastando sola de sapato para ir onde interessa.

Na Folha, a repórter Denise Menchen apurou que “militares já tinham levado dois moradores do Morro da Providência para outra favela, há cerca de três meses. [Felizmente, eles conseguiram escapar.] A fonte são “motoristas que trabalham ao lado da Companhia de Comando do Exército, na Rua Santo Cristo”.

A revelação põe em xeque a teoria de que a monstruosidade praticada pelo tenente Vinícius Ghidetti de Moraes Andrade que levou à tortura e assassínio de três moradores da Providência foi um ato isolado, sem precedentes, de um “marginal”, como o chamou o governador Sérgio Cabral.

No Estado, o repórter Marcelo Auler, e, no Globo, o repórter Fábio Vasconcelos, com base em documento confidencial do Exército, demonstram ser falsa a versão da Arma segundo a qual a tropa subiu o morro apenas para dar cobertura aos engenheiros militares e trabalhadores civis ocupados com o projeto Cimento Social, de reforma de casas.

O documento de nove páginas, assinado pelo general que comanda a 9.a Brigada de Infantaria Motorizada, diz o que a tropa deve fazer na Providência, na “Operação de garantia da lei e da ordem” (GLO). Mas operações desse tipo, de evidente caráter policial, só podem ser executadas por decreto presidencial, em raras circunstâncias previstas na Constituição. “Portanto”, escreve Marcelo, “a ação militar do morro está à margem da legalidade”. Também com base nisso, movimentos de defesa dos direitos humanos querem que a Justiça mande retirar os efetivos acantonados na favela.

Ainda no Estado, o repórter Eduardo Reina apresenta ao leitor o empresário José Amaro Ramos Pinto, de “grande proximidade com políticos do PSDB. Ele se dizia “amigo fraterno” do grão-tucano Sérgio Motta, já falecido, e montou um jantar para o então ministro das Relações Exteriores Fernando Henrique, em Washington, onde ele representava o Brasil na primeira posse de Bill Clinton na Casa Branca, em 1993. Um dos comensais era um certo Jack Cizain. Ele dirigia uma certa Gec Alsthom, que virou a afamada Alstom suspeita de subornar autoridades tucanas em São Paulo. Ramos Pinto admite que trabalhou para a Alstom, mas diz que “nunca” fez intermediação de negócios. É o que o Ministério Público está investigando, segundo a reportagem exclusiva do jornal.

Mais ainda no Estado, o repórter Ribamar de Oliveira produziu a manchete do dia, ao descobrir mais um episódio suspeito no caso Varig. Pagando a taxa legal de R$ 0,84, ele obteve uma cópia do parecer do então procurador-geral da Agência Nacional de Aviação Civil, João Ilídio de Lima Filho. Datado de 11 de dezembro de 2006, quase seis meses depois da venda da VarigLog para a empresa Volo do Brasil – controlada pelo fundo americano de investimentos Matlin Patterson, com três sócios brasileiros tido como laranjas – o parecer diz que a autorização da Anac para o negócio foi uma “evidente violação” da lei.

Só que a decisão da agência, em 23 de junho de 2006, se baseou, para todos os efeitos legais, em outro parecer – emitido naquele mesmo dia pelo mesmo procurador. A então diretora da Anac, Denise Abreu, disse, primeiro ao Estado, depois no Senado, que a Casa Civil induziu Lima Filho a dar esse parecer, a ponto de pedir que deixasse o hospital onde estava internado para redigi-lo.

Têm razão os observadores Alberto Dines e Luciano Martins Costa quando criticam a imprensa pela fragmentação da cobertura do caso Varig. Falta, de fato, articular a massa de informações que pipocam nos jornais dia sim, o outro também, sobre essa história em que nenhum dos participantes parece inocente. Mas, de peça em peça, o cenário vai ficando cada vez mais alarmante. E se um dia a Justiça anular a venda da VarigLog, a compra da Varig pela VarigLog e, enfim, a compra da Varig pela Gol, a imprensa terá feito a sua parte para tal.

A propósito, no Correio Braziliense, o repórter Ricardo Brito traz outra novidade que indica como são turvas as águas em que navegam os espertos negociantes e os seus influentes patronos empenhados em destruir a Varig para salvá-la, como dizia nos anos 1960 um general americano ao explicar por que mandara bombardear uma aldeia vietnamita, suspeita de abrir guerrilheiros do Viet Cong.

A abertura da matéria:

‘O escritório de advocacia de Roberto Teixeira orientou com e-mails e fax para que o fundo Matlin Patterson, sócio estrangeiro que comprou a VarigLog, transferisse US$ 85 milhões da conta da sociedade na Suíça para a conta do fundo de investimentos sediado em Nova York. Logo após a exclusão dos sócios brasileiros da administração da VarigLog, determinada pela Justiça paulista em 1º de abril, o chinês Lap Chan voou para a sede do fundo e de lá, com a ajuda da filha de Roberto Teixeira, Valeska Martins, e do advogado Cristiano Martins, tentaram fazer a remessa desses recursos para os Estados Unidos.

Os US$ 85 milhões depositados na Suíça são parte dos US$ 320 milhões pagos pela Gol na compra da VarigLog, adquirida no início de 2007. Lap Chan costurou a operação assim que o juiz José Paulo Magano, da 17ª Vara Cível de São Paulo, responsável pelo processo de dissolução da sociedade, excluiu os sócios brasileiros do negócio por desvio de recursos e má gestão. Na prática, Magano deu ao chinês poder para administrar sozinho a sociedade, mas não para movimentar recursos para o fundo de investimentos.’

Pelo menos hoje não se pode acusar os jornais de faltar com o leitor.