O desdobramento do caso da brasileira envolvida num confuso incidente na Suíça está deixando a zona do sensacionalismo e xenofobia nacionalista para entrar na esfera do drama pessoal. Está deixando de ser um fato para tornar-se um tema, e é aqui que está uma das grandes diferenças entre a dinâmica do noticiário e a aquilo que a sociedade espera de sua imprensa.
Depois que se avolumaram os indícios da tentativa canhestra da advogada de 26 anos de obter vantagens ainda pouco claras, a cobertura factual perdeu o ingrediente sensacionalista e salvo algum fato novo, tende a sumir do noticiário.
Com isto, o público terá poucas chances de conhecer as razões reais que levaram a moça a fazer o que fez. Descobrindo os motivos, será possível entender o contexto pessoal e familiar de Paula, dando ao público condições de extrair lições do caso.
O episódio da suposta auto-mutilação ganhou as manchetes da imprensa aqui e na Suíça por conta de sua associação à crescente hostilidade de alguns setores da sociedade européia à imigrantes e visitantes oriundos da América Latina, África e Ásia. Era um prato feito para ganhar a atenção de leitores e telespectadores.
Além disso tinha um componente político. O pai da moça é ligado a parlamentares do partido Democratas e foi por meio dele que o suposto ataque de neonazistas à advogada de 26 anos chegou ao conhecimento do jornalista Ricardo Noblat, que imediatamente publicou o caso no seu blog. O chanceler Celso Amorim e o presidente Lula também enxergaram dividendos políticos no episódio e compraram a versão de Noblat.
Agora o contexto está mudando e o grande interesse passa a ser porquê Paula teria se auto-mutilado. Esta nova cara do problema já não tem mais os mesmos ingredientes políticos e nem o sensacionalismo que atraíram tanta atenção da mídia. Pelo contrário, o que se vê é um recuo encabulado imprensa para tentar sepultar o mais rápido possível os vexames de uma cobertura desastrada.
Ao fazer isto a mídia está olhando apenas para o próprio umbigo, em vez de ver no caso um pretexto para investigar em detalhes porque uma moça de classe média alta, bonita, com um bom emprego, vivendo na Europa teria encenado um ataque de neonazistas. Não se trata de voyeurismo ou morbidez, mas sim de uma preocupação séria em buscar o contexto dos fatos.
Enquanto a nossa imprensa procura sair de fininho, a da Suíça deita e rola nas mais variadas suposições, desde dinheiro até chantagem amorosa, para tentar explicar o comportamento da moça. Com isto reforça a percepção de que os estrangeiros, em especial latino-americanos, são aproveitadores e pouco confiáveis.
Tanto lá como aqui, a mídia deixa de lado a sua função social, que seria discutir o tema e não apenas os fatos, para dar aos seus leitores a possibilidade de identificar comportamentos e situações, capazes de novos casos de auto-mutilação.
Esta é outra cara do episódio Paula Oliveira. Menos apaixonante, menos espetacular e desprovida de motivações mesquinhas. O que Paula fez é preocupante não pela dissimulação de gravidez, pela “barriga” que gerou no blog de Ricardo Noblat ou pelas trapalhadas cometidas pelo chanceler Amorim e pelo presidente Lula.
Mas porque ofereceu indícios consistentes de que a mídia parece inclinada a uma condenação sumária da advogada pernambucana, sem discutir os erros da cobertura jornalística com os seus leitores e muito menos gerar um debate sobre as causas do episódio para que o público possa desenvolver novas atitudes e percepções na questão da xenofobia, por exemplo.