Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A crise dos valores jornalísticos na transição de modelos de produção de notícias

Está cada vez mais claro que os problemas atuais enfrentados tanto pela imprensa convencional como pelos projetos de jornalismo na Web se devem à conjuntura de transição de um modelo de comunicação para outro, mais do que a estratégias e equipamentos equivocados.


 


É claro que tanto as indústrias de impressos e audiovisuais como os novos empreendedores digitais cometeram muitos erros e estão pagando por isto. Mas talvez o maior deles foi encarar as dificuldades atuais como resultado de imperícia ou ignorância.


 Ilustração publicada originalmente no The New York Times


O que estamos vivendo hoje é um momento de transição entre um modelo unidirecional, vertical e centralizado de produção de informações para outro multidirecional, horizontal e descentralizado. E como em toda a transição deste tipo, está presente uma forte dose de incerteza e insegurança, porque não dá para prever com segurança qual será o desfecho da mudança de padrões.


 


Mas se é impossível traçar um perfil da atividade informativa no futuro, por outro já temos idéias bastante claras sobre o tipo de mudanças de hábitos e valores que estão acontecendo na atividade dos jornalistas autônomos, que não têm vínculos empregatícios.


 


Durante os últimos 100 anos as indústrias da comunicação e os jornalistas viveram numa espécie de Olimpo. As estratégias corporativas eram sólidas e rendiam invejáveis dividendos para acionistas e famílias proprietárias de conglomerados midiáticos. As práticas e códigos do jornalismo eram repassados de geração a geração, ganhando cada vez mais o status de verdades inquestionáveis.


 


De repente tudo muda por conta do surgimento da computação e da internet. Tanto empresários como jornalistas demoram a perceber a profundidade e amplitude das mudanças e o que vemos hoje é uma perplexidade crescente, seguida por um pessimismo contagiante.


 


A dificuldade em assumir a transição reside na necessidade de assumir também os seus valores, ou seja, de que num momento de incerteza e imprevisibilidade não há mais verdades absolutas  nem fórmulas mágicas. Que todos podem ter uma dose variável de razão e que a solução dos problemas vai acontecer pela via da experimentação e reflexão.


 


Quando se fala em experimentação, está implícita a possibilidade de erro. Qualquer experiência, em qualquer ramo do conhecimento humano, tem este risco. Só que no jornalismo nos acostumamos a não admitir erros. O erro está associado à idéia de castigo e como ninguém quer ser punido, logo não experimenta e portanto se agarra ao que é seguro.


 


A resistência à mudança se alimenta, basicamente, deste processo, que é velho e já foi objeto de infindáveis estudos e pesquisas. Mas não adianta: na hora em que o bicho pega todos acabam procurando alguma forma de segurança e certeza. É uma questão de valores pessoais e coletivos.


 


Tecnologias, equipamentos e processos podem ser atualizados emTransição de mídias tempo recorde, mas os valores individuais e coletivos em geral levam anos para ser mudados. Daí a importância de ver o momento atual como uma transição de modelos. Não é nenhuma tragédia e nem é a primeira vez que isto acontece.


 


Quando Gutenberg inventou os tipos móveis para impressão, a incerteza e a insegurança também se abateram sobre os que tiveram suas funções e interesses ameaçados pela inovação tecnológica. O mundo não acabou e a mudança deu origem à imprensa que temos hoje — e que agora vive o seu momento de transição.


 


Ascensão do público como protagonista proativo na comunicação digital graças à Web mudou irreversivelmente as regras do jogo, criando uma nova ecologia informativa na qual a mídia convencional não é mais o ator hegemônico. 


 


Se as indústrias de jornais e de audiovisuais, bem como os jornalistas, não enxergarem esta realidade ficará difícil entender a natureza da transição, o que complica ainda mais a incorporação de novos valores e rotinas no exercício da atividade informativa.


 


Se você leu até aqui, pode estar se perguntando: ‘Poxa, mas isto é tão óbvio e tão velho!?!’ Você está certo, sim, mas quantos de nós já pararam para refletir sobre estas obviedades?