Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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TELEVISÃO
Marcelo Marthe

Os nerds com banda larga

‘Para qualquer pessoa não iniciada em física, haverá poucas discussões mais impenetráveis do que aquela que opõe os defensores da Teoria das Cordas aos adeptos da Teoria da Gravidade Quântica em Loop. As duas oferecem interpretações distintas sobre a natureza do universo – e disputam qual seria capaz de unificar os grandes conceitos da física. Enquanto permanece em aberto, contudo, a disputa se presta a uma finalidade mais comezinha: servir de mote para o riso na sit-com americana The Big Bang Theory. A série – cujo título se refere, aliás, a outra teoria complexa: aquela que explica a origem do universo, há 14 bilhões de anos – acompanha a vida de dois jovens físicos que dividem um apartamento. Leonard (Johnny Galecki) e Sheldon (Jim Parsons) interagem com uma dupla de amigos não menos crânios do que eles, o engenheiro Howard (Simon Helberg) e o astrofísico Raj (Kunal Nayyar). E também com Penny (Kaley Cuoco), a vizinha com corpinho de loira do Tchan – e intelecto idem. Os quatro rapazes são geeks – rótulo que se aplica aos maníacos por ciência e tecnologia. Nos Estados Unidos do começo do século XX, o termo se referia a artistas circenses que protagonizavam bizarrices como arrancar a cabeça de galinhas com os dentes e devorar bugs – ou insetos. Os geeks atuais ganharam tal denominação por exterminar outro tipo de bug – as falhas operacionais dos computadores. A ligação com a internet e os video-games os diferencia dos nerds, a categoria mais notória dos caxias das ciências exatas. O geek é um nerd com banda larga.

Atualmente, há um certo nicho geek na TV americana. A série Chuck (do canal pago Warner, o mesmo que exibe The Big Bang Theory) fala de um viciado em computação que se transmuta em agente secreto. No reality show Beauty and the Geek, beldades com cabecinha de vento se relacionam com feiosos de QI avantajado (no canal brasileiro Multishow, o programa ganhou um apropriado título de pornochanchada: As Gostosas e os Geeks). Em matéria de popularidade, porém, nenhuma dessas atrações ombreia com The Big Bang Theory. Quando o programa surgiu, em 2007, a rede americana CBS não tinha lá grande expectativa. O episódio piloto foi reprovado – e o produtor Chuck Lorre só teve uma segunda chance porque estava por trás de outra sitcom de sucesso da emissora, Two and a Half Men. Foi preciso esperar até a terceira temporada, em 2009, para The Big Bang Theory demonstrar a que veio. No momento, a série ameaça desbancar a própria Two and a Half Men (protagonizada pelo barraqueiro Charlie Sheen) da posição de a comédia mais vista da TV americana. No Brasil, também se converteu num dos carros-chefe da Warner.

O arco de interesses dos geeks abarca das teorias avançadas da física aos video-games e à ficção científica (o leitor pode avaliar seu entrosamento com esse universo no teste na página ao lado). O personagem Sheldon é o cúmulo disso: ele tece considerações sobre a ‘função beta da cromodinâmica quântica’ e já enumerou as incongruências dos filmes do Super-Homem à luz das leis da mecânica. Os produtores da série contam com a consultoria de um cientista. Professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles, o astrofísico David Saltzberg recebe os roteiros inacabados, com pontilhados em branco acompanhados da indicação: ‘a preencher com ciência’.

The Big Bang Theory explora o contraste entre a inteligência dos geeks e sua suposta estultice social. Apesar de ser um gênio que entrou na faculdade aos 11 anos, Sheldon é infantiloide e misógino. A azaração também não é o forte dos colegas. O almofadinha Howard se julga sexy, mas não tem namorada e vive com a mãe. O indiano Raj padece de uma mudez patológica diante das garotas. Na comunidade científica americana, há quem torça o nariz para o fato de os geeks serem mostrados assim. É da natureza das sitcoms, contudo, extrair humor da caricatura. E, no fim das contas, a série oferece uma visão bem simpática da categoria. Seu lado, digamos, humano é revelado por meio do personagem Leonard – pois a excentricidade não o impediu de viver um romance com a loira do apê ao lado. De Steve Jobs, dono da Apple, a Larry Page e Sergey Brin, fundadores do Google, os geeks já eram os senhores da chamada nova economia. The Big Bang Theory é a prova de que eles venceram também nos domínios da cultura pop.’

 

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