Perdida no meio da matéria da Folha sobre o vandalismo numa escola pública da zona leste de São Paulo [“Alunos brigam, depredam escola e apanham da PM”, de 13/11], há uma referência ao aluno “W.”, de 14 anos, expulso há três semanas por agredir professores. “Como a dicção do menino é precária”, os repórteres pedem-lhe que escreva o nome em um papel. Ele diz que não dá: “Só sei copiar.”
W. talvez não seja um exemplo típico dos alunos daquela escola, ou do sistema de ensino fundamental do Estado. Mas, por tudo que se sabe do nível da educação básica no país, mesmo em São Paulo, não é de supor que se trate de uma completa exceção à regra.
Nesse sentido, W. é uma pauta permanente: mais até do que uma explosão de violência numa escola – e a violência, ainda que em menor escala, faz parte do cotidiano escolar –, ele encarna uma realidade de que a imprensa só se ocupa quando saem os abrumadores resultados dos testes de aprendizagem na rede pública.
O caso dele é tão forte que é de imaginar que desvie a atenção do assunto propriamente dito da reportagem – pelo menos por um instante. Não é possível que o leitor não se pergunte que ensino é esse que produz alunos de 14 anos que só sabem escrever o nome, copiando.
Ora, se dirá, qual a novidade? A novidade, se essa é a palavra, está na perpetuação de uma falência, entra ano, sai ano. Parece que a escola brasileira é uma linha de montagem de “W.s” que nada nem ninguém consegue reverter – a tal ponto que isso deixou de ter interesse jornalístico.
Não se trata de cobrar da imprensa “a” matéria sobre a crise da educação. Trata-se de não deixar passar nenhuma oportunidade de se ocupar dela. Para não tirar da vista do público o descalabro de uma instituição “com marcas evidentes de obsolescência”, como escreveu domingo no caderno Aliás, do Estado, o sociólogo José de Souza Martins, no artigo “A escola do avesso”.
Pois se um quebra-quebra numa das escolas mais antigas de São Paulo é obviamente notícia, é também notícia, embora não obviamente, a julgar pela indiferença da mídia a respeito, essa rotina de fracasso da educação de massa no país – os comos e os porques de um sistema que põe no mundo jovens inaptos a escrever o próprio nome, sem copiar, ou pouco mais que isso.
De mais a mais, violência e fracasso escolar se realimentam. Uma coisa e outra expressam a “perda da legitimidade da escola como instituição auxiliar na socialização das novas gerações”, provocada pelo “histórico esvaziamento da autoridade do professor e a demissão da família como co-responsável pela educação”(Martins).
E a imprensa, não se terá demitido do papel de trabalhar com avaliações como essas, mas no plano dos fatos ao alcance de um bom repórter?
Em educação e em uma infinidade de outras áreas, o conceito pode ser um guia de primeira ordem para o jornalismo de apuração. Ou este pode pôr à prova o jornalismo de idéias.
Dito de outro modo, se o caso do menino W. é uma pauta pronta para descrever a escola brasileira, outra porta de entrada para o desastre da educação é, por exemplo, a interpretação sociológica de que “a escola se burocratizou, os salários afetaram a própria auto-estima dos professores, uma mentalidade proletária ocupou na vida do professor o lugar da idéia do ensino como missão civilizadora”.
O que se quer dizer, em suma, é que está faltando imaginação jornalística para manter a crise do ensino no noticiário. Olhando de fora, tem-se a impressão de que o assunto provoca nas redações mais enfado do que qualquer outra coisa.
Assim é, se lhes parece
De um engraxate a seu cliente, numa rua paulistana:
”…e ele vem ao Brasil!”
De um advogado a um familiar, num restaurante paulistano:
”…e ele vem ao Brasil!”
”Ele” é o presidente-eleito dos Estados Unidos, Barack Obama. O pessoal de imprensa do Planalto tinha avisado a imprensa, na véspera, de que, na primeira conversa por telefone entre eles, o presidente Lula, que estava em Roma, convidou o americano a vir ao Brasil e ele aceitou o convite.
Como os telejornais deram a notícia sem se preocupar em esclarecer que a aceitação do convite foi apenas protocolar – já imaginaram se o convidado respondesse “não, obrigado”, ou “quem sabe, vamos ver”? –, para o público é um fato consumado.
E em se tratando de Obama, a reação do público brasileiro – aqui representado pelos personagens dessas duas vinhetas absolutamente verídicas – é de puro regozijo.
Jornalistas raramente param para pensar no efeito para quem os ouve ou lê do modo como os fatos são contados. Deviam.