O veterano Wilson Figueiredo, durante décadas editorialista do Jornal do Brasil, saúda o discurso feito pelo presidente Lula na assinatura da Declaração de Chapultepec, na quarta-feira (3/5) como um fato novo, não exatamente pelo que foi dito, mas por quem o disse. O assunto foi comentado hoje por Alberto Dines no programa de rádio.
“Mais do que a reeleição representar garantia de democracia, é a democracia que permite a reeleição”, foi a compreensão demonstrada por Lula, segundo Figueiredo. “Finalmente demonstrou-se a tese de Brizola de que o PT era a UDN de macacão”, afirma o jornalista. “O PT despiu o macacão e assumiu a UDN”.
Eis a entrevista:
Confiança na liberdade de imprensa
Criou-se um fato realmente novo. É a primeira vez que o Lula supera o ressentimento que estava embutido desde a primeira candidatura dele. Um ressentimento de classe que era inútil e retardou a chegada dele ao poder. Com essa declaração, ele ganhou uma certidão de cidadania como ele nunca teve. Ele ficou acima do PT, ou do antigo PT. É possível que o PT nem o acompanhe nessa nova posição. Mas o que ele disse foi importante. Não pela coisa em si, mas por ele ter dito.
Ele demonstrou confiança na liberdade de imprensa como ele nunca tinha demonstrado. Ele reconheceu que chegou ao poder graças à imprensa. Não que a imprensa tenha feito campanha por ele. Mas a maneira como a imprensa o tratou, com naturalidade, como um homem do mercado, como uma figura da política, ou da vida pública brasileira, foi o que o levou ao poder. Não foi pelo que ele disse, foi o que eleitor quis ouvir dele, pôde ouvir dele. A imprensa é meio, não é fim.
A importância reside no fato de ele ter dito. Não disse nenhuma novidade. Ele percebeu que a liberdade de imprensa é mais importante do que a reeleição. Mais do que a reeleição representar garantia de democracia, é a democracia que permite a reeleição. A liberdade de imprensa é permanente. A reeleição é um episódio. Isso é sagrado. Isso é uma nova maneira de ver as coisas. Alguém pode dizer: Mas ele só falou isso porque está em campanha. Mas muito bem: quando um candidato fala, ele assume um compromisso. Ele não será obrigado a praticar o que ele está dizendo, mas o fato de ele ter dito isso pode ser usado contra ele no futuro, pode ser usado para chamá-lo às falas.
Perdeu porque o adversário ganhou…
O Lula declarou agora que perdeu as eleições anteriores porque teve menos votos (“Uma das razões pelas quais eu perdi as eleições, eu descobri logo: é que uma parcela da sociedade não tinha votado em mim, tinha votado no outro. Ao invés de reclamar, nós resolvemos detectar onde tínhamos errado e tentar consertar”; ver a íntegra adiante).
Uma vez Milton Campos, que era ministro da Justiça, disse exatamente isso. Em 1965, respondeu a um repórter que lhe perguntou por que a UDN havia perdido: “Porque o candidato contrário obteve mais votos”.
UDN com e sem macacão
O Lula acabou de dizer a mesma coisa para explicar por que ele perdia. Realiza-se uma previsão do [Leonel] Brizola. Brizola usou isso como fato do dia, mas no fundo era uma profecia , que agora se cumpre: o PT despiu o macacão e assumiu a UDN. Ou seja, o que se chama de UDN, o que a UDN explorou, foi exatamente o espírito da liberdade de imprensa, e tudo que [em política] decorre dela. Ou seja, quase tudo. Porque sem ela você não tem nem noção de que há liberdade. O que nos dá a sensação de liberdade, mesmo nos seus excessos, ou principalmente neles, é a liberdade de imprensa.
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Eis o discurso do presidente Lula na cerimônia de assinatura da Declaração de Chapultepec, em 3 de maio de 2006:
“Meu caro ministro Hélio Costa, ministro das Comunicações,
Meu caro ministro Luiz Dulci, da Secretaria-Geral da Presidência da República,
Meu caro Paulo de Tarso Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos,
Meu caro André Singer, secretário de Imprensa,
Meu caro Nelson Sirotsky, presidente da Associação Nacional de Jornais,
Senhora Diana Daniels, presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa,
Senadora Ideli,
Deputados federais,
Empresários da imprensa brasileira,
Jornalistas,
Meus amigos e minhas amigas,
Assinar uma Carta que consagra a liberdade de imprensa é apenas mais um gesto de constatação de que a liberdade faz parte da nossa vida e sem a liberdade nós não seríamos o que somos e, possivelmente, não poderíamos almejar algo melhor do que temos.
Eu nasci para o mundo político graças à liberdade de imprensa. Num momento em que o movimento sindical era pouco difundido na imprensa brasileira, no ano de 75, eu fiz parte de um conjunto de dirigentes sindicais que chamou a atenção de uma parte da imprensa brasileira, e nós conseguimos, em pouco menos de cinco anos, sem que mudássemos uma única vírgula na legislação que rege a estrutura sindical brasileira, nós mudamos um pouco a história do movimento sindical brasileiro. E isso não seria possível se não fosse a liberdade de imprensa.
Depois criamos um partido político onde era pouco previsível, àqueles que montaram a engenharia da reestruturação político-partidária do Brasil, que nós fôssemos surgir no cenário político. A verdade é que a reforma política não estava prevista para que nós criássemos um partido com as características com que nós criamos o PT.
E, outra vez, eu devo à liberdade de imprensa do meu país o fato de termos conseguido, em 20 anos, chegar à Presidência da República do Brasil. Perdi três eleições. Eu duvido que tenha um empresário de imprensa que, em algum momento, tenha me visto fazer uma reclamação ou culpando alguém porque eu perdi as eleições. Uma das razões pelas quais eu perdi as eleições, eu descobri logo: é que uma parcela da sociedade não tinha votado em mim, tinha votado no outro. Ao invés de reclamar, nós resolvemos detectar onde tínhamos errado e tentar consertar.
Ou seja, o fato concreto é que com erros e acertos, com a imprensa falando o que eu gostaria que ela falasse ou não, eu cheguei à Presidência da República. E estou aqui, fui alertado agora que não são mais 39 meses, já são 40 meses, e, outra vez, é com muito orgulho que, na frente de jornalistas e de empresários da imprensa, eu posso dizer: nunca peguei um telefone, enquanto Presidente da República, para ligar para qualquer empresário ou jornalista reclamando de alguma coisa, porque na hora em que um dirigente político quiser levantar todos os dias e só ver notícias boas sobre ele, a democracia estará correndo um sério risco e nós poderemos estar entrando numa maré de autoritarismo. E não são poucos os políticos que reclamam com vocês, não são poucos. Eu fico imaginando o quanto de telefonemas vocês recebem todos os dias: “não, porque tal coisa é verdade, tal coisa mentira, tal coisa saiu”.
Eu penso que nós temos que contar com uma coisa fundamental, que muitas vezes nós colocamos num segundo plano, que é a sabedoria daqueles que vêem televisão, daqueles que lêem jornais e daqueles que ouvem rádio. Nós temos que acreditar que esse povo por si só consegue fazer uma diferenciação daquilo que é correto, daquilo que não é correto, daquilo que ele acha que é verdade e daquilo que ele acha que é exagero. Engana-se aquele político que acha que faz as coisas e pensa que o eleitor não faz o julgamento correto.
E se engana, também, aquele que escreve alguma coisa sem imaginar ou sem acreditar que o povo tem capacidade de discernimento para saber o que é exagero, o que é verdade, o que é mentira. É essa a sabedoria da sociedade, Nelson, que me dá tranqüilidade de assinar uma Carta como esta, dizendo que a liberdade é a razão da minha entrada na política. A liberdade de imprensa é a razão pela qual eu cheguei à Presidência da República; a liberdade de imprensa é a razão pela qual as instituições brasileiras dão demonstrações mais sólidas de crescimento e sustentabilidade democrática.
E hoje o Brasil é um país que caminha a passos largos para não permitir que nenhuma intempérie menor coloque em risco a democracia. Hoje todos nós estamos convencidos, sejam políticos ou jornalistas, artistas, governadores ou prefeitos, empresários da imprensa, todos nós, hoje, estamos convencidos: o Brasil é um país de instituições sólidas. Poderemos aperfeiçoá-las? Poderemos aperfeiçoá-las. Elas podem ser aprimoradas? Podem ser aprimoradas. E isso é o que garante a existência da democracia no nosso país, é o que garante a existência da liberdade de imprensa no Brasil.
E eu iniciava a minha vida sindical quando se iniciava também um período muito duro de censura à imprensa brasileira. E no que resultou a censura à imprensa brasileira? Resultou em um grau de amadurecimento político ainda mais forte da sociedade brasileira. Eis que, de repente, em 1974, um partido de oposição que, em 1970, tinha pensado em fechar as portas porque não tinha eleito ninguém, em 1974 ressurge com uma força enorme, elegendo a maioria dos senadores em 1974. Eis que, de repente, quando pouca gente acreditava, o povo vai para a rua reivindicando as eleições diretas. E mesmo aqueles que não acreditaram, no primeiro momento, foram obrigados a seguir os passos que a sociedade brasileira estava dando, de forma muito forte e muito viva.
Houve momentos em que pessoas entendiam que no Brasil, quando a imprensa começou a divulgar os escândalos no governo Collor, na classe política, por exemplo, tinha gente que tinha medo do impeachment porque não acreditava, não sabia o que ia acontecer depois do impeachment. Teve o impeachment e o que aconteceu? Nada, o Brasil seguiu a sua trajetória sem nenhuma preocupação.
Portanto, assinar esta Carta para mim, no dia de hoje, é apenas dizer aos senhores políticos, aos empresários da imprensa, aos jornalistas que, no Brasil, não há mais espaço para a censura; no Brasil, não há mais espaço para condenar a liberdade de imprensa; no Brasil não há mais espaço para que a gente não compreenda, de uma vez por todas, que quanto mais poder nós temos, mais responsabilidade nós temos que ter. Isso vale para um presidente da República, para um prefeito, para um governador, para um jornal, para um grande jornalista. O que vai nos depurando e nos aprimorando é o grau de responsabilidade que a gente tem e o grau de seriedade com que nós tratamos os problemas que se apresentam à nossa frente.
Toda vez que me levanto e penso em reclamar da imprensa, fico imaginando que o Nixon renunciou por causa de uma mentira. Eu fico imaginando pelo que passou o Bill Clinton, com os problemas da Casa Branca, e foram meses e meses. Eu fico imaginando, em todas as reuniões de presidentes, Sirotsky, a grande reclamação é do tratamento da imprensa, e eu fico sempre pensando: houve algum momento, na história do Brasil ou na história de algum país do mundo, em que a imprensa, quando as coisas não estão boas, deixasse de ser a vilã? Não houve. Eu penso que todos nós temos a simplicidade de tentar encontrar o culpado por uma coisa que aconteceu, que nós não queríamos que acontecesse, e eu digo sempre o seguinte: ao invés de a gente ficar procurando um culpado fora do nosso meio, quem sabe é melhor a gente olhar se ele não está dentro de nós mesmos.
Por isso eu quero que vocês tenham a certeza de que, enquanto eu for Presidente da República deste país, vocês serão cada vez mais livres, cada vez poderão dizer o que quiserem, porque não haverá, da parte do governo, nenhuma censura. Estaremos subordinados à compreensão daqueles que lêem, daqueles que assistem e daqueles que ouvem, e os governantes estarão à mercê do julgamento daqueles que votam no país. Se compreendermos esse jogo, nós iremos construir a mais sólida democracia e a mais sólida liberdade de imprensa deste mundo.
Muito obrigado e boa sorte a vocês.”