Pela primeira vez, o projeto de lei que define o ato médico terá como relator um congressista sem vínculo com o setor de saúde. Que bom seria se outro projeto – o de criação do Conselho Federal de Jornalismo, ou de Jornalistas – pudesse, na Câmara, ter sido relatado por um deputado isento.
Médicos, preocupados com o avanço do que chamam charlatanismo, opõem-se a profissionais de saúde com formações diversas, os quais, por sua vez, acusam o corporativismo dos médicos.
Para os jornalistas, seria interessante garantir o cumprimento da lei da profissão (por exemplo, que as empresas contratassem jornalistas legalmente habilitados para as funções próprias, o que raramente acontece fora das metrópoles, e mesmo nelas) e o código de ética da profissão (o que é, da parte do jornalista, decisão individual, para a qual ele merece ter respaldo em instância mais alta do que a do dono do seu emprego).
Natural coincidência
Pessoas e instituições levam para as ruas o debate sobre o ato médico. Estão sendo colhidas assinaturas para convocar uma audiência pública sobre o tema. Quem tem o que dizer, mesmo que não seja ouvido, não precisará ficar calado.
Já o projeto de criação de um conselho federal para os jornalistas teve outro destino. Foi enviado ao sono dos arquivos da Câmara sob a pedra de mais uma votação simbólica, instruída pela frente ampla de concessionários de emissoras e donos de jornais que milhões de brasileiros elegeram e sustentam.
Da cobertura viciada que a questão mereceu na imprensa, ficou o alerta cínico: jornalistas não podem ter um conselho profissional sem ferir de morte a livre imprensa no Brasil. Afinal, garanti-la é prerrogativa, finalidade e negócio de direito privado, regidos pelo mercado e fora do alcance de normas e regulamentos.
O discurso dos coronéis midiáticos traduz a idéia de que os jornalistas só precisam ‘fazer o seu trabalho’, como se o jornalismo fosse a natural coincidência entre os interesses da empresa e do público. Entre um e outro, o profissional percebe o jornalismo como uma mera ocupação, e a si mesmo apenas como uma peça na engrenagem; e na engrenagem não pode entrar areia.
Porto seguro
A possibilidade de fiscalização do cumprimento da lei que regulamenta a profissão e do código de ética e das reais condições de trabalho foi apresentada como atentado à democracia. Mas será que deve convir à sociedade que o jornalismo, como profissão, represente menos do que a de fisioterapeuta, corretor de imóveis ou detetive particular, que criaram e mantêm seus órgãos de fiscalização profissional sem celeuma?
Na área de saúde, a discussão sobre o ato médico – liderada pelos conselhos federais das profissões envolvidas – abrange aspectos éticos, políticos, filosóficos e até de direito do consumidor. No campo do jornalismo, o foco ainda não foi ajustado, por culpa das empresas e suas linhas editoriais – seguidas com fidelidade canina pelos chefes de plantão –, e o foro do Congresso, povoado de latifundiários da informação, não se mostrou o mais adequado no momento, em que faz falta uma audiência pública como a que enfermeiros, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde (inclusive alguns médicos) pretendem convocar.
Por isso saúdo este Observatório, porto seguro para o salutar debate e para algumas conclusões que não encontram espaço em outros meios, entre as quais a mais óbvia – já observada em texto de Alberto Dines: parlamentares com interesses diretos ou indiretos em empresas de comunicação não devem ser relatores de novos projetos sobre um possível conselho ou ordem de jornalistas.
Onde mais se pode ler isso nesses termos?
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Jornalista, Rio de Janeiro