Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Antonio Palocci desmoraliza a Veja

Depois de ouvir a prolongada entrevista do ministro Antonio Palocci (21/8), cada um pode escolher se continua acreditando, ou não, na acusação de Rogério Tadeu Buratti de que a concessionária da limpeza pública de Ribeirão Preto, a Leão & Leão, pagava sistematicamente uma propina mensal de 50 mil reais à administração Palocci, repassada por ele, ou com a sua autorização, ao tesoureiro petista Delúbio Soares.


O que fica difícil é escolher se continua acreditando, ou não, na versão da Veja desta semana (nº 1919, de 24/8/2005) de que ‘Buratti agendava encontros da Máfia do Lixo com Palocci já ministro’, como se lê na capa da revista debaixo da chamada ‘Denúncias atingem Palocci’.


Em mais de 40 anos de profissão, raras vezes, ou nunca, vi uma autoridade reduzir tão completamente a pó uma alegação irresponsável como esta, típica do jornalismo de esgoto praticada pela mais influente publicação semanal do país.


A detonação foi devastadora, até pela calma com que o ministro mostrou ao apertar o detonador. Não vou tomar o tempo do eventual leitor repetindo o que ele há de ter visto, ou verá nos telejornais da noite, ou lerá nos jornais de amanhã [segunda, 22/8].


Mas num ponto o ministro soltou uma verdadeira bomba. Em dado momento da reportagem, diz a Veja que ‘em um e-mail, Juscelino Dourado, atual chefe de gabinete de Palocci, pede, em nome do ‘chefe’, ajuda de Buratti para comprar um aparelho de espionagem eletrônica’.


O que a revista não diz – e Palocci contou – é que um assessor do ministro, procurado pela revista, negou que Juscelino tivesse feito isso ou coisa parecida. O jornalista voltou então à carga, dizendo que então pode não ter sido coisa do Juscelino, mas de outro membro da equipe de Palocci.


Diante do que o interlocutor da Fazenda pediu-lhe que mandasse cópia do e-mail alegadamente mandado a Buratti. A Veja não só não mandou coisa alguma, como não tornou mais a procurar o ministério.


É o caso de parafrasear a chamada de capa da revista: ‘Denúncias sem base desmoralizam a Veja‘. [Postado às 14h41 de 21/8/2005]




Com ou sem Palocci, o incerto futuro do paloccismo


Na mesma fatídica sexta-feira (19/8) em que o advogado Rogério Buratti deu com a língua nos dentes, o presidente Lula foi jantar com 25 pezzinovante da indústria brasileira.


O prato de resistência oferecido por ele ao baronato industrial foi ‘Palocci fica’, informa na Folha de S.Paulo de domingo (21/8) o colunista Guilherme Barros. Ou, segundo a colunista Sonia Racy, do Estado de S.Paulo, ‘aconteça o que acontecer’, a política econômica fica.


Devagar com o andor. É cedo para os adeptos do paloccismo – essencialmente, rigor fiscal mais juros altos – saírem soltando rojões. É cedo também para os seus detratores afundarem de vez na depressão em que se encontram.


A primeira questão que só o tempo responderá é: Palocci fica como? Em mais palavras, quanta bala de agulha ele terá doravante para resistir às renovadas pressões, dentro e fora do governo, dentro e fora do PT, pelo afrouxamento do garrote fiscal?


É bem verdade que Lula crê no paloccismo com o fervor dos convertidos. Ele credita ao ministro – que foi o coordenador de sua campanha presidencial e o seu principal representante no processo de transição de governo – o que de melhor tem a apresentar em matéria de números sobre o desempenho da economia nacional.


Não há o mais remoto indício de que dê a devida importância à conjuntura internacional, extremamente favorável ao crescimento econômico brasileiro. Muito menos ao argumento dos críticos de que, por causa do paloccismo, esse crescimento é uma mediocridade, inferior aos dos países ditos emergentes, com os quais o Brasil deve ser comparado, como a Índia, a Rússia e, naturalmente, a China.


Antes mesmo de Buratti, Lula contrariou Palocci


Mas, se ficar reduzido à condição de pato manco (lame duck), como os americanos se referem aos políticos que continuam onde estão, mas impotentes, ou semi, é certo como a noite depois do dia que aumentará o fogo, que não tem nada de amigo, contra ele, vindo em primeiro lugar do PT, onde a política econômica é um dado central na luta pelo poder depois da era Dirceu.


Talvez muita gente não tenha prestado atenção, mas, apoiado entre outros pela sucessora de Dirceu na Casa Civil – um dado a levar em conta – Lula cortou as asas da intenção de Palocci de elevar para 5% do PIB, em vez dos atuais 4,25% o famoso (ou infame) superávit fiscal (receitas menos despesas, descontados os juros pagos). Do jeito que está já está bom, decretou o presidente.


E isso foi antes de Buratti apontar o dedo para o seu antigo chefe.


Um Palocci enfraquecido significará a abertura do sinal verde para todos quantos interessados em dizer a Lula que a inflexão da linha econômica é essencial para vitaminar as condições políticas de que dependem as suas chances reeleitorais. Ela não só motivará o PT a ir para luta com outro ânimo, como ainda será um forte chamariz para o que o presidente mais quer na vida reeleitoral: atrair o PMDB.


Além disso, como está no fecho do editorial do Estadão do mesmo domingo, 21, ‘não se pode imaginar que Palocci conduza o Ministério da Fazenda sendo a cada momento chamado a depor em CPIs e outras investigações’.


Agora, a segunda certeza que é menos certa do que parece: Palocci sai, é substituído por um Murilo Portugal ou assemelhado, que esteja para Palocci como este para o seu antecessor Pedro Malan e a política econômica permanece blindada.


É o que acham os economistas e empresários entrevistados pelo repórter Marcelo Billi para a matéria ‘Modelo resiste sem Palocci, dizem analistas’, da Folha de domingo.


A miopia dos tecnocratas


‘Cabeças de planilha’, como os chamaria o colunista Luís Nassif, também da Folha, dizem que o cenário externo positivo e, principalmente, a ‘falta de alternativas’ garantem a sobrevivência do paloccismo sem Palocci.


Eles não estão necessariamente errados – mas correm o risco de estarem mais errados do que certos. Porque a sua visão tecnocrática impede que enxerguem, além da política econômica, o ambiente político que se respira no governo, de que aquela depende.


Política econômica – como qualquer outra, porém mais ainda – não é uma fórmula que, uma vez merecedora do bater do martelo de presidentes ou primeiros-ministros, se auto-aplica e se perpetua, seja quem estiver no seu comando.


Um número imenso de decisões de governo tomam ou deixam de ser tomadas conforme a ascendência do ministro da Fazenda sobre o chefe de Estado. E é bom não esquecer que a conjuntura ampliou enormemente o papel político de Palocci. Hoje ele e o colega Marcio Thomaz Bastos, da Justiça, são os mais iguais entre os iguais que formam o chamado Gabinete da Crise.


Dois ministros da Fazenda podem ter o mesmo pensamento econômico. Mas dificilmente terão o mesmo cacife político, nas suas relações dentro do governo, com os políticos, o tal do mercado e a sociedade.


Isso pesa mais até do que os supostos méritos e eventuais resultados da política econômica. O malanismo sobreviveu – até ao ministro Pedro Malan – não só porque Fernando Henrique lhe deu carta-branca. Mas porque ele ficou do primeiro ao último dia dos oito anos de seu governo.


O fator ‘confiança pessoal’


E ficou porque tinha reunido as condições políticas para tanto, a começar da confiança pessoal de um presidente que era – e é – mais amigo de quem mais tentou puxar o tapete de Malan, o ‘desenvolvimentista’ José Serra.


Já se disse muitas vezes, e a idéia não é de jogar fora, que se o hoje prefeito de São Paulo tivesse sido eleito presidente, a política econômica seria mais próxima dos sonhos do PT do que a do companheiro Palocci. Mesmo porque ele não precisaria provar aos mercados que não ia dar o calote na dívida.


A julgar pelo que deram os jornais do último fim da semana, o único a chamar a atenção para a diferença entre ministro da economia e política econômica foi o americano John Williamson, que entrou para a história por ter inventado a expressão ‘consenso de Washington’. Ouvido pela Folha, foi ao nervo do problema. ‘Mesmo que outra pessoa indicada para o lugar de Palocci tenha as mesmas idéias’, argumentou, ‘não está claro se seria alguém com a mesma competência, e certamente seria improvável que ele comandasse com o mesmo peso político que Palocci veio a ter’. [Postado às 12h03 de 21/8/2005]