Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Papelão dos jornais no caso Unger

Se não faz diferença para o leitor, devia fazer, porque é um deslize ético, um sinal de arrogância – e, no limite, uma deslealdade à concorrência e um desrespeito ao consumidor de informação.

Trata-se do mau hábito dos jornais brasileiros, só excepcionalmente deixado de lado, de omitir nas matérias em que isso se aplicaria o crédito ao competidor que levantou o assunto em primeiro lugar.

Quando a notícia é secundária, vá lá. Todo dia um jornal dá algo antes dos outros, que correm atrás do prejuízo para compensá-lo na edição seguinte.

Mas quando a questão é a nomeação de um ministro, ainda mais porque ele ficou pendurado na broxa por causa de uma informação divulgada com exclusividade por um jornal, o que parece ter apanhado de surpresa a própria cúpula do governo – aí é dose.

Eis o primeiro capítulo do caso.

Na quarta-feira, o colunista Guilherme Barros, do caderno Dinheiro, da Folha de S.Paulo, deu em primeira mão que o professor Roberto Mangabeira Unger, da Universidade Harvard, cuja posse na nova Secretaria de Ação de Longo Prazo estava marcada para o próximo dia 13, entrou nos Estados Unidos com uma ação contra a Brasil Telecom (BrT) para recebimento de honorários, além dos US$ 2 milhões que já teria embolsado.

Entre os principais acionistas da empresa estão fundos de pensão de estatais brasileiras – o que por si só criaria uma situação de conflito de interesses no momento mesmo em que Unger assumisse a condição de ministro no Brasil.

Segundo capítulo.

No dia seguinte, ontem, portanto, o repórter Kennedy Alencar, também da Folha, assinou matéria segundo a qual a revelação do colega foi a gota de água para o presidente Lula consumar o que já vinha querendo há algum tempo – desconvidar o professor que em 2005 o acusara de chefiar o governo mais corrupto da história do Brasil e pedira o seu impeachment.

Assessores presidenciais aproveitaram a ensancha para vazar a versão de que o chefe só resolveu trazer Mangabeira ao Planalto para fazer um agrado ao vice José Alencar, a cujo partido, o PRB, o professor se filiou. Isso porque Alencar não lhe pediu absolutamente nada, além de um lugar para o correligionário, na montagem do ministério do segundo mandato.

Mas é claro que Lula não poderia tomar a iniciativa de dar o dito pelo não dito. Presidentes não fazem essas coisas, nem por interpostas pessoas. Vazam notícias para que o desconvidável se toque e se antecipe. Vale também para ministros no cargo. É a famosa fritura.

Terceiro capítulo.

Hoje, além da Folha, logicamente, o Estado, o Globo – os outros dois principais jornais do país – e, ainda, o Valor finalmente adentraram o gramado, mancheteando o assunto nas páginas internas.

Nos textos, nenhuma – nem uma única – menção aos furos consecutivos da lavra do concorrente. A referência ao primeiro, em especial, era mandatória. Afinal, foi com isso que tudo começou.

A situação do ministro que corre o risco de deixar de ser sem nunca ter sido e o fato que fez a sua nomeação subir ao telhado foram relatados como se não tivessem a mais remota relação com uma bela sacada jornalística.

O vexame se faz companhar dos costumeiros desencontros de informação.

“Posse de Mangabeira está ameaçada”, alerta o Estado.

“Ação contra BrT leva Mangabeira a perder indicação ao ministério”, crava o Valor, cuja matéria abre com estas palavras: “Demitido antes de tomar posse.”

“Para ser ministro, cargo que diz ser sagrado, Mangabeira desiste da ação”, anuncia o Globo.

E a Folha? “Mangabeira nega desistência e diz que toma posse no dia 13”. A desistência negada, no caso, não é da ação, mas da ambição de ser ministro.

Em comum, os jornais – menos o sonolento Estado – registraram que o que “incomoda” o presidente, como noticiou o Globo numa outra matéria, é um complicador ainda mais grave do que a ação judicial contra a BrT.

Do texto do jornal carioca: “O que mais tem incomodado o núcleo do governo foi a notícia de que Mangabeira continua atuando para o banqueiro Daniel Dantas. De acordo com um assessor do Planalto, essa é a parte mais visível do desconforto de Lula.”

O professor era homem do banqueiro – desafeto do governo que Lula, naturalmente, abomina – quando a BrT estava sob controle do banco Opportunity, do citado senhor.

Não citada pelos competidores, a Folha tornou hoje a deixá-los sem graça. Enquanto o Globo e o Valor dizem que tentaram, mas não conseguiram, falar com Mangabeira, a colunista do jornal dos Frias, Mônica Bergamo, conversou com ele por telefone, tendo ouvido que o interlocutor já comprou a passagem aérea para vir ao Brasil tomar posse.

“Eu não recebi nenhuma orientação diferente do presidente. Não tem nenhuma informação contrária à minha posse”, disse o professor, fingindo-se de tonto.

Os telefonemas – foram mais de um – entre a jornalista e o acadêmico também lançam uma luz violácea sobre a personalidade desse respeitado estudioso da filosofia do direito cuja vaidade o leva a crer que daria um grande presidente da República – e cujas reinações sugerem que faria qualquer negócio para chegar lá.

Da matéria:

“Numa primeira conversa com a Folha ontem, ele negou que esteja movendo ação contra a empresa: ‘Não tem ação contra a Brasil Telecom’. Pouco depois, ao ser informado de que a Folha teve acesso ao processo, mudou a versão: ‘Eu quero retificar o que disse. Eu não queria induzir ao erro. A minha declaração correta é: eu não posso falar sobre o assunto pois estou legalmente impedido. Mas estou tranqüilo e confiante em relação à minha posse. Não vejo qualquer obstáculo’. Num terceiro telefonema, ele pediu que fosse publicada a seguinte frase: ‘Não há problema. Os advogados estão tratando do assunto’.

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