A família Sulzberger, dona do The New York Times (*) desde 1896, trava uma batalha de vida ou morte pelo controle do jornal diante de mais uma investida de grandes capitalistas financeiros – mais interessados em lucros do que em qualidade jornalística.
Caso os Sulzberger não consigam resistir à violenta pressão dos investidores, chegará ao fim o reinado da última família norte-americana a controlar um jornal impresso de grande circulação. Pode ser também o fim do derradeiro reduto significativo da resistência jornalística contra a o controle cada vez maior de grupos financeiros na produção informativa na mídia norte-americana.
A nova ofensiva contra o sistema de ações preferenciais que garante à família o controle de 90% das decisões no jornal, apesar de ter apenas 19% das ações, é o segundo grande confronto entre corretores de Wall Street e os Sulzberger em menos de um ano.
Os fundos Harbinger Capital Partners e Firebrand Partners, ambos formados por investidores com no mínimo um milhão de dólares em carteira, controlam 19% das ações comuns do NYT e pretendem tirar da família Sulzberger o controle da direção do jornal.
No final do ano passado, a corretora de valores Morgan Stanley tinha 7,2% das ações comuns quando deflagrou um ataque surpresa exigindo o fim do sistema acionário que garante a hegemonia dos Sulzberger, que conseguiram manter o controle do jornal.
Entre os jornalistas americanos, a nova ofensiva dos fundos de investimentos sobre a direção familiar do The New York Times é vista como uma espécie de batalha final entre os que acreditam na primazia da informação e os que vêem a imprensa apenas como um negócio.
Na verdade a questão não é tão simples e nem tão filosófica. No fundo são duas estratégias distintas para ganhar dinheiro. A família Sulzberger alega que o programa de transição para uma imprensa baseada na internet está dando resultados e que a sobrevivência do conglomerado jornalístico não está ameaçada.
Os capitalistas financeiros, por seu lado, querem mudanças mais rápidas e usam o temor de investidores sobre a falta de perspectivas claras para a rentabilidade dos jornais como um elemento para acabar com a administração familiar. Este seria o primeiro passo para um posterior desmembramento e venda de ativos materiais e não-materiais do conglomerado Times.
O medo dos investidores provocou, em 2005, a implosão do segundo maior império jornalístico dos Estados Unidos, a rede Knight Ridder, que controlava 32 jornais no país. O fundo Capital Partners Management tinha apenas 19% das ações do conglomerado, mas foi o suficiente para pôr o chefe do clã, Tony Ridder, de joelhos ante a perspectiva de uma debandada de acionistas.
A Knight Ridder vendeu seus jornais para a cadeia McClatchy, que já no ato da compra anunciou a revenda das 12 publicações menos lucrativas. Começou aí a liquidação de um império e o sucateamento de jornais diante da pressão de investidores interessados apenas em lucros de curtíssimo prazo.
O cemitério de grandes impérios jornalísticos familiares nos Estados Unidos inclui também o clã dos Chandlers, que controlava a rede Times-Mirror, e a família Bancroft, que acaba de vender o Wall Street Journal.
O mesmo capital financeiro que foi saudado como a grande esperança da imprensa nos anos 1980 e 90 tornou-se agora o seu principal algoz. Na época, os jornais navegavam em lucros obscenos, da ordem de 20% a 30% ao ano. Hoje, caíram para 7% a 8%, normais em termos capitalistas, mas aquém da expectativa dos especuladores.
A transição do foco analógico para o digital nos negócios da imprensa é um processo de maturação lenta no que se refere a faturamento. O The New York Times não está à beira da falência. Muito pelo contrário, é o mais bem-sucedido projeto de notícias online dos Estados Unidos.
Ironicamente, o destino da Dama Cinzenta (apelido dos nova-iorquinos para o NYT) está agora atado ao futuro da guerra de foice entre os que defendem a informação como um serviço público, onde o lucro é condicionado a fatores sociais, e o capital financeiro, obcecado pelo retorno monetário imediato.
(*) O texto original continha, após a palavra Times, uma vírgula que foi retirada depois da publicação. Agradeço ao leitor André Aguiar, a identificação do erro.