Em seus três anos produzindo investigações jornalísticas sozinha ou em parceria com grandes jornais dos EUA, a ProPublica sempre se orgulhou de suas origens na filantropia e seu caráter de ‘instituição jornalística sem fins lucrativos’.
Fundada em janeiro de 2008 pelo casal de milionários ex-banqueiros Marion e Herb Sandler, em sociedade com o ex-diretor do Wall Street Journal Paul Steiger, o ProPublica nasceu, cresceu e amealhou prêmios importantes, como o Pulitzer, às custas do dinheiro que a Fundação Sandler lhe injetava diretamente e que a ajuda até hoje a bancar os salários e custos de uma redação com orçamento de US$ 10 milhões anuais e 33 jornalistas.
Uma redação sem as pressões comerciais de uma produção de reportagens em escala industrial parecia o sonho dos jornalistas num mundo onde a produção de conteúdo se processa cada vez mais à velocidade da luz na internet ou em aparelhos móveis, como celulares e tablets. Quem, no entanto, entrasse na página principal da instituição na rede na sexta-feira (11/2), perceberia algo novo.
Entre o interesse público e a garantia do futuro
No meio da página, um pequeno quadrado amarelo brigava por mais recursos estimulando que os leitores doassem à empresa. ‘Proteja o interesse público’, dizia o quadro. À frase ‘Apoie o jornalismo investigativo e premiado da ProPublica’, seguia-se um botão para doações.
O espírito filantrópico permanece. Mas, rolando a página mais um pouco, à direita, um quadro maior estampava um anúncio publicitário da empresa de seguros Progressive.com, evidenciando o que Steiger e os Sandler haviam anunciado em janeiro: a ProPublica passou a aceitar publicidade para se manter. Ou, segundo um comunicado do próprio site: ‘Estamos fazendo isso pelas razões costumeiras: ajudar a aumentar receitas que possam turbinar nossas operações, promovendo o que as pessoas no mundo não lucrativo chamam de ‘sustentabilidade’. Seria a volta ao modelo tradicional de negócios do jornalismo, afinal?
– A decisão de aceitar publicidade tem como objetivo ampliar nossas fontes de receitas. Qualquer interpretação além dessa seria um erro. Nós afirmamos desde sempre que somos um experimento e continuaremos experimentando na captação de recursos – diz o diretor de comunicação da ProPublica, Mike Webb.
Trata-se de um experimento que atrai a atenção do mundo todo. E busca responder a uma realidade aparentemente contraditória: como ganhar dinheiro com o jornalismo na internet se, no ambiente, a maior parte do conteúdo informativo ainda é fornecido de forma gratuita? Para a ProPublica, a resposta é a diversificação das suas fontes.
Há pelo menos dois anos, a instituição vem buscando novos doadores (Bill and Melinda Gates Foundation, Ford Foundation) e, desde janeiro, vende seu espaço a anunciantes.
– Por décadas, organizações de mídia foram capazes de fazer grandes reportagens bancadas por publicidade e não há nada de mais neste modelo – diz Jan Schaffer, diretora executiva do Instituto para Jornalismo Interativo da Escola de Comunicação da American University. – Mas as pressões por receitas continuam e muitas instituições começaram a experimentar modelos híbridos de financiamento da atividade. Porque você sempre pode dizer não a anunciantes que querem interferir numa investigação. Os modelos estão aí.
Curiosamente, as dificuldades da ProPublica começaram com a crise econômica americana, lembra reportagem da Columbia Journalism Review. Os Sandler venderam seu banco, o World Savings Bank, em 2006 para o Wachovia e receberam papéis do banco como parte do pagamento de US$ 2,4 bilhões. O colapso do Wachovia teria afetado o patrimônio do casal, que reduziu seus repasses filantrópicos, incluindo à ProPublica, o que a empresa nega. Mas o que o mercado de mídia quer saber é se o exercício do jornalismo investigativo pode sozinho atrair recursos. Neste sentido, a ProPublica é um experimento e tanto.
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ENTREVISTA / MIKE WEBB
‘O compromisso não mudou’
O diretor de comunicação da ProPublica, Mike Webb, é um entusiasta das soluções múltiplas que permitam garantir o futuro do jornalismo, de modo geral, e do investigativo, em particular. É sob esse aspecto que ele justifica a decisão de aceitar publicidade, apesar de a entidade se dizer não lucrativa.
A ProPublica decidiu aceitar anúncios ao mesmo tempo em que amplia a lista de doadores para além da Fundação Sandler, que foi muito afetada pela crise econômica. Qual é a estratégia, afinal?
Mike Webb – A decisão de aceitarmos anúncios foi tomada estritamente para ampliar as nossas fontes de receita. O compromisso pessoal e financeiro dos Sandler não mudou, e as decisões que tomamos não têm a ver com a situação financeira da fundação. E sugiro-lhe confirmar a informação de que os negócios e as doações dos Sandler tenham sido afetados pela crise.
A ideia de produzir reportagens investigativas sem pressões comerciais era considerada por muitos como um ideal. O que a decisão de aceitar anúncios muda isso?
M.W. – A decisão de aceitarmos publicidade tem como objetivo ampliar nossas fontes de receitas. Qualquer interpretação além dessa seria um erro.
Qual é o orçamento da ProPublica?
M.W. – O orçamento para 2010 foi de US$ 10 milhões.
O que faz grandes jornalistas americanos abandonarem cargos em grandes jornais para atuarem na ProPublica?
M.W. – Cada um tem diferentes razões para trabalhar aqui. No entanto, a razão mais frequente é ter tempo, dinheiro e flexibilidade para fazer longas investigações que resultem em notícias de impacto real na vida das pessoas.
Vocês se definem como uma redação independente não lucrativa. Isso muda para lucrativo quando decidem aceitar publicidade?
M.W. – Por hora, não temos como fazer dinheiro com publicidade a ponto de nos tornarmos lucrativos.
O jornalismo investigativo corre risco? Piorou com a internet?
M.W. – Está em risco e muitas empresas de mídia cada vez mais o encaram como um luxo. Os repórteres não têm recursos. Pouco tempo e poucos recursos inibem a habilidade dos jornalistas de investigar além de suas tarefas diárias. Então é o momento de se criar novos modelos que garantam o trabalho jornalístico de interesse público, que, afinal, é o sustentáculo da nossa democracia. A crise no negócio de mídia e a revolução das novas tecnologias produzem efeitos variados, como o encolhimento do jornalismo investigativo.
Já há quem defenda que empresas jornalísticas se transformem em fundações, aceitem doações e virem entidades de utilidade pública. A ProPublica é um modelo para o futuro?
M.W. – Nossa abordagem não lucrativa é apenas uma das muitas ideias para o futuro do jornalismo. (G.S.J.)
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Repórter de O Globo