O noticiário de quinta-feira (17/2) sobre a crise na polícia do Rio de Janeiro é tão abundante nos jornais cariocas que o leitor às vezes perde o fio da meada. O ex-chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski, é acusado de receber dinheiro de uma milícia e de vendedores de produtos piratas. Ele nega. O delegado Claudio Ferraz acusa agentes ligados ao delegado Carlos Oliveira, que era então subchefe da corporação e foi preso na ‘Operação Guilhotina’, de terem invadido a favela da Coreia para afugentar traficantes, ‘limpar’ a área e colocá-la à disposição de uma milícia. São citados bicheiros, muitos policiais militares, um sargento do Exército assassinado, especialistas israelenses em explosivos contratados por um chefão mafioso. O ex-secretário municipal de Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, hoje deputado federal, surge no pé de uma matéria do Globo. Foi ele que comandou o chamado ‘choque de ordem’ na cidade.
O resumo dessa grande confusão é que a polícia ajudou as milícias a conquistar territórios do Comando Vermelho. Exatamente como afirmou em dezembro, numa entrevista ao Observatório da Imprensa, o sociólogo José Cláudio Souza Alves, logo após a conquista do Complexo do Alemão, celebrada em prosa e verso por uma mídia que insiste em confundir desejo com realidade (ver ‘Crime se reconfigura sob a égide do Estado‘).
Intimidação jurídica
O deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro, tem influência num grupo de parlamentares que vai bem além das fronteiras geográficas e partidárias de sua bancada. Foi derrotado nas pretensões de manter em sua esfera as nomeações para a direção de Furnas. Em 26 de janeiro, o jornal O Globo publicou reportagem de Chico Otávio e Tatiana Farah sob o título ‘Furnas pagou R$ 73 milhões a mais por ações vendidas a empresários ligados a Eduardo Cunha’.
Em seu tuíter, Eduardo Cunha escreveu, dias depois: ‘Vai fundo, Chico Otávio. E prepara o bolso. Vai trabalhar a vida toda para pagar a conta’. Entretanto, embora o deputado mova processos em série contra jornalistas, Chico Otávio desconhece que ele o esteja processando. De qualquer modo, avisa que não está intimidado.
Eduardo Cunha também se tornou desafeto dos jornalistas Ancelmo Gois e Jorge Bastos Moreno, do Globo, entre muitos outros. Usa uma técnica denunciada pelo Comitê de Proteção de Jornalistas como a principal ameaça, no Brasil, à liberdade de imprensa: a intimidação pela via do Judiciário.
O cerco jurídico ao trabalho dos jornalistas obrigou-os a acrescentar novas práticas a seus métodos, como diz em entrevista ao Observatório da Imprensa o repórter Chico Otávio:
− Hoje, o repórter é obrigado a atuar e brigar bem em outro cenário, que é o cenário jurídico. É lógico que o processo é um instrumento da democracia. Agora, eu acho que está havendo um uso exacerbado desse instrumento, não para compensar um suposto eventual dano moral, e sim para restringir, desencorajar, fazer o repórter desistir do projeto da pauta. Para enfrentar essa questão, o repórter vai ter que se municiar de provas, dialogar com o jurídico, muitas vezes sendo obrigado até a estabelecer esse diálogo antes mesmo da publicação da matéria, da reportagem. A gente sempre costumava deixar as coisas para depois, quando o problema acontecia. Hoje, não. No meu caso, quando a matéria é complicada eu procuro dialogar e pedir orientações do departamento jurídico sobre como proceder.
Você chega a guardar elementos da apuração?
− Sim. Eu chego a guardar. Eu tenho essa preocupação, de colher provas, e digo: tem juiz que considera como prova até o bloquinho de apuração. Por incrível que pareça, até isso tem que ser guardado. Bloquinho, você salvar páginas da internet, diálogos, áudios. Fora documento. Às vezes você tem que desembolsar alguma coisa para extrair documentos de cartórios. Tem situações em que eu monto um dossiê e entrego esse dossiê ao departamento jurídico antes mesmo da publicação da reportagem. Porque se o denunciado, digamos assim, o ‘outro lado’, resolver recorrer à Justiça, o departamento jurídico já está preparado, pronto, apto para uma boa defesa.