Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘No final do ano de 2009, uma série de reportagens da Agência Brasil mostrou aos leitores aspectos de uma parte do universo de problemas e soluções dessa forma de produção de alimentos. Produtores e consumidores, ao exercerem seu direito de escolha conscientes de sua responsabilidade para com a natureza, estão consolidando não só um modelo de negócios, mas, principalmente, uma filosofia de vida.

A reportagem reuniu experiências diversas, em diferentes regiões, para informar sobre a produção, comercialização e consumo de alimentos orgânicos. As matérias trazem histórias de produtores e consumidores que estão mudando hábitos tradicionais em busca maneiras menos agressivas e mais sustentáveis de segurança alimentar.

Quem chamou a atenção desta Ouvidoria para a cobertura foi o leitor Fábio Michel Machado que escreveu: ‘Sou revendedor de produtos orgânicos em São Paulo, capital e, ao ler a matéria sobre as expectativas de crescimento do setor, na manhã desta segunda-feira (28 de dezembro) deparei-me com um equívoco. O texto termina com um diretor da Firjan afirmando serem positivas as pesquisas sobre alimentos transgênicos, o que contraria a prática da agricultura orgânica. Transgênicos não são alimentos resistentes a pragas, como diz o texto, mas sim – e basicamente – geram plantas mais resistentes a agrotóxicos. A monocultura imposta pelo agronegócio criou a necessidade de implementos químicos cada vez mais agressivos e as plantações morrem por conta do envenenamento que recebem para evitar o ataque de pragas. O próprio Ministério da Agricultura distribui um material sobre alimentos orgânicos que cita nominalmente que os transgênicos não estão incluídos entre os alimentos ‘saudáveis’.’

O leitor, referiu-se à matéria Orgânicos – Setor espera grande desenvolvimento a partir do ano que vem, publicada dia 28 de dezembro, com a opinião do Coordenador do Grupo Executivo de Agroindústria da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro – Firjan, o economista Antônio Salazar, que fez a afirmação considerada como ‘equívoco’ por Fábio Michel.

Ao analisarmos as 18 notícias publicadas entre os dias 24 e 28 de dezembro sobre o assunto constatamos que as declarações referentes à origem dos transgênicos foram feitas pela fonte ouvida na matéria e que a reportagem apenas as reproduziu. Explicamos isso ao leitor, mas sugerimos à ABr que aprofunde as informações sobre as diferenças tecnológicas entre a produção de orgânicos e de transgênicos para dirimir eventuais dúvidas.

Da maneira como essa informação aparece na notícia realmente leva a crer que as pesquisas para o desenvolvimento da produção dos dois tipos de alimentos caminham no mesmo sentido – ambientalmente sustentável, enquanto na realidade sabemos que os resultados são diametralmente opostos.

Segundo o coordenador da Firjan: ‘Não só os produtos orgânicos estão em desenvolvimento. Os produtos convencionais também estão e a prova é que a agricultura procura utilizar cada vez menos defensivos, embora eles sejam necessários numa produção em larga escala. E a pesquisa científica, que leva aos transgênicos, busca exatamente produtos imunes às pragas e doenças evitadas pelos defensivos. Na minha opinião, é falsa a dicotomia entre transgênicos e orgânicos’.

Mas, como lembrou o leitor ‘transgênicos não são alimentos resistentes a pragas, como diz o texto, mas sim – e basicamente – geram plantas mais resistentes a [determinados] agrotóxicos.’ Se originalmente os transgênicos foram vendidos como benéficos para o meio ambiente porque consumiriam menos agrotóxicos, na prática o que se verificou com seu uso em larga escala é que o uso de venenos pela agricultura brasileira aumentou, elevando o país à triste posição de ser o maior consumidor mundial. Além disso é sabido que os agrotóxicos empregados nas lavouras transgênicas são muito mais poderosos e agressivos pois têm a capacidade de matar quase tudo que delas se aproxime ou esteja presente, à exceção da planta que teve seus genes modificados para resistir especificamente àquele determinado veneno, fornecido pela mesma indústria que desenvolveu as sementes.

Faltou ainda a reportagem aprofundar a questão da regulamentação e certificação proposta pelo governo que deveria ter entrado em vigor a partir de 1º de janeiro e fora adiada por um ano. As causas do adiamento e a análise do conteúdo da proposta poderão oferecer subsídios importantes para os debates que provavelmente sucederão no decorrer deste ano – ao tratar da questão tanto o governo poderá ajudar expandir e consolidar a agricultura orgânica como poderá criar mais entraves e dificuldades para o setor.

Algumas dessas dificuldades como, por exemplo, a carência de linhas de crédito específicas, a falta de preparo dos agentes financeiros e a precariedade da assistência técnica, são descritas na série de reportagens bem como as medidas que diversos ministérios estão tomando para tentar saná-las.

O debate sobre a questão da estrutura fundiária, um dos principais gargalos para a expansão da agricultura familiar e, possivelmente, orgânica, não aparece nas matérias que ressaltam apenas a questão do uso intensivo de mão de obra e portanto, de geração de empregos em contraposição ao agronegócio. O Ministério do Desenvolvimento Agrário não foi ouvido pela ABr, mas talvez pudesse fazer uma análise crítica sobre a necessidade de se rever o modelo de uso e de ocupação das terras concentradas na mão de grandes empresas do agronegócio e do latifúndio improdutivo, conforme mostrou o ultimo censo agropecuário do IBGE.

Mas se houve pequenas lacunas na escolha das fontes elas são suplantadas pela diversidade e quantidade de pessoas ouvidas. Ao todo foram 52, 27 diretamente envolvidas na cadeia produtiva: produtores (8); fabricantes (2); comerciantes, feirantes, gerentes e administradores de empresas e de entidades de distribuição (7); consumidores (6) e profissionais de gastronomia (4). As demais são: 3 pesquisadores e uma profissional liberal – veterinária – ligada à saúde animal e 14 representantes de órgãos governamentais, sendo 10 deles do Ministério da Agricultura. Algumas foram citadas mais de uma vez.

Devido à falta de apoio técnico, seria razoável supor que uma parcela significativa dos produtores de orgânicos possam ter queixas em relação às novas regras de certificação. Porém, apesar dos produtores constituírem 15% das fontes ouvidas (8 em 52), apenas uma, de uma comunidade de quilombolas no interior do estado de São Paulo, mencionou a implantação do novo sistema.

Os demais produtores ouvidos pela ABr, de modo geral, não comentaram as novas regras de certificação a não ser como uma exigência que pode contribuir para o encarecimento dos preços dos produtos orgânicos.

Segundo o que se pode depreender do que disseram as fontes governamentais há uma desinformação generalizada sobre o assunto havendo a necessidade de melhor informar produtores e consumidores sobre a importância da certificação – uma tarefa urgente, que a mídia pode realizar.

O conteúdo das reportagens é um ponto partida para um debate a respeito da necessidade de uma mudança significativa nos processos produtivos por um lado e, por outro, nos hábitos alimentares e na qualidade de vida dos consumidores.

O caminho que a Agência Brasil percorreu partindo de experiências locais e regionais para discutir o assunto de maneira mais ampla favorece que o leitor se identifique com a problemática e eventualmente busque se aprofundar.

Até a próxima semana.’