Se o leitor quiser fugir do cantochão da crise, e ler algo que diga mais sobre o Brasil do que mensalões e congêneres, há pelo menos uma opção nas bancas: a revista Nossa História, da editora Vera Cruz, do Rio de Janeiro. Ela traz, na prática, o que os filósofos da comunicação e do ensino se esforçam para explica, na teoria, a diferença entre informação e conhecimento.
Ao invés de perder tempo com a gravação clandestina de hoje que substitui a arapongagem de ontem e perderá o lugar para a nova patranha de amanhã, o leitor tem material de primeiríssima qualidade para levar para casa.
A edição de março de 2006, traz textos saborosíssimos sobre o Brasil – a começar pelas reportagens que sustentam a capa dedicada à ‘Culinária Brasileira’. A diversidade de assuntos abordados que sustentam a chamada da capa traz lembrança de melhores tempos da imprensa tupiniquim e – eureca! – sem a opinião vazia de sequer uma das celebridades ou economistas que povoam as páginas da maioria dos jornalões e revistas.
Não se engane o leitor pensando que o cardápio da edição que está nas bancas traz apenas um Brasil que não existe mais. Pelo contrário: várias reportagens explicam o porquê de questões seculares que se arrastam geração após geração, como a depreciação do trabalho do cidadão negro do século 21 e as condições sub-humanas dos operários dos canaviais que ainda hoje sobrevive no interior de São Paulo.
Para tentar entender porque a escravidão ainda sustenta várias das mazelas sociais do Brasil, dois belos textos. O primeiro é a entrevista com o historiador autodidata Jacob Gorender, ele próprio personagem histórico por sua militância comunista nos anos em que isso representava real perigo de morte. Baiano, com 83 anos, Gorender responde às quatro páginas de perguntas com extrema lucidez sobre assuntos que vão desde sua origem judaica até a sua breve interpretação – e ‘principal crítica’ – sobre os destinos tomados pelo governo Lula. Emendando com a escravidão, o leitor tem ainda a história de João Cândido, o ‘Almirante Negro’, com detalhes desconhecidos do grande público sobre a Revolta da Chibata, de 1910, que colocou marinheiros de origem pobre e negra em rebelião contra os castigos físicos impostos pela elite branca e européia do oficialato da Marinha. A história continua, apesar de quase um século depois. Segundo revela a reportagem ‘O grito dos humilhados’, até hoje a Marinha se recusa a abrir totalmente os arquivos daquele período.
Outra reportagem interessantíssima – ‘Paulicéia em chamas’ – lembra o quebra-quebra ocorrido em São Paulo, em agosto de 1947, quando a cidade literalmente pegou fogo. A grande imprensa da época classificou os autores da rebelião como ‘arruaceiros’; Adriano Luiz Duarte, professor de História da Universidade Federal de Santa Catarina, entre outros títulos, mostra que não foi bem assim. Qualquer semelhança com a classificação da imprensa sobre episódios da história atual, não é proposital, mas enfatiza, principalmente, a rigidez da elite brasileira a aceitar mudanças que diminuam seus privilégios.
Fica aqui a dica. Se o leitor estiver disposto a sair do tédio da atual pauta dos grandes jornais e revistas, há opção.