O diretor de Redação do Globo, Rodolfo Fernandes, argumentou em entrevista ao Observatório da Imprensa que haverá incompatibilidade entre o Estatuto da Igualdade Racial e a determinação legal de contratar jornalistas diplomados em escolas de Comunicação se o Estatuto não der prazo longo para entrar em vigor a cláusula que estabelece a obrigação de haver no mínimo 20% de afro-brasileiros em todas as empresas com mais de 20 empregados. Isso porque a universidades não forma anualmente essa porcentagem de jornalistas afro-brasileiros.
Um leitor deste blog contrapõe:
“O paradoxo evocado é falacioso por duas razões: 1) a premissa de os afro-descendentes são menos 20% dos formados em jornalismo carece de estatística que a apóie. 2) Mesmo assumindo-se tal premissa, as empresas de mídia não contratam 100% dos formados em jornalismo, que acabam empregados em outras funções ou outras empresas. Assim, há um impeditivo lógico para que se configure um paradoxo entre as duas leis, além da premissa não verificada.
O secretário de Direitos Humanos do Estado do Rio, coronel PM Jorge da Silva, argumenta na mesma linha. Diz que existe grande número de jornalistas afro-brasileiros atualmente desempregados ou empregados fora da mídia. Dá como exemplo a própria secretaria que dirige.
Resumo da ópera: é preciso trabalhar melhor com esses números.
“Sensacionalismo acadêmico”
Hoje, no Globo, Ali Kamel, considerado pelos que a defendem, ou por alguns deles, um oponente destacado da política de cotas, enfrenta o risco de se afogar em números para mostrar que há “sensacionalismo acadêmico” em números sobre as condições de vida de negros e brancos no Brasil. Como nenhum sensacionalismo existe sem participação da mídia, a crítica pode ser estendida aos veículos de comunicação.
Estatisticamente, é plausível que o aumento maior do número absoluto de negros pobres decorra da maior taxa de fecundidade das mulheres negras pobres. É visível que há um aumento do número de negros e pardos, ou afro-brasileiros, na classe média brasileira. Lembrar que a revista Raça vai fazer dez anos em 2006.
Kamel tem razão quando escreve que não faria sentido uma hipotética política destinada a melhorar as condições de vida apenas dos negros pobres, deixando de lado os brancos pobres. Também é verdade que com quase toda certeza não existem favelas com 90% de negros.
Quando diz que os estudos por ele considerados enviesados acabarão criando uma cisão que não existe, Kamel já parte de uma premissa questionada, que o professor Marcelo Paixão, da URFJ, também ouvido em entrevista pelo Observatório da Imprensa, chama de mito da democracia racial brasileira fundado teoricamente por Gilberto Freyre.
O debate se intensifica, o que é bom. Como diz o professor Paixão, o tema foi varrido para baixo do tapete ao longo de todo o século XX. Isso para não falar em 300 anos de escravidão.
Acréscimo às 19h20. Ali Kamel envia o seguinte complemento a seu raciocínio:
‘Em 1982, 58% dos negros brasileiros estavam abaixo da linha da pobreza e, agora, em 2003 (último dado), esse percentual caiu para 44%, uma queda de 14 pontos percentuais. Os brancos pobres em 1982 eram 21% e, em 2003, eram também 21%. Portanto, a pobreza, de fato, caiu mais entre os negros do que entre os brancos. No meu artigo, usei os dados até 2001 para usar o mesmo referencial do estudo do PNUD.
A afirmação de que apenas brancos saíram da pobreza não se sustenta. É um recorte indevido de uma fotografia muito mais ampla.’