Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Doações ocultas, ou intenções ocultas?

O leitor Oswaldo Alencar comentou oportunamente o contraste entre o título da Folha de ontem, ‘Setor bancário deu maior doação à campanha de Lula’, deixando em segundo plano a informação de que a banca doou para Lula o mesmo que doou para Alckmin (R$ 10,5 milhões).

Dirá um defensor desse título viesado que, em jornalismo, ‘cachorro que morde homem’ não é notícia, mas ‘homem que morde cachorro’ é.

Ou seja, as doações da banca ao candidato do PSDB/PFL seriam previsíveis, portanto jornalisticamente ‘menos notícia’ que as doações do setor ao candidato do PT. Um argumento a considerar se os banqueiros não tivessem lucrado o que lucraram nos últimos quatro anos, o que, à parte quaisquer outros fatores, torna igualmente previsíveis as suas doações ao petista.

Não se trata de um título isolado. A Folha deu de espremer até a última gota os informes de entradas e saídas de recursos de campanha, que os candidatos são obrigados a enviar à Justiça Eleitoral. Mas, do modo como os números se espalham por sucessivas páginas, acabam não fazendo muito sentido para o leitor, além de reafirmar a sua convicção de que os doadores de ontem serão recompensados amanhã pelos donatários e que o nível geral da gastança é acintoso – pura verdade.

Ocorre que o tom das chamadas e títulos é sibilinamente acusatório, quando se referem ao presidente. Exemplo, na primeira página da edição de hoje:

‘Lula teve R$ 18,5 mi em doação oculta’.

Por doações ocultas – segundo a expressão adotada pelo jornal – entendam-se aquelas destinadas aos partidos para que façam com elas o que o doador deseja.

É uma espécie de contrato de gaveta: eu quero fazer uma doação para o candidato xis, mas não quero que o meu nome apareça na lista dos seus doadores; faço a doação ao partido, identificando-me como manda a lei, e o partido se compromete comigo a transferir o dinheiro ao candidato cuja campanha quero ajudar por baixo dos panos.

Os nomes dos doadores aos partidos serão conhecidos em abril, prazo final para a entrega de suas prestações de contas.

A prática não é lá muita católica. Não apenas por impedir que se ligue ‘o nome à pessoa’, mas porque permite aos doadores furar o teto legal das contribuições a candidatos. A mesma burla é comum nas eleições americanas. Nos Estados Unidos, esse tipo de contribuição se chama ‘soft money’. Mas, tecnicamente, é legal.

Pois bem. Lendo a matéria da Folha se verifica que as ‘doações ocultas’ não foram uma exclusividade da campanha lulista. Também Alckmin as recebeu. No caso do presidente, elas corresponderam a 19,6% do total. No caso do tucano, a 11,9% (ou R$ 7,4 mi).

Não seria coisa do outro mundo dar um título mais ou menos como ‘Partidos repassaram R$ 25,9 mi a Lula e Alckmin’.

Não tem, é claro, o frisson do termo ‘doação oculta’, muito menos a sugestão de que Lula e o PT cometeram alguma transgressão. Mas tem a gritante vantagem de não deixar no leitor a suspeita de que o jornal está com intenções ocultas.

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