Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um lado, outro lado e o leitor desinformado

O ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, aparece nos jornais de hoje desancando o mais recente relatório do Banco Mundial (Bird) sobre corrupção, divulgado ontem, que deixa o Brasil mal na fita.


Desde 1996, o Bird avalia anualmente em duas centenas de países e territórios o que chama de governança. A exemplo do Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU, o conceito é o produto combinado de diversos indicadores, entre eles o grau de corrupção na administração pública [corruption control, no original em inglês].


Na definição do Bird, trata-se da “extensão em que o poder público é exercido para ganhos privados incluíndo tanto pequenas quanto grandes formas de corrupção, assim como o ‘seqüestro’ do Estado por elites e interesses privados”.

Para a construção desse indicador, os pesquisadores do Banco Mundial ouviram 18 entidades internacionais para saber como percebem o problema no Brasil.


Numa escala de zero a cem, o país ficou com 47,1 pontos – a sua pior marca na história do estudo.


A notícia levou o Estado a publicar um editorial, em que diz que o relatório “pode ser interpretado como contestação à hipótese confortadora segundo a qual não é a corrupção que aumenta no Brasil, mas sim a sua visibilidade, graças à multiplicação das investidas policiais contra os corruptos”.


Para o jornal, a situação está tão feia que “os brasileiros devem invejar a Dinamarca de Hamlet, porque nesse reino havia apenas ‘algo de podre’.”


O editorial está na mesma edição que noticia a zanga do ministro Hage, que considerou “ridículo” concluir que a corrupção se agravou no país.


O titular da CGU observou que o Bird não mede a corrupção, mas “as percepções sobre os fatos” revelados a respeito. “E isso tem realmente aumentado a partir do momento em que se passou a investigar e revelar a corrupção que sempre existiu.”


Hage foi além. Disse que os índices do Banco Mundial são tão inconfiáveis que nem mesmo este os utiliza. A rigor, como o próprio ministro explicou, o Bird ressalva que os dados do relatório anual “não refletem a visão oficial [da instituição], nem dos seus diretores, nem são usados para alocação de recursos ou para qualquer outra finalidade”.


Isso apenas quer dizer as pesquisas sobre governança não pautam os financiamentos do Bird – determinados, naturalmente, por critérios outros.


Mas o fato é que, para variar, o leitor merecia mais do que ler uma coisa num dia e o seu oposto no dia seguinte. Merecia e merece saber, para começo de conversa, se e em que medida as avaliações a que o Banco Mundial recorre para pontuar a força da corrupção em cada país são meramente impressionistas, ou incluem levantamentos objetivos passíveis de exame independente.


Merecia e merece o leitor ficar sabendo também quais as agências internacionais consultadas pelos autores do relatório, ou, se isso for sigiloso, a partir de que critérios são escolhidas. Afinal, quem é que diz e com base no que se um país ficou menos ou mais corrupto?


O leitor merecia e merece saber ainda se a metodologia do trabalho é a mesma desde 1996. Porque se tiver sido alterada em pontos substanciais, as comparações de um ano com outros podem estar sujeitas a chuvas e trovoadas.


Enfim, se os jornais parassem de se dar por satisfeitos com o facilitário do “um lado, outro lado”, acrescentando informação da própria lavra às informações de segundos e às contestações de terceiros, o leitor teria material para formar opinião com um mínimo de segurança.


E não é que se esteja discutindo sexo dos anjos. Faz tempo que a corrupção disputa com a violência a parte do leão do noticiário nacional.


P.S. Revista falada


A partir da edição que começa a circular amanhã, a mais que centenária revista britânica The Economist passa a ser a primeira a oferecer uma versão oral, lida por locutores profissionais, para ser baixada na internet. A audição de uma edição inteira deve consumir umas seis horas, informa o editor-chefe John Micklethwait. Mas o ouvinte não precisa baixar todo o conteúdo de uma vez só. A idéia, diz Micklethwait, é que as pessoas ouçam a Economist enquanto dirigem, cozinham, levam o cachorro a passear, fazem ginástica. A revista falada é gratuita para assinantes. Para os outros, custará o equivalente a R$ 15 por edição.


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