Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ruído no apelo ao voto consciente

Numa recente entrevista, o dramaturgo Sílvio de Abreu contou o caso de uma novela de sua autoria que deu chabu porque boa parte do público não entendeu a linguagem cênica escolhida para fugir da mesmice de sempre no tratamento dado à história.

É por isso que os publicitários – de seja lá o que for – vivem encomendando pesquisas para saber se as suas mensagens contêm algum duplo sentido que pode ser fatal para o sucesso dos produtos destinados ao consumo de massa.

E é por isso – como a Folha registra hoje, sozinha – que pode ser problemática a linguagem da nova campanha institucional do TSE no rádio e TV sobre a importância do chamado voto consciente.

A repórter Silvana de Freitas sacou que dois alertas da campanha – sob o slogan geral “Pense e vote, o Brasil está em suas mãos” – se prestam a mais de uma interpretação.

Uma diz: “O presidente do Brasil é tão bom quanto o seu voto.” A outra, “O seu governador é tão bom quanto o seu voto.”

É perfeitamente admissível que um certo número de eleitores entenda que voto bom é o que serve para reeleger o presidente e o governador do seu Estado. Até pelo uso do verbo ser no presente – “é tão bom”.

Um caso típico do que os especialistas chamam ruído na comunicação.

Segundo a Folha, “a assessoria do TSE negou que a frase tenha duplo sentido”. Bobagem. A única coisa que o TSE pode negar é que tenha tido a intenção de levar ao ar uma frase de duplo sentido.

O que me leva a perguntar se a campanha foi pré-testada, conforme o jargão publicitário. Assim se saberia se o seu fraseado é tão bom como os seus autores devem achar que é.

P.S. Da série “Agressões contra argumentos”

Comentei ontem aqui, na nota “Quando indignação é informação”, a oportuna observação do colunista Jânio de Freitas, da Folha, sobre a dificuldade de escrever certas coisas, como as atrocidades de que o Líbano é vítima, com “frieza jornalística”.

Hoje ele escreve: “Aos gentis leitores que se deram ao trabalho de me mandar seus insultos, a propósito do artigo sobre a guerra que o governo de Israel faz ao Líbano, peço que aceitem como resposta a notícia da morte de 37 crianças em Qana.”

Sei do que ele está falando. Tenho uma gaveta eletrônica cheia dos piores xingamentos por ter ousado falar mal de Israel em artigos na imprensa.

Digo “Israel” e não “governo de Israel”, como Jânio, porque, segundo pesquisas amplamente divulgadas, 90% dos judeus israelenses apoiam a ofensiva no Líbano.

Amostra disso é a entrevista, no Estado de hoje, com o secretário geral do movimento Paz Agora, Yariv Oppenheimer. “Do ponto de vista moral”, diz ele, o Paz Agora não é contra a guerra”.

Como escreveu domingo no jornal israelense Haaretz o colunista Gideon Levy, Israel vive “dias de treva”, sob “uma estridente atmosfera nacionalista”.

”Os freios que ainda tinhamos estão se erodindo”, explica. “A insensibilidade e a cegueira que têm caracterizado a sociedade israelense nos anos recentes está se intensificando. A devastação que estamos semeando no Líbano não toca ninguém aqui e nem mesmo é mostrada aos israelenses.”

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