Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘Em 21 de dezembro do ano passado, em cerimônia pública em Brasília, foi lançado o programa de direitos humanos do governo federal, o terceiro da história e o primeiro da administração atual.

No dia seguinte, o evento mereceu na Folha um texto-legenda na capa e duas colunas de alto a baixo em página par interna. O programa só foi citado para explicar por que a reunião havia ocorrido.

Quase todo o espaço foi utilizado para tratar do novo corte de cabelo da ministra Dilma Rousseff. O segundo tema que mereceu atenção foi uma declaração do presidente Lula (os choques sofridos em tortura por quem lutou contra a ditadura ‘valeram a pena’). O terceiro foi a eleição presidencial, mencionada em comentários do presidente em discurso e entrevistas.

Só na sexta, 8, e especialmente no fim de semana, quando foi manchete de primeira página três dias, o programa apareceu como assunto mais importante do país, só desbancado pelo terremoto no Haiti. Se o programa é tão relevante, por que o jornal demorou 18 dias para descobrir? Mais grave ainda: por que não acompanhou o processo público de sua elaboração, que levou um ano desde a realização da 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, em 2008, cujos debates foram literalmente ignorados pela Folha?

Mais uma vez em seu noticiário político, este jornal age como se a editoria de esportes desconhecesse por completo um campeonato de futebol para anunciar, com atraso, só o resultado da última partida. No sábado, dia 9, quando o programa de direitos humanos foi manchete pela primeira vez, a coluna de São Paulo na página A2 teve o bom senso de alertar o leitor: nele ‘tudo pode porque, no fundo, nada é para valer’.

Mas, se é assim, por que tanto barulho, como se ele fosse lei em vigor, e não uma série de recomendações que, para se materializarem, terão de passar por longo processo de tramitação do Legislativo?

O jornal também demorou a mostrar ao seu público que as duas versões anteriores desse programa, de 1996 e 2002, eram muito parecidas com esta, consequência quase natural daquelas. Foi só na coluna de Brasília de segunda e numa ampla reportagem com boa arte na terça que isso ficou claro.

O tema dos direitos humanos é amplo e abrangente como o programa não poderia deixar de ser, conforme explicou artigo publicado na quarta sobre a gênese desse conceito, ainda mais bem discutida no livro abaixo recomendado.

O aspecto mais agudo da controvérsia, a criação de uma comissão da verdade sobre a ditadura, parece ter sido contornado, e o jornal explicou bem em reportagem na quarta como a confusão se criou.

O filme abaixo indicado mostra como foi o processo da primeira dessas comissões, na África do Sul, e vale a pena ser visto para ter uma perspectiva do que pode ocorrer no Brasil.

PARA LER

‘A Declaração Universal dos Direitos Humanos -60 Anos Sonhos e Realidades’, de Maria Luiza Marcílio (organizadora), Edusp, 2008 (a partir de R$ 43,20)

PARA VER

‘Em Minha Terra’, de John Boorman, com Samuel Jackson, 2004 (a partir de R$ 24,90)’

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‘Cobertura do terremoto no Haiti’, copyright Folha de S. Paulo, 17/1/10.

‘A cobertura do terremoto no Haiti por este jornal começou claudicante na edição de quarta-feira, quando foi manchete só na edição São Paulo e mal foi mencionada na capa a possibilidade de haver vítimas brasileiras, mas terminou a semana com louvor.

Três enviados especiais começaram a encaminhar material publicado a partir de quinta, com informações, histórias e fotos exclusivas, em especial sobre a situação de compatriotas, que valorizam demais o conteúdo oferecido ao leitor.

A manchete de sexta merece menção por superar o vício muitas vezes apontado aqui de repetir o que todo mundo já sabia (praticado na quarta e quinta).

Ao contrário, a de anteontem parte do pressuposto de que o leitor sabe o que está acontecendo no Haiti, destaca um aspecto relevante na estrutura do país (a fragilidade do Estado), relaciona-a com a tragédia corrente e indica uma tendência (de que o socorro às vítimas será dificultado por essa característica do país). Foge do lugar-comum, incita o leitor a raciocinar, extrapola o meramente factual.’

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‘Onde a Folha foi bem…’, copyright Folha de S. Paulo, 17/1/10.

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